quarta-feira, 8 de julho de 2009

o cego cumprimento à lei e a falsa idéia de paz social



Olá Pesso@s!
Ou seria melhor Balel@s?
Com a nomeação de Mário César Brito Duarte ontem, no Rio, para o Comando Geral da PM, seu blog virou atração nacional, é um Militar Blogueiro e, agora, exerce um cargo político num estado dito "tomado pela guerra e pelo extermínio".
Imagino que o ego de quem vence uma batalha como Comandante em Chefe deve ser semelhante ao de Napoleão Bonaparte... falo isso porquê a humildade não está na moda e, tampouco é usada pelos que só mandam, não aprenderam mediar conflitos se não pelo poder hierárquico. Enfim...
Conheci pessoalmente Ignácio Cano e Roberta Pedrinha, no Rio, no Seminário do Instituto Carioca de Criminologia em Junho passado. Ambas as falas convergem com o que penso e pesquiso e, diga-se de passagem, foi um imenso prazer ouvir Roberta Pedrinha! Estudiosa e pesquisadora excelente, com uma base teórica impressionante. Apropriando-me de um questionamento que li dia desses e não me recordo de quem: "será que um dia conseguirei ler 1/3 do que ela já leu?". Tomara!
Não falarei sobre as falas deste evento, pois a leitura feita é parcial e não-neutra. Limito-me a tecer alguns comentários sobre o texto, aplaudido por toda a Blogsfera Policial e seus simpatizantes.
Sublinhei no texto que considero retórica discursiva e a falta de reflexão sobre a politica.


"Para que meus leitores entendam melhor o motivo daquela sessão pública, é conveniente conhecer acerca dos seus atores-debatedores: o primeiro que relaciono (embora tenha chegado atrasado) é o professor-doutor Jose Ignácio Cano Gestoso, mais conhecido na mídia e nos meios acadêmicos como Ignácio Cano; a segunda pessoa é o desembargador Sérgio Verani, com quem, salvo engano de memória, tive a oportunidade de debater, há alguns anos, a descriminação da maconha no auditório da ACADEPOL; a terceira é a advogada-professora-doutora, (ou doutora-advogada-professora, sempre me enrolo no uso desses títulos) Roberta Duboc Pedrinha, da universidade Candido Mendes e a última a professora (mestra, doutora, pós-doutora, pós-pós etc.) Patrícia Rivero, do IPEA.
Coube ao desembargador Verani iniciar o debate. Embora ele tenha seguido um rumo - digamos - esperado, (com exceção dos representantes do estado ali presentes como: eu, minha equipe, o Bolsonaro, uma delegada e um delegado da PCERJ, qualquer que se encontrasse na sessão iria se colocar em oposição ao nosso trabalho), foi dele a iniciativa, mesmo involuntária, de fazer com que não saíssemos do evento com um sentimento de impertinência geral. Verani, ao anunciar que a questão das mortes de criminosos que confrontam policiais, deveria ser alvo de uma discussão franca, me permitiu decidir que, quando chegasse minha vez de falar, iria começar com tal consideração.
Após, falou Ignácio Cano. Discorreu sobre a violência policial, citou números. Garantiu que há um desequilíbrio entre mortos policiais e marginais no Rio, usando como fundamento do seu discurso um argumentum ad verecundiam fundamentado nas considerações de um especialista americano (não me recordo se policial); teceu comparações, elogiou a polícia militar de Minas Gerais por não promover o assassínio de civis (eufemismo para inocentar bandidos em armas), lançou desconfianças sobre a lisura da polícia civil na análise de ocorrências com mortes pela PM e estendeu suas desconfianças ao ministério público e aos magistrados. Finalizou, o insigne professor argentino, levantando a bandeira da prisão em qualquer caso para policiais envolvidos em confrontos com morte, mesmo em legítima defesa e em pleno uso do direito da força, nos revezes durante os serviços, quando têm que vencer a resistência armada de facínoras por opção.
Falaram ainda a professora Pedrinha, que manifestou suas desconfianças sobre as ações policiais no Complexo do Alemão e a professora Rivera, acho que uruguaia, não tenho certeza, que apresentou parte do estudo que realizou no IPEA sobre violência e território, abordando a questão dos homicídios numa consideração com a proximidade de moradia entre assassinos e vítimas, além de outros aspectos que seria extenso demais falar aqui.
Bem, então chegou a minha vez.
Eu estava muito à vontade.
O doutor Verani me dera um presente e lá fui eu.
Ele nos concitara a falar francamente e eu comecei por aí.
Ora, falar francamente significava considerar, logo, que parte – a maior parte – do que falaríamos, estaria assentada nas nossas idiossincrasias e ideologias, e não no simulacro científico que antecede os discursos, na apresentação das credenciais de oradores: - Ouviremos agora o doutor disso, a doutora daquilo, a pós-doutora daquiloutro!
Era preciso, de imediato, expor o carnegão ideológico escondido sob a epiderme das nossas intenções, antes que alguém pensasse que toda aquela vermelhidão fosse só exposição demasiada às luzes da ciência.
Peguei três ou quatro expressões recorrentes nos discursos dos professos das lutas de classes como motor da história e explicação do mundo, que haviam sido ditas, para fazer descer os enunciados ao solo das relações “coisa e juízos”, propondo, nisso, a validação de uma regra de debate com fundamento na hipótese de enunciação da verdade.
Havia se passado uma hora de oratória política dissimulada e isso me incomoda mais do que passar pelo maracanã em dia de jogo do flamengo.
Olhei no rosto dos meus interlocutores e pude sentir-lhes certo descontentamento.
Alguns cientistas de humanidades às vezes nos lembram os bêbados. Nunca devemos dizer-lhes de suas condições, dizer-lhes, por exemplo, que os dois olhinhos que eles garantem enxergar no cachorrinho que crêem estar entrando no bar, na verdade é um olhinho só, e que o cachorrinho está saindo do bar, e não entrando.
Não é fácil convencer convencidos.
Não pretendo isso.

