quinta-feira, 27 de maio de 2010

DIVULGAÇÃO: Método em Marx

Tomei conhecimento pela Lista da RENAP e divulgo!
ensinamentos válidos!
Abraços!

José Paulo Netto - O Método em Marx (mp3)
Dando prosseguimento à divulgação de materiais básicos para o movimento de rediscussão da obra marxiana em tempos de crise do capital, disponibilizo aqui os arquivos de áudio (mp3) de um curso ministrado pelo prof. José Paulo Netto sobre o método em Marx.

Aqui ele apresenta o percurso intelectual de Marx no contexto histórico de crise social alemã e européia do século XIX, que contou com a constituição do proletariado enquanto classe-para-si, especialmente a partir de 1848. Apresenta a especificidade da obra marxiana e suas diferenças essenciais - do ponto de vista teórico-metodológico e político - aos principais pensadores das ciências sociais, como Weber e Durkheim.

O curso está dividido em 10 arquivos:

Aula 1 - parte 1
Aula 1 - parte 2
Aula 2 - parte 1
Aula 2 - parte 2
Aula 3 - parte 1
Aula 3 - parte 2
Aula 4 - parte 1
Aula 4 - parte 2
Aula 5 - parte 1
Aula 5 - parte 2

terça-feira, 25 de maio de 2010

PALESTRA ESMESC: DEMOCRACIA E PROCESSO PENAL

Divulgo, recordando que é amanhã! Abraços!




DEMOCRACIA E PROCESSO PENAL


A Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina - ESMESC, a Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC, a Academia Judicial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - AJ/TJSC e a Editora Conceito, convidam para a mesa de palestras sobre DEMOCRACIA E PROCESSO PENAL, que realizar-se-á no dia 26 de maio de 2010, às 19hs, no auditório da Associação dos Magistrados Catarinenses, com os professores:

ARNALDO MIGLINO (Prof. da Università di Roma " La Sapienza" - Itália)
PIERGIORGIO ODIFREDDI (Prof. Università di Torino – Itália)
JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO (Prof. Titular de Direito Processual Penal da UFPR – Doutor em Direito - Università di Roma " La Sapienza" - Itália).

Na oportunidade ocorrerá o lançamento dos livros dos Professores ARNALDO MIGLINO e JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO.

Local do evento: Auditório da AMC/ESMESC – Rua dos Bambus, nº 116, Itacorubi – SC, Florianópolis – SC.
Inscrições no site: www.esmesc.org.br

Entrada Gratuita. Será emitido certificado de participação.

domingo, 23 de maio de 2010

Artigo: ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

Caríssim@s,
Reproduzo aqui o texto do Alexandre Morais da Rosa (TJSC/UFSC), publicado no seu Blog sexta, dia 21.05, que - aos que acompanham -, avança no debate proposto por ele anteriormente (no artigo "O judiciário e a lâmpada mágica") sobre a apropriação equivocada do conceito de eficiência pelo Poder Judiciário.
Pactuo com a reflexão elaborada por ele, pois este assunto ocupou parte das minhas preocupações quando elaborava a dissertação.
Vale a leitura!

 


Alexandre Morais da Rosa e Warat


ABDCONST - Algumas coisas que disse: Franchising Judicial ou de como a magistratura perdeu o dignidade por seu trabalho, vivo?


“E você ainda acredita
 Que é um doutor 
Padre ou policial 
Que está contribuindo 
Com sua parte
 Para o nosso belo
 Quadro social...” Raul Seixas.
Alexandre Morais da Rosa[1]


1. Para iniciar nosso debate farei uma indagação simples, até ingênua, partindo de um exemplo. Consta na Wikipédia que: “Havainas é uma marca brasileira de chinelos de borracha produzidas pela São Paulo Alpargatas, uma empresa do Grupo Camargo Corrêa. A marca, que possui participação de 80% no mercado brasileiro de chinelos de borracha, comercializa cerca de 162 milhões de sandálias anualmente, dos quais 10% para mais de 80 países dos cinco continentes, podendo ser encontrada em mais de 200 mil pontos de venda. As exportações chegam a 22 milhões de pares (somente nos Estados Unidos está presente em 1.700 pontos de venda). A cada três brasileiros, dois em média consomem um par de "Havaianas" por ano. As vendas da sandália de borracha Havaianas, produto de sucesso da Alpargatas, já representam metade do faturamento da companhia, que no ano passado foi de R$ 1,6 bilhão. O investimento em marketing da marca, de 12% a 13% do faturamento, tem mantido a Havaianas em trajetória de crescimento. O percurso para a sandália ganhar status de marca fashion foi longo. Ele começou a ser traçado em 1994, quando a marca estava em crise, com queda de vendas. A empresa reagiu e lançou, com uma grande campanha de marketing, a Havainas Top, um novo modelo de sandálias de uma única cor. De 1994 a 2000 o produto foi aos poucos "sofisticado" pela empresa em campanhas e em muitos lançamentos. Foi quando modelos e celebridades começaram a desfilar com a sandália nos pés. As exportações aceleraram e a marca ganhou espaço em revistas e nas principais vitrines de moda no mundo.”

2. Imaginemos que qualquer um de nós foi escolhido para ser Presidente da fábrica que produz as sandálias “havaianas”. Para se chegar a tal posto, claro, não se fez concessões “abusivas” aos direitos dos trabalhadores, mas sim aos acionistas da empresa que “acreditaram” nas possibilidades de “Boa Governança”. Pois bem, dia destes sentei-me ao lado de um destes “técnicos de automação” durante um voo. Conversamos amenidades até que ele começou a falar do projeto que estava trabalhando, diria eu, “efusivamente”. Contou-me que a fábrica das Havaianas, em Campina Grande, na Paraíba, era feita de maneira quase manual, com “muitos empregados” e com um “custo de produção” muito alto. A nova fábrica que por minha incompetência não descobri onde é, precisará de poucos trabalhadores e, assim, diminuirá, os custos da produção. A pergunta que faço é: quem de nós, na condição de presidente, não optaria por este modelo mais eficiente? Quem não optar – e na verdade não há opção – perderá o emprego. Isto me fez lembrar o fato de dia destes, também, fui ao Banco depositar uns cheques e aproveitei para dar um olá para o gerente de minha conta. Conversamos banalidades e entreguei os cheques – os juristas diriam cártulas. Qual não foi a minha surpresa quando ele disse que já voltaria. Levantou-se e foi fazer o depósito no caixa eletrônico, entregando-me o comprovante de depósito. Perguntei-lhe o motivo e ele, sem peias, disse-me: estás vendo a caixa do banco. Respondi que sim. Continuou: entre as minhas metas está o aumento dos depósitos no caixa eletrônico. Se eu não cumprir as metas, perco o emprego. Se eu cumprir as metas, ela perde. Entendeu?, perguntou ele. Disse: perfeitamente.

3. Este dois exemplos do cotidiano podem, quem sabe, apresentar uma das chaves do que se passa no contexto brasileiro não só no “trabalho objetivado”, mas também sobre a impossibilidade econômica do “trabalho vivo” no contexto do pensamento único neoliberal. A par disto, também, cabe refletir sobre o que se passa nos últimos anos no campo da Administração Pública e, especialmente, no Poder Judiciário. Dito diretamente: é preciso entender que o Poder Judiciário deixou de ocupar um lugar de “instituição” para se postar como uma mera “empresa” encarregada da solução de conflitos ao menor “custo coletivo”, atendendo a uma lógica pragmática do custo-benefício.

4. Jean Pierre Lebrun aponta que “instituir” significa um lugar de exceção, de primeira vez, de alguma noção de hierarquia que não se perde em consensos horizontais habermasianos, enfim, um lugar de comando no qual a diferença dos lugares promova um certo respeito pelo dito. Não se trata, claro, de resgatar a legitimidade do lugar autoritário, nem muito menos aceitar a “democracia sem fricções”, onde tudo é deliberado em um “ética discursiva”. Isto seria desconsiderar que para além do pano de fundo discursivo há normas constitutivas e ideológicas, jogadas no campo do político. Entretanto, este possível lugar de Referência, anteriormente ocupado pelo Estado, diante do desmonte neoliberal, não pode ser substituído pelo Mercado, como Davos não cansa de dizer que é viável. Slavoj Zizek, neste sentido, adverte que na matriz Davos e Porto Alegre se afirmaram como cidades gêmeas da anti x globalização. Enquanto Davos promove encontros “seguros” em que as discussões eram conduzidas para o convencimento de que a globalização é o melhor para o mundo, Porto Alegre procurava demonstrar que a globalização neoliberal leva a morte. O que não se percebe é que a promessa de morte fascina, sabia o velho Freud. Houve, assim, na última década, uma transferência paulatina, inclusive das personalidades, do foro de Porto Alegre para Davos, quando não aparições performáticas em Porto Alegre, rumo a Davos. Mais uma vez o pensamento único prevaleceu... (Rui Cunha Martins).

5. Retomando o argumento, pode-se dizer que os “Aparelhos Ideológicos” (Athusser) hoje são governados por práticas de gestão administrativas da eficiência, cujo preço democrático é percebido por poucos. E os que percebem, de alguma maneira, encontram-se coarctados na possibilidade de resistência. O sintoma disto pode ser visto pelos inúmeros Relatórios que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ obriga a preencher a todo o momento. O culto pela “avaliação”, até porque não se sabe, de fato, quais são os critérios de quem analisa, se é que analisa, ganha contornos patológicos nesta virada de século, tudo em nome da “Boa Governança”. Cada vez mais os magistrados são obrigados a enquadrar suas atividades em fichas técnicas de cumprimento de obrigações conforme o Protocolo, também editado ou reiterado pelo CNJ, com o primeiro reflexo de se jogar conforme as regras do jogo, a saber, cada vez mais só se valoriza o que gera bônus, transformando a atividade jurisdicional em uma verdadeira atividade de “franqueado jurisdicional”. Claro que abusos acontecem no Poder Judiciário. Contudo, eles não podem ser o “Cavalo de Tróia” da eficiência. O resultado mais evidente é a “homogeneização” das decisões, voluntariamente ou de maneira forçada (Súmulas, Reclamação, Recusa recursal, etc.), com a transformação dos antigos juízes em meros gestores de unidades jurisdicionais. Aliás, quem não cumpriu a Meta 2 do CNJ preencheu uma proposta de gestão do acervo para 2010.

6. Aldacy Rachid Coutinho, professora de Direito do Trabalho da UFPR, aponta que dentre as diversas questões ocultas na atualidade, algumas podem e devem ser enfrentadas. Não se pode mais fingir cinicamente que não se sabia! Passamos de um Judiciário em que a figura do juiz era autônoma para uma “jurisdição monitorada”. Basta perceber que os Tribunais controlam desde a quantidade de julgados até o número de audiências designadas, bem assim indaga o motivo de não se marcar, eventualmente, audiências em alguns dias... Este tipo de ingerência abusiva implica na adoção eficientista da magistratura, numa verdadeira confusão do que se configura o “trabalho” da magistratura. A lógica, perdoem-me a possível ingenuidade, é a conversão do que ainda restava – para usar categorias fora de moda – de “trabalho jurisdicional vivo” em “trabalho jurisdicional objetivado”, bem demonstra Leonardo Wandelli. É impossível continuar-se a fingir/negar/mascarar a quantidade de colegas nossos que se tornaram dependentes químicos (fluoxitina, ritalina, cocaína, maconha, psicofármacos em geral), com irritação desmensurada, separações, assédio moral contra servidores da Justiça e familiares, terceirização das decisões (nunca se viu tanta dependência aos ditos assessores)... Há uma verdadeira perda das referências simbólicas que antes seguravam a atividade jurisdicional, podendo-se arriscar uma verdadeira “Síndrome do Pânico Jurisdicional - SPJ”. Entenda-se por esta SPJ a verdadeira substituição da atividade jurisdicional por um “curto-circuito” da atividade ritualizada de julgar, transferida para decisões já-dadas, de maneira acelerada, cuja angústia dispara o pânico. Jorge Forbes fala “da angústia própria à decisão. Não há decisão que não seja arriscada e que não induza à perda. O mal chamado estresse nada mais é do que a consequência do medo de decidir, que provoca o empanturramento de opções.” É que o sujeito juiz encontra-se num dilema: se decide como deve decidir, com reflexão e enunciação, demora mais do que o Sistema exige, e traz consigo a acusação de julgar contra o que já está estabelecido, dando falsas esperanças....; se decide como já-está-decidido apaga seu nome da decisão, a saber, não faz diferença quem assina, pois qualquer um poderia assinar esta decisão (sic) sem enunciação. E uma das características da Modernidade foi a de legar o lugar da enunciação, a saber, de alguém pontuar do lugar do juiz, transformada hoje em dia numa verdadeira lógica de “Franchising”, modo pelo qual a administração da Justiça, via Análise Econômica do Direito – Law and Economics, promove um sistema de decisões judiciais fixadas, ex ante, pelo franqueador. A licença da marca é previamente valorizada – uma decisão do TST, do STJ ou STF, a qual implica num reconhecimento do valor da decisão no mercado jurisdicional, sob o pálio de uma efusiva e – arrisco – canalha “eficiência”.

7. Como exemplo desta lógica homogeinizante pode-se invocar o processo eletrônico, o qual pode ter funções democráticas, mas na lógica que está sendo pensado servirá para dar “conforto jurisdicional ao julgador, dado que as “fórmulas” estarão, em breve, pré-dadas pelo Franqueador e o trabalho do Juiz-Franqueado será o de mero alimentador do Sistema, então, economicamente eficiente. A resistência de alguns setores da magistratura é tida como de gente ultrapassada, conservadora, quando, na verdade, é gente que procura demonstrar que não quer ser um franqueado. Contudo, estes resistentes, estão perdendo a batalha em nome da “segurança jurídica” e diminuição do “custo país”.

8. Com isto, em breve, da velha tarefa de julgar sobrarão apenas lembranças nostálgicas? O ambiente democrático que permeava o Poder Judiciário é tomado por um totalitarismo em que, diante da “burocratização eficiente” da atividade, pouca democracia se poderá buscar (Marco Marrafon). O tempo de um magistrado cada vez mais será tomado pelo preenchimento de infinitos relatórios de gestão, sistemas de monitoramento, coerções de uniformidade, e a consequência é que não restará, parafraseando Lebrun, nem tempo, nem espaço, e sobretudo desejo para que alguns assumam essa função, de tanto que estarão sujeitos a tarefas de controle e de gestão. Dito diretamente: Gestão sem Jurisdição. Alguns poderão objetar que não é assim, nem que os passos dados na história recente indicam neste sentido. Por isto vale a pena insistir nos sintomas de tal caminhar, lembrando-se sempre que os modelos totalitários sempre se impuseram em nome do combate à corrupção, como no golpe de 1964.

9. Mas não é só isto. Há mais. Por que o subsídio dos juízes brasileiros, após a EC 45, é um dos maiores da América Latina? Ao pensar sobre este tema cabe a advertência de Milton Friedman: não existe lanche grátis! Dito de maneira mais direta: alguma coisa se esconde por detrás deste movimento, manifestamente ideológico. No pós Constituição de 1988 o Judiciário passou a responder com maior veemência às demandas populares, especificamente no cumprimento das promessas da Modernidade, na efetivação dos Direitos Fundamentais (Lenio Streck, Ingo Sarlet). Embora não tenha sido a pretensão do próprio Poder Judiciário, no pós/88 (Werneck Vianna), a magistratura passou a ser a alavanca de modificacões estruturais, com o aumento do “custo país”, a saber, a atividade econômica precisava compor o “custo da produção” com o fator Poder Judiciário, manifestado pelo binômio “previsibilidade” e “eficiência”. Isto porque houve uma postura de parcela significativa da magistratura no sentido da Justiça Social.

10. Cabe marcar que o “Princípio da Eficiência” produziu um câmbio epistemológico do Direito, tornando a forma de pensar a partir de meios, reproduzindo vítimas. Claro. Vítimas de um modelo de Estado do Bem Estar Social não realizado e que se encontra, paradoxalmente, em desconstrução. Dito de outra maneira, o Estado Social é imaginariamente desfeito sem nunca ter sido, efetivamente, erguido. Trata-se da destruição de ruínas-sociais. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho sustenta: “Neste quadro, não é admissível, em hipótese alguma, sinonimizar efetividade com eficiência, principalmente por desconhecimento. Afinal, aquela reclama uma análise dos fins; esta, a eficiência, desde a base neoliberal, responde aos meios.” O discurso neoliberal promove, assim, uma “despolitização da economia”, como argumenta Zizek, abrindo espaço para que o significante da eficiência penetre no jurídico como sendo a nova onda redentora, verdadeiro “grau zero” (Barthes) da releitura do Direito. A economia acaba se tornando algo praticamente sagrado da “Nova Ordem Mundial”, sem que se possa fazer barreira pelo e no Direito (Avelãs Nunes). A eficiência inserida no caput do art. 37 da Constituição da República, percebida desde o ponto de vista de Pareto, Coase ou Posner, passa a ser o critério pelo qual as decisões judiciais devem, necessariamente, submeter-se. Não se trata mais de num cotejo entre campos – econômico e jurídico –, mas na prevalência irrestrita da relação custo-benefício. Este discurso maniqueísta entre eficientes de um lado e ineficientes de outro, seduz aos incautos de sempre, os quais olham, mas não conseguem perceber o que se passa. A questão é mostrar que este é um falso dilema, adubado ideologicamente (Julio Cesar Marcellino Jr). Sair deste quadro de idéias colonizadas é tarefa individual. Faz-se ao preço de um estudo sério que não se apazigua com frases feitas emitidas pelo senso comum teórico (Warat) e vendidas no mercado de decisões judiciais. Até porque as utopias da Modernidade não geram mais o engajamento de justificar uma razão para morrer. Um fim último, perdido no mercado das pequenas satisfações pulsionais diárias, efêmeras, cuja satisfação não implica na prometida completude. Mesmo neste quadro parece que o engajamento se perde na preguiça e ausência de esperança de um projeto coletivo. O individualismo hedonista, nesta quadra, no campo do Direito Estético de hoje, esbarra no muro das lamentações, sempre. Os sonhos coletivos viraram souvernirs, mercadorias. Camisetas de “Che Guevara” sem que saiba quem é, ou o que representou... são um exemplo limítrofe.

11. Com efeito, a resposta ao questionamento, já antevista no Documento 319 do Banco Mundial, passava por Reformas pontuais e silenciosas (Gerivaldo Neiva). Não sem razão a publicação da FGV e do Ministério da Justiça (I Prêmio Innovare) sobre o Judiciário chama-se: A Reforma Silenciosa da Justiça. Antônio Gramsci apontava que a cooptação dos intelectuais pelo Sistema Hegemônico era uma das estratégias de poder utilizadas para domesticar o pensamento crítico. A atualidade desta categoria se manifesta na maneira pela qual as decisões no âmbito do Poder Judiciário brasileiro se apresentam. O cotejo do Documento n. 319 do BID, dentre outros, aliada a frase de Milton Friedman de que o Direito é por demais importante para ficar nas mãos dos juristas bem demonstra a pretensão de pensamento único, neoliberal, em que o Poder Judiciário é metaforizado como uma grande orquestra, a saber, por um maestro (STF), com músicos espalhados nos diversos “instrumentos”. Estes músicos, ainda que arregimentados, eventualmente, por sua capacidade técnica e de reflexão, ficam obrigados a tocar conforme indicado pelo maestro, sob pena de exclusão da “Orquestra Única”. Não há outra para concorrer; ela é a portadora da palavra. Diz a Verdade. Ainda que alguns dos músicos pretendam uma nota acima ou abaixo da imposta, não lhe dão ouvidos, porque o diálogo é prejudicado. O slogam é: toque como queremos ou se retire. A “Orquestra do Poder Judiciário” ainda está em formação e a harmonia pretendida pelos donos do poder foi se adaptando por Emendas Constitucionais e Reformas Legislativas. Primeiro, claro, a (in)eficiência de um Poder paquidérmico, caro, oneroso, devolvido a sua grande missão: garantir os contratos e a propriedade privada, em nome da confiabilidade no mercado internacional. Para tanto foram articuladas diversas técnicas: 1) Súmula vinculante: por ela o maestro (STF) pode impor, definitivamente, a nota a ser tocada, retificando a interpretação mediante uma simples Reclamação, podendo, ainda, responsabilizar o músico juiz faltoso; 2) Reformas legislativas: a) abreviação do julgamento, mesmo sem o estabelecimento do contraditório; b) Relativização da coisa julgada inconstitucional (Paolo Otero iniciou e ganhou fôlego no Brasil), a qual quebra a ficção que se estabelece o Processo: a coisa julgada, bem sabia Carnelutti. A ficção maior do sistema, a coisa julgada, virou, também, flexível. Há uma reflexibilidade no ar... c) Repercussão Geral, em que se decide em bloco os temas ditos mais relevantes; d) jurisprudência dominante (CPC, art. 557); f) Súmula impeditiva de recurso (CPC, art. 518); g) julgamento do mérito sem processo (CPC, art. 285-A); ..., com o toque fundamental.

12. O fundamental, neste contexto, é a aplicação das lições de Gramsci, a saber, era preciso cooptar os atores judiciais, e a melhor maneira de assim proceder é pagando bem. Diz o ditado popular que pagando bem mal não tem. E a sabedoria popular, no caso, pode ser invocada, porque com ela, entende-se o motivo de o subsídio dos magistrados ser o teto do funcionalismo. Assim, de um momento para o outro, sem alarde, a classe dos juízes, então pertencente ao que se denominava de média, ganhou um up-grade; passou a fazer parte da Elite que consome e, então, passa a defender seus privilégios, os quais acabam se confundindo com os demais, ou seja, grande parte é farinha do mesmo saco. O lanche (subsídio e auxílio moradia), pois, não foi de graça! Pagou-se com a possibilidade do fim da Independência e da Democracia. O resultado efetivo foi um grande “cala a boca” nos juízes que passaram, não raro, a adotar uma postura mais complacente, sem alardes, nem contestações… de ver a banda passar cantando coisas de amor…

13. Isto contracena com o quadro de músicos formados por, pelo menos, dois corpos distintos. O primeiro de velhos músicos, na sua maioria acostumados e desde antes cooptados pelo poder, sem qualquer capacidade crítica e que ocupam os Tribunais da Orquestra. Talvez os “ceguinhos”, “catedráulicos” e “nefelibatas” apontados de Lyra Filho. Os segundos, mais jovens, bem demonstrou Werneck Vianna, fruto de uma pedagogia bancária (Paulo Freire), sem fundamentação filosófica adequada, alienados da dimensão humana e capazes de decorrar milhões de regras jurídicas, somente (Lédio Andrade e Horácio Rodrigues). Logo, incapazes, na sua maioria, de qualquer resistência constitucional, até porque formados na cultura manualesca. A ambos grupos, todavia, deve-se acrescentar dois fatores: a) a sedução cooptativa de um subsídio polpudo. Imaginariamente aderidos, vestem ou querem vestir Prada por possuírem, agora, condições financeiras de consumir. Curtir a vida de maneira diversa dos magistrados antes da Constituição/88. Viajam, compram, estão preocupados no consumo de objetos da moda. Aceitam facilmente o convite para adentrar neste mercado de ilusões, ficando, pois, na mais ampla “ausência de gravidade”, bem demonstrou Charles Melman. Os novos carros do mercado, a nova coleção da estação ocupa o lugar de algo que pode importar, “consumindo”, por assim dizer, o sujeito do enunciado. Torna-se uma maria-vai-com-as-outras. Pensar e resistir, para que? Quer gozar!; b) Este poder gozar, entretanto, cobra um preço. A alienação da capacidade crítica e uma obscena pretensão de eficiência, de quantidade, na melhor linha da Análise Econômica do Direito (Posner), implica o apagar do sujeito. O sintoma desta situação se mostra na aderência sem precedentes aos precedentes, numa americanização da “Orquestra Judiciária Brasileira”. De outro lado, também, cabe apontar que o poder gozar exige, cada vez mais, números de julgamentos, apresentações sinfônicas perfeitas, conforme a partitura, sem limites. Bulimina, stress, cardiopatias, baixa auto-estima, adições, dentre outras saídas, quando não budismo, induísmo, seitas, Juízes de Jesus, acabam se instalando.

14. Christophe Dejours aponta o dilema contemporâneo do trabalho: entre o “desespero” e o “reencantamento”. Isto se aplica do trabalho da magistratura. Após a CR-88, cabe insistir, o trabalho da magistratura modificou-se brutalmente. Antes decidiam-se questões individuais e em velocidade morosa, por assim dizer. No pós/88 o Poder Judiciário é demandado por questões sociais, com a aplicação horizontal dos direitos fundamentais, ingerências na liberdade de contratar (CDC, função social dos contratos e da propriedade, dentre outras questões), com muita aceleração. Daí, em muito, o mal-estar da magistratura individualmente entendida. Claro que ao se falar do coletivo invoca-se o individual (Agostinho Ramalho Marques Neto). Não porque são idênticos, pois cada singularidade é específica, mas justamente porque no enredo destas novas demandas, uma surge como fundante do outro campo, dado que não faz sentido falar-se em exterioridade neste lugar. A atuação do magistrado na seara trabalhista era a de aplicar no caso específico o direito incidente, no paraíso positivista da subsunção da regra geral a um caso específico. Entretanto, nos dias de hoje, com a constitucionalização da vida cotidiana, com o trabalho passando a ser produto de um mercado sem fronteiras e sem limites, via processo flexionado e célere, as coordenadas simbólicas da resposta se modificaram. De um lado o protagonismo na realização do Estado Democrático de Direito e, por outro, o aumento da angústia da função, do “desespero”.

15. Não se trata do aspecto negativo da perda da função, mas das consequências que a função implica em sujeitos que enunciam, do seu lugar. E, claro, há um ser humano no lugar de juiz, cujas relações familiares, de identificação individual e política são atingidas diretamente pelo exercício (in)autêntico da magistratura. Mas discutir o lugar do magistrado é tarefa proibida nos diz Pierre Legendre. Ideologicamente é melhor não deixar ver o sujeito que se esconde por detrás da toga. Problematizar este lugar é uma atividade clandestina, de borda, que procura dialogar com o imaginário social e o real de um sujeito. Enfim, há uma centralidade para o sujeito em seu reconhecimento diretamente ligado à sua atividade judicante, cujo afastamento não pode ser universalizado. A saber, não se trata de um sujeito diverso, totalmente diferenciado no Foro e outro no seu dia-a-dia. O exercício da magistratura causa um efeito decorrente da função. Isto é das leis da linguagem. Não se trata de um conteudismo, ou seja, de um conteúdo que possa ser colocado em todo o que exerce a magistratura. Não! A questão passa sobre os efeitos que o discurso promove no sujeito e seu lugar, bem assim sobre as possibilidades de “reencantamento”.

16. Resistir a isto, todavia, é ir contra a maré das “Almas Belas” (Zizek), gente que em nome do politicamente correto, da aceitação das ditas evoluções sociais, aceita deferir toda-e-qualquer-pretensão para não posar de reacionário, totalitário e conservador. Aceita o jogo do mercado, fabricando e vendendo decisões conforme a moda da estação. Trata-se de um lugar, um lugar que deveria ser de Referência, um lugar cuja função é a de dizer, muitas vezes, Não, disto eu não participo! Entretanto, para que se possa dizer Não é preciso se autorizar responsável, embora o discurso do senso comum o desresponsabilize, coisa que a grande maioria não se sente, por se estar eclipsado em nome do direito do conforto. Este lugar do Julgador precisa ser ocupado com responsabilidade pelo que se passa na sociedade. Não para se tornar o salvador, o novo Messias, e sim para recolocar o Direito no lugar da Referência, de limite. Por aí se pode entender, quem sabe, pelo qual as posturas reacionárias, de indiferença, voltaram com todo o vigor. Pode ser que agora os juízes brasileiros estejam mais interessados nas viagens das próximas férias, em trocar de carro, em comprar as roupas da moda, porque, enfim, na contabilidade do capital, este foi o preço que se pagou. Existem, claro, os que se dão conta e que precisam apontar para isto. A estes se dirá que perderam o juízo... A grande maioria dos Juízes brasileiros não sei se vestem Prada, mas com certeza querem vestir!

17. Um exemplo disto pode ser indicado. O enfrentamento da questão por políticas judiciais de “punitive demages”, ou seja, de decisões que além da reparação apliquem ‘sanções pedagógicas’, só aparentemente resolvem a questão. Implicam na aparente solução. Entretanto, no contexto dos “litigantes habituais”, esta condenação será “contabilizada” nos “custos de produção” e servirá apenas para uma pequena parcela beneficiada, bem como para aplacar a “sede de Justiça Social” de alguns aplicadores do Direito. O pano de fundo da questão não é tocado. E ouso dizer: não pode. Tocar na matriz da questão é impossível por dois fundamentos básicos. O primeiro é que o modelo capitalista mantêm, mesmo nesta compreensão, intocável a troca do trabalho por dinheiro, e estas decisões servem, no fundo, para relegitimar o sistema. O segundo é o de que se atacada a matriz do problema a Justiça do Trabalho perderá, em curto prazo, o glamour. Esta última afirmação é forte e precisa ser lida sem o primeiro sentimento de auto-preservação. Enfim, superada, de fato, a compreensão do trabalho objetificado, no horizonte, a Justiça do Trabalho perde seu sentido. Enfim, se é manipulado, mesmo com as melhores intenções. O sistema neoliberal colocará, no fim, dois freios. O primeiro pelos Tribunais Superiores, como já aconteceu nos EUA e, por último, contabilizará as condenações nos “custos” futuros. A vitória, pois, é de Pirro.

18. Parece, assim, complicado em falar em Não desde dentro da Orquestra. Porque assim proceder pode significar a impossibilidade de gozar na esfera privada, mediante a mais-valia cobrada na esfera pública, tornando-se quase que o músico solista, incapaz de fazer frente à Orquestra Total. Fundar uma Orquestra paralela é impossível. Talvez, então, seja necessário sabotar a Orquestra Principal, assumindo-se, com Gramsci, a condição de intelectual orgânico. A questão é saber se se pode pedir dos magistrados brasileiros isto? Neste estado de coisas, talvez, o ato que se possa fazer seja o de apontar para a cooptação e mostrar que ao mesmo tempo em que os atuais ganharam tudo, os novos magistrados, pós 2004, não terão mais aposentadoria integral, justamente foram estes que deram os aneis. A questão é que quando se dá os aneis, não raro, a mão vai junto..., dia Ângela Konrath.

19. O que se pode pedir ao Poder Judiciário e aos magistrados em 2010? Não mais do que eles podem dar. Esta advertência de Avelãs Nunes precisa ser levada a sério. A escolha está aí: ou o magistrado aceita a lógica de um Presidente das Havaianas/Gerente de Banco, ou garante a dignidade da função. Umberto Eco, em recente entrevista, disse: “Em 1931, o fascismo impôs aos professores universitários – 1200 na época – um juramento de fidelidade ao regime. Apenas 12 recusaram e perderam seus empregos. Talvez os 1.188 que ficaram tivessem razões nobres. Mas os 12 que disseram não salvaram a honra da universidade, definitivamente, a honra do país.” Pensar novas coordenadas de atuação, bem assim sustentar posturas críticas desde dentro do Poder Judiciário, sem medos, nem acovardamento, na perspectiva do “reencantamento” é a aposta desta mesa. Por fim, caso tudo que falei tenha sido apenas uma projeção sem sentido para os outros, terei pelo menos a companhia imaginária de Barthes que disse: "A vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões.
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[1] Realizou estágio de pós-doutoramento em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra e UNISINOS. Doutor em Direito (UFPR). Juiz de Direito. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado da UNIVALI e da UFSC. alexandremoraisdarosa@gmail.com. (http://lattes.cnpq.br/4049394828751754).

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Visita virtual aos Presos Federais, pode?

Visita Virtual e Videoconferência Judicial

Visando garantir a eficácia do tratamento penitenciário adotado no Sistema Penitenciário Federal e em consonância com a defesa dos direitos das pessoas presas, o governo federal lança, de forma pioneira no país, o Projeto Visita Virtual e Videoconferência Judicial.
Nascido de uma parceria entre o Departamento Penitenciário Nacional e a Defensoria Pública da União, o Projeto apresenta duas importantes vertentes no âmbito da execução penal. A primeira relaciona-se ao direito de manutenção dos vínculos afetivos, proporcionando o contato entre o presos e seus familiares e amigos; e a segunda, refere-se à realização de audiências judiciais por videoconferência.
O projeto vem ao encontro do ordenamento jurídico brasileiro onde, no âmbito dos direitos do preso, estabelecidos no art. 41 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, garante a visita do cônjuge, da(o) companheira(o), de parentes e amigos no processo de cumprimento da pena privativa de liberdade.
Já, com relação ao uso da ferramenta tecnológica para a realização de interrogatórios judiciais, a Lei nº. 11.900, de 08 de janeiro de 2009, objetivando dar mais efetividade à prestação jurisdicional, inovou o direito pátrio e possibilitou a realização de atos processuais por meio do sistema de videoconferência, desde que a medida seja necessária para atender a uma das finalidades estabelecidas e não impeça o direito de defesa do preso.
O Projeto é coordenado pela Coordenação-Geral de Tratamento Penitenciário, pela Coordenação-Geral de Informação e Inteligência Penitenciária e por Representantes do Grupo de Trabalho Depen e DPU, instituído pela Portaria Conjunta nº 001, de 23 de julho de 2009.

Público Alvo
Presos custodiados no Sistema Penitenciário Federal e seus familiares e amigos.

Metodologia de trabalho
No tocante à garantia do direito à visita, o Projeto está sendo implementado nas Penitenciárias Federais em parceria com os Núcleos da Defensoria Pública da União – DPU, de todas as Unidades da Federação.

As visitas virtuais serão realizadas em dias e horários previamente agendados pelos visitantes junto aos Núcleos da DPU e Penitenciária Federal.

Para a realização de videoconferências judiciais, o Departamento Penitenciário Nacional disponibilizará a infra-estrutura de rede necessária à conexão com os Tribunais Federais e de Justiça, o que possibilitará a realização de atos judiciais por videoconferência com os presos custodiados no Sistema Penitenciário Federal.

Principais Proposições para 2010:
Implementar o Projeto Técnico da Visita Virtual e Videoconferência Judicial dentro dos indicadores de eficácia, eficiência e efetividade;

Elaborar Portaria e Manual de Procedimentos sobre o funcionamento do Projeto Visita Virtual e Videoconferência Judicial.

Informações - Mais informações podem ser obtidas pelo email cgtp.dispf@mj.gov.br ou pelos telefones: (061) 2025-3904 / 2025-9843.


Novamente a BAGATELA!




HABEAS CORPUS Nº 157.594 - MG (2009⁄0246329-8)
RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOGADO : SILVANA LOURENÇO LOBO - DEFENSORA PÚBLICA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE : SIDNEI DA SILVA NASCIMENTO
ADVOGADO : PAULO ALFREDO UNES PEREIRA - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO

EMENTA
HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. FURTO SIMPLES. SUBTRAÇÃO DE BEM DE VALOR ÍNFIMO. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. Hipótese de furto de uma galinha caipira, avaliada infimamente - R$ 10,00 (dez reais) - não havendo notícia de que a vítima tenha logrado prejuízo, seja com a conduta do acusado, seja com a conseqüência dela, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante.
3. Embora a conduta do paciente - furto simples - se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado.
4. A existência de circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de processos criminais em andamento, a existência de antecedentes criminais ou mesmo eventual reincidência não são óbices, por si só, ao reconhecimento do princípio da insignificância. Precedentes deste STJ.
5. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da insignificância, absolver o paciente com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 04 de maio de 2010. (Data do Julgamento)
MINISTRO JORGE MUSSI - Relator

HABEAS CORPUS Nº 157.594 - MG (2009⁄0246329-8)
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOGADO : SILVANA LOURENÇO LOBO - DEFENSORA PÚBLICA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE : SIDNEI DA SILVA NASCIMENTO
ADVOGADO : PAULO ALFREDO UNES PEREIRA - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO

RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator):

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública em favor de SIDNEI DA SILVA NASCIMENTO, apontando como autoridade coatora a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Informa que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 155, caput, do Código Penal pela subtração de uma galinha, avaliada em R$ 10,00 (dez reais), restando condenado à pena de 1 ano de reclusão, em regime aberto, substituída por restritiva de direitos, além do pagamento de 10 dias-multa.
Ajuizada apelação criminal perante a Corte de origem, foi-lhe dado parcial provimento, tão-somente para reconhecer a forma privilegiada do delito e substituir a pena de reclusão por detenção.
Nesse contexto, sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal ante a atipicidade material da conduta, à luz do princípio da insignificância, mostrando-se irrelevantes os fatos narrados para o direito penal.
Pugna, assim, pela concessão sumária da ordem, suspendendo-se o mandado de prisão expedido em seu desfavor, e, no mérito, seja absolvido o paciente, ou, alternativamente, seja mitigada a reprimenda imposta.
Instruiu o pedido com os documentos de fls. 10 a 222.
Indeferida a liminar pelo Exmo. Sr. Ministro Presidente (fls. 225⁄226), foram solicitadas informações ao Tribunal indicado como coator, que as prestou a fls. 233 e 244-247.
Instado, o Ministério Público Federal opinou pela concessão do writ (fls. 270-272).
É o relatório.
HABEAS CORPUS Nº 157.594 - MG (2009⁄0246329-8)

VOTO - SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator):
Consta dos autos que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 155, caput, do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória:
Consta que na noite de 21 DE FEVEREIRO DE 2006 (TERÇA-FEIRA), em horário indeterminado, na residência sita no n.º 705 da Rua João Batista Lima, bairro São Cristóvão, São João Nepomuceno, o denunciado SIDNEI DA SILVA NASCIMENTO, SUBTRAIU PARA SI algumas galinhas caipiras à vítima SEBASTIÃO GERALDO XAVIER.
Apurou-se que o denunciado, por residir nas imediações, sabia que a vítima SEBASTIÃO mantinha algumas galinhas no quintal de sua residência.
Assim, por ocasião dos fatos, violou o mencionado quintal e evadiu com as penosas debaixo do braço.
Alertada por um telefonema anônimo a Polícia Militar empreendeu perseguição, logrando prender o denunciado em flagrante delito, ainda de posse de uma galinha. (fls. 26⁄27 - grifos no original)
Após regular instrução do feito, o paciente restou condenado à pena de 1 ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por restritiva de direitos, além de 10 dias-multa, reprimenda esta que foi transformada pelo Tribunal de origem, em sede de apelação, no mesmo quantum de detenção, reconhecendo a forma privilegiada do delito.
Agora, por meio deste habeas corpus, pretende o douto defensor que seja aplicado ao caso o princípio da insignificância, sob a alegação de que o bem subtraído possuía valor ínfimo, levando à atipicidade da conduta narrada na exordial.
A aplicação do princípio da insignificância, ou a admissão da ocorrência de um crime de bagatela, reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
Veja-se, sobre o tema, a lição de CEZAR ROBERTO BITENCOURT:
O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin, em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema del Derecho Penal, partindo do velho adágio latino minima non curat praetor.
A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade a bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.
[...].
Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em razão ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida, como por exemplo, nas palavras de Roxin, 'mau-trato não é qualquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito. Como força deve ser considerada unicamente um obstáculo de certa importância, igualmente também a ameaça deve ser sensível para ultrapassar o umbral da criminalidade".
Concluindo, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica. Como afirma Zaffaroni, "a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada" (Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, 14ª ed., Saraiva: SP, 2009, p. 21 e 22).
Certo que o referido princípio jamais pode surgir como elemento gerador de impunidade, mormente em se tratando de crime contra o patrimônio, pouco importando se o valor da res furtiva seja de pequena monta, até porque não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante ou irrisório, já que para aquela primeira situação existe o privilégio insculpido no § 2º do art. 155 do Código Penal.
A propósito, a preocupação de LUIZ REGIS PRADO:
De acordo com o princípio da insignificância, formulado por Claus Roxin e relacionado com o axioma minima non curat praetor, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância.
O princípio da insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados.
[...].
De qualquer modo, a restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores - v. g., valoração sócio-econômica média existente em determinada sociedade - tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e equitativo possível, com intuito de afastar eventual lesão ao princípio da segurança jurídica. (Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 - Parte Geral - Arts. 1º a 120 - 7ª ed., RT:SP, 2007, p. 154 e 155)
A orientação do Supremo Tribunal Federal mostra-se no sentido de que, para a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar-se em consideração os seguintes vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, salientando que o Direito Penal não deve se ocupar de condutas que, diante do desvalor do resultado produzido, não representem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
Nesse sentido, da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:
"PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO
DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - ATO INFRACIONAL EQUIVALENTE AO DELITO DE FURTO - 'RES FURTIVA' NO VALOR DE R$ 110, 00 (EQUIVALENTE A 26,5% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.
"- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.
"O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: 'DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR'.
"- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. 'O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social' (HC n. 94.505⁄RS, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, j. em 16-9-2008).
Assim, a aplicação do princípio da insignificância, causa excludente de tipicidade material, admitida pela doutrina e pela jurisprudência em observância aos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal, demanda o exame do preenchimento de certos requisitos objetivos e subjetivos exigidos para o seu reconhecimento, traduzidos no reduzido valor do bem tutelado e na favorabilidade das circunstâncias em que foi cometido o fato criminoso e de suas conseqüências jurídicas e sociais, pressupostos que, no caso, se encontram preenchidos.
Com efeito, na hipótese em exame, embora a conduta do paciente - furto simples - se amolde à tipicidade formal, que é a perfeita subsunção da conduta à norma incriminadora, e à tipicidade subjetiva, pois comprovado o dolo do agente, não há como, na hipótese, reconhecer presente a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado, já que o animal furtado - uma galinha caipira - fori infimamente avaliado - R$ 10,00 (dez reais) - não havendo qualquer notícia de que a vítima tenha logrado prejuízo, seja com a conduta do acusado, seja com a conseqüência dela, mostrando-se carente de justa causa a deflagração de ação penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante.
Nesse diapasão, desta Quinta Turma:
"HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA.
"1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.
"2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e⁄ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.
"3. A subtração de um par de chinelos, um frasco de shampoo e um frasco de VEJA, avaliados em R$ 19,00 (dezenove reais), por seis adolescentes, embora se amolde à definição jurídica do crime de furto, não ultrapassa o exame da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a sanção penal, uma vez que a ofensividade das condutas se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade dos comportamentos foram de grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.
"4. Ordem concedida para determinar o restabelecimento da sentença" (HC n. 67.905⁄SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, j. em 7-8-2008).
"HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO DE 09 LÂMINAS DE ALUMÍNIO AVALIADAS EM 20 REAIS. LESÃO MÍNIMA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
"1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.
"2. Entretanto, é imprescindível que a aplicação do referido princípio se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412⁄SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.04).
"3. No caso em apreço, aplicável o postulado permissivo, eis a mínima reprovabilidade e ofensividade da conduta. Precedentes.
"4. Ordem concedida, para, aplicando o princípio da insignificância, absolver o ora paciente, com fulcro no art. 386, inciso III do Código de Processo Penal, apesar do parecer ministerial em sentido contrário" (HC n. 99.990⁄SP, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. em 18-9-2008).
Vale destacar, por outro lado, a existência de corrente jurisprudencial no sentido de que a presença de circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de processos criminais em andamento, de antecedentes criminais ou mesmo eventual reincidência não seriam impeditivas do reconhecimento da atipicidade material da conduta pela incidência do princípio da insignificância, "pois este está diretamente ligado ao bem jurídico tutelado, que na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal" (HC 108.615⁄SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 27⁄11⁄2008, DJe 16⁄02⁄2009).
A propósito, pode-se colacionar os seguintes julgados:
"HABEAS CORPUS. FURTO TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Inocorrência de tipicidade material, mas apenas a formal, quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima.
2. No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento do paciente, que tentou subtrair de um estabelecimento comercial mercadorias avaliadas em R$ 18,00 (dezoito reais), sendo de rigor o reconhecimento da atipicidade da conduta.
3. Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte e também no Supremo Tribunal, a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impedem a aplicação do princípio da insignificância.
4. Ordem concedida" (HC 142.662⁄MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 17⁄09⁄2009).
"HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RÉU REINCIDENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A reincidência e os maus antecedentes não impedem a aplicação do princípio da insignificância.
2. O pequeno valor do bem subtraído é insuficiente para caracterizar o fato típico previsto no artigo 155 do Código Penal.
3. Constrangimento ilegal caracterizado.
4. Ordem concedida" (HC 132.492⁄MS, Rel. CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP), SEXTA TURMA, julgado em 18⁄08⁄2009).
"RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO TENTADO. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. MAUS ANTECEDENTES E PERSONALIDADE DO AGENTE. CIRCUNSTÂNCIAS DE CARÁTER PESSOAL. NÃO-INFLUÊNCIA NA ANÁLISE DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.
2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e⁄ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.
3. A tentativa de subtração de uma bateria de 12 volts e um alicate, os quais foram restituídos à vítima, embora se amolde à definição jurídica do crime, não ultrapassa o exame da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade, uma vez que a ofensividade da conduta se mostrou mínima;
não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzido e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.
4. As circunstâncias de caráter pessoal do agente, tais como a reincidência, os maus antecedentes e a personalidade do agente, não têm influência na análise da insignificância penal.
5. Recurso especial improvido" (REsp 1008535⁄RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 05⁄02⁄2009).
Diante do exposto, evidenciada a ausência de ofensa ao artigo 155, caput, do Estatuto Repressivo, já que o fato denunciado é penalmente irrelevante e, por isso, atípico, concede-se a ordem para absolver o paciente, com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA - Número Registro: 2009⁄0246329-8 HC 157594 ⁄ MG
MATÉRIA CRIMINAL - Números Origem: 10629060268675 629060268675
EM MESA JULGADO: 04⁄05⁄2010

Relator: Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. ALCIDES MARTINS
Secretário: Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOGADO : SILVANA LOURENÇO LOBO - DEFENSORA PÚBLICA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE : SIDNEI DA SILVA NASCIMENTO
ADVOGADO : PAULO ALFREDO UNES PEREIRA - DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Furto Qualificado
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.  
Brasília, 04 de maio de 2010   
LAURO ROCHA REIS - Secretário

Documento: 968197Inteiro Teor do AcórdãoDJ: 17/05/2010

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Criminalização dos Movimentos Sociais em SC: REVOLTA DA CATRACA



Companheir@s, 
Assistindo a estes 2 vídeos de fato dá vontade de berrar: "PQP! É a tarifa mais cara do Brasil!!!" 
À luta!
Acompanhem a agenda de manifestações pelo blog do Movimento do Passe Livre e pela página do DCE/UFSC.
Abraços!






Em 2006 a então relatora do tema “Defensores de Direitos Humanos” na Organização das Nações Unidas (ONU), Hina Jilani, realizou uma série de audiências no Brasil para ouvir as denuncias dos Movimentos Sociais sobre casos de violações dos direitos humanos no país. Este vídeo foi produzido para a ocasião de sua passagem por Santa Catarina.
O filme aborda três episódios recentes da história de Santa Catarina, são eles: a manifestação de repúdio ao “Relógio dos 500 anos” instalado pela Rede Globo nas capitais do país em 2000; a luta do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no ano de 2005 e as manifestações de resistência ao aumento das tar¬ifas do transporte público em Florianópolis, episódio que ficou conhecido como “Revolta da Catraca”.
Nestes três casos, a violência da repressão e criminalização dos movimentos sociais, marcou o papel da Policia Militar catarinense na violação dos Direitos Humanos e dos Direitos civis básicos da livre manifestação e expressão, nos quais se sustenta o “Estado democrático de Direito”. A partir da denuncia, “Democracia Militar” busca fomentar o debate sobre a qualidade e, no limite, sobre a possibilidade de um regime democrático no qual a ação dos aparelhos repressivos pauta-se pelo total desrespeito aos direitos básicos dos cidadãos.
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A foto "estudande desarmado" é de Jorge Minella. Errata: a música do Sepultura utilizada no vídeo chama-se Refuse / Resist e não Chaos A.D.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

ADICIONAR AOS FAVORITOS: La Cátedra Latinoamericana de Criminología y DDHH Alessandro Baratta

Companheir@s,
Tomei conhecimento da Página "La Cátedra Latinoamericana de Criminología y DDHH Alessandro Baratta" pelo Antiblog de Criminologia, do Prof. Dr. Salo de Carvalho (UFRGS), e divulgo. 


La Cátedra Latinoamericana de Criminología y DDHH Alessandro Baratta 

Concebimos y pensamos la Cátedra Alessandro Baratta no como una pieza más dentro de una organización académica mayor: departamento, escuela, facultad o universidad. Ni su vocación es llegar a ser un departamento en una escuela o facultad de una universidad, la Cátedra trasciende ese concepto.
Es una asociación de pura academia, sin burocracia; porque está formada por la comunidad de un grupo de estudiosos, investigadores, juristas, psicólogos, sociólogos, filósofos, un lugar donde convergen distintas disciplinas, la discusión crítica, cuyo vínculo es el recuerdo de la persona de Alessandro Baratta, la profundización del estudio de su pensamiento y el propósito de confrontarlo con las doctrinas filosófico-generales, iusfilosóficas, jurídico-penales, sociológicas, socio-criminales, antropo-criminales y criminológicas de la actualidad. 
Por esa razón su actividad central es el estudio del pensamiento integral de Alessandro Baratta, en todos los aspectos en que él lo dejó planteado o simplemente esbozado, dentro del contexto científico y cultural en que el mismo se desarrolla: desde su doctrina filosófica, epistemológica, filosófico-penal e histórico-penal de los primeros años de su vida académica; pasando por sus aportes en el campo de la Criminología Crítica y el Derecho Penal mínimo, los Derechos Humanos, el Derecho del Ambiente, el Derecho de la Niñez y la Teoría de la Liberación de sus años maduros. 
A partir de ese núcleo central, representado por un seminario permanente y sus investigaciones colaterales, la Cátedra se proyecta evolutivamente en el plano de la promoción y la capacitación formal y no formal, docencia e investigación, con el diseño de cursos de actualización y post-grado, conferencias y seminarios sobre derecho, proceso y ejecución penal y penal juvenil, administración de la justicia penal, sociología y derecho penitenciario, criminología, filosofía e historia del pensamiento penal y criminológico, seguridad humana y comunitaria, estudios latinoamericanos, derecho constitucional e internacional de los derechos humanos y educación para la paz. 
La Cátedra es ya, y puede ser cada vez más un centro de irradiación del pensamiento interdisciplinario: filosófico, sociológico y científico para la investigación, la discusión crítica de la política criminal y social, y penal en sentido amplio para la región latinoamericana, capaz de aportar contribuciones válidas en dichos campos para la solución de los acuciantes problemas de América Latina.

Walter Antillón 
Paula Dobles 
Coordinadores
http://www.una.ac.cr/cab/

quinta-feira, 13 de maio de 2010

É ISSO AÍ COMPANHEIR@S!!! À LUTA!



Estudantes se acorrentam em protesto contra o reajuste da passagem de ônibus


 
O protesto contra o aumento da tarifa do transporte coletivo em Florianópolis continua. Dez estudantes se acorrentaram em frente à sede do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis (Setuf), no Terminal de Integração do Centro (Ticen), por volta das 11h30min desta quinta-feira.
Um equipe de apoio faz a segurança dos jovens, que devem ficar no local até o fim da tarde.
Segundo um dos militantes da Frente de Luta pelo Transporte Público, Victor Khaled, o estudantes querem uma apresentação da planilha de custos do transporte coletivo, a auditoria da planilha e a revogação do aumento das passagens.
— Queremos fazer uma