Fui àquele local porque era minha missão.
Aquelas pessoas que prestigiavam o debate formam um círculo ideológico.
Lá estavam representantes do Justiça Global, da Rede Contra Violência, do Tortura Nunca Mais etc.

Se é ilusão acreditar que qualquer consideração, mesmo fundamentada na mais pura verdade e assentada em valores universais e absolutos, como o direito de um não agressor à vida, mas em sentido contrário às suas teses, lhes mudará a disposição e o entendimento, não posso, todavia, me furtar de me apresentar na arena das polêmicas dos juizos quando isso me é exigido num contexto de legalidade e legitimidade.
Cano, Pedrinha e Rivera são ideólogos. Nada mais legítimo. Não precisam camuflar o que lhes é direito.
Não é crime, não é vergonha.
E também não cometo crime quando lhes aponto isso; no máximo cometo uma indiscrição.
Eles têm todo direito de se apresentarem ideologicamente, filosoficamente, como eu faço, sem precisar apelar para “quanti” e “quali”, querendo se mostrar isentos.
Chega de balela!

Eles reclamam dos altos números de confrontos e eu também. Que saudades da época em que não havia fuzis nas mãos dos traficantes, e nós, policiais, usávamos revólveres e algemas para prendê-los.
Agora meus amigos, o buraco é mais embaixo.
Agora são milhares de granadas e uma ideologia regulando tudo, a ideologia de facção, com sua subcultura de ódio e dominação se espraiando pelo país.
Não desejamos autos de resistência, senhoras e senhores doutores, desejamos tranqüilidade pública e paz social, para nós, para cada cidadão fluminense e para todos que aqui transitam, como nuestros hermanos argentinos e uruguaios que vivem, trabalham e se divertem ao som do nosso samba.
Por isso temos uma política de enfrentamento que não bordeja problemas; do contrário, encara-os e propõe alternativas de paz sem mediação com o crime.
Não podemos aceitar essa tese desproporcional à nossa realidade semelhante aos conflitos armados de baixa intensidade. Encarcerar, de imediato, os policiais que se envolverem em confronto com mortes, numa área conflagrada como a nossa, é uma sandice.
Como mobilizar uma tropa para se meter em meio a uma guerra entre facções inimigas - como aconteceu recentemente na Maré quando pereceram, em combate, um soldado, um sargento e um tenente, para livrar a população da loucura do lumpesinato que os senhores eufemisticamente chamam de “civis” - se eles tiverem que ficar presos após o cumprimento de suas missões legais, legítimas e razoáveis?
Lutar contra os excessos sim; contra autos de resistência forjados sim, contra assassínios premeditados sim. Nisso estamos juntos.
Mas, se curvar às manobras ideológicas travestidas de ciência com simulacro de sentimentos humanistas, não!
Vamos continuar tendo uma discussão franca sobre isso.
Estou à disposição" - Postado por Mário Sérgio de Brito Duarte, 02.07.09
Pois bem.
Inicialmente, discussão de quem com quem? Mudos com surdos?
Da mesma forma que ele menciona que não há como se convencer quem já está convencido, o mesmo acontece com o seu próprio discurso. Há de se pensar que não estamos no debate para ganhar a guerra, idéia que perdurou durante toda a sua escrita, mas sim conciliar os saberes. Exercer o direito de ouvir aquele que está na outra ponta. O discurso humanitário não é retórico. Pode até ser para alguns humanistas de "meia-tijela", o que não é o caso dos Humanistas ali descritos.
Da mesma forma que a Polícia sofre com as investidas nas ações, há de se ter presentes que inocentes MORREM, e não são poucos (motivo que existem estatísticas, elas não se prestam a mostrar somente o grau de eficiência institucional, mas também o de ineficiência).
Há muito a Polícia se utiliza desta tática de guerra, o que se leva a constatar que ela não resolve. Assim, a interrogação que se abstrai disso é: não está na hora de se criar alternativas a esta lógica de agressão? 
Não, não penso que isso seja possível da noite pro dia, mas a cultura só se modifica com a prática. A politica de guerra e comunidade estatuída nas leis civis e militares - exemplo, a criação dos Conselhos Comunitários e a Criminalização de Condutas que fortificam a repressão, é esquizofrenizante (termo que adotei recentemente pra falar da loucura e falta de noção da realidade): de um lado a tentativa de forma o policial huminitário, de outro a lógica 'bope'. Quem muda culturalmente conciliando políticas de violência com "bala"?
A recepção da (pequena) parcela das Comunidades integrantes das Organizações Criminosas - há estudos comprovados que o tráfico de droga ocupa a média de 0,8% da população das favelas - com o tiro é uma prática histórica.
Saliento que esta cultura de violência sempre foi entre o Dominador (Estado) em detrimento do Dominado (Povo), nunca o contrário, ou seja, a lei da física explica o fenômeno da ação e reação.
Outro fator de suma importância que tod@s, sem exceção, temos de ter presente, é a questão da neutralidade. Ninguém é neutro. A academia, mesmo os discípulos de Kelsen, não é. O Estado não é. A Polícia também não.
Assumir a neutralidade não é crime algum. Tod@s defendemos o que acreditamos, dentro das nossas percepções de mundo (e ponto final). Friso, que não há aqui a pretensão de se ter um vencedor entre o certo e o errado, mas por meio das lacunas teóricas, das ausências práticas, das necessidades da maior parte da população, que é a quem deveriam ser dirigidas as políticas de Estado, chegar a um denominador comum. Aprender a se caminhar lado a lado, não em sentido contrário, que é o que se fez a vida inteira. Nos encaminhamos, no curso histórico, dentro da lógica do Sistema Capitalista de Produção, para o "Eu" e esquecemos no "Nós". Estamos agora colhendo os frutos do individualismo e da solidão que plantamos.
Não acredito, concretamente, que precisamos comprar o discurso do "outro", precisamos tão-somente, encontrar a saída para minimizar a dor daqueles que sofrem, a bala já causou um estrago muito grande.
Uma vez reconhecida a ausência da neutralidade dos diferentes conhecimentos e da necessidade do diálogo, precisamos repensar outro aspecto da vida humana (ou propositadamente, como eu considero melhor adaptado), que, erroneamente, pautamos a vida em sociedade: a ideologia da paz social.  
O homem é um ser conflitual por natureza e assim se constituiu como "ser no mundo", vivemos de escolhas e a elas nos orientamos para levar a vida... Nem sempre o que escolhemos vai de encontro ao que "o outro" quer ou escolhe para "ser".
Pois bem, uma vez constatadas estas premissas, vemos que não existe (humanamente falando) uma lógica de paz, mas sim, vivemos sob a lógica conflitiva, ou seja, somos diferentes e desta forma precisamos aprender a conviver pacificamente.
A cultura de massa e o senso comum não reconhecem o direito às diferenças. Tornado as diferenças algo intolerável às sociedades (caráter histórico também). Note-se que a cultura ocidental só se constituiu ou se desenvolveu nos períodos de conflitos (tudo bem... eu questiono esta lógica de desenvolvimento!).
O que quero resumir é que jamais veremos a paz social concretizada, tal e qual o comunismo, ela é uma utopia!
Mas o que não é utopia é a dialética da vida, que se constrói na medida que sentimos a necessidade de modificar e conciliar em prol de um " outro mundo possível".
Por fim, da mesma forma que reconhecemos a inexistência da neutralidade, precisamos urgentemente desmistificar o conceito da ausência política, ou seja, o homem é um ser político (partidarismo é outra coisa).
A vida em sociedade não existe sem a politica. A omissão, inclusive, é um exercício político.
A discussão no âmbito da legalidade - material e formal, acadêmico ou militante, é ainda mais imperceptível e incipiente. 
Discutir política hoje, dentro da ideologia liberal, burguesa e capitalista, tem sido uma tarefa difícil, poucos são os que conseguem olhar além do senso comum que impera nos discursos hegemônicos das classes dominantes, adotados como o bem comum e a paz social.
Vemos que o consenso dos moldes positivistas de sociedade continuam a imperar, o questionamento da ordem posta pressupõe a falência dessas instituições jurídico-políticas estatais.
Assim, como sugeres Enrique Dussel (“20 Tesis de Política”), continuemos a luta situando a fala a partir da sua condição de sujeito deste processo em desenvolvimento.
 
Ilustração: Mafalda por Quino

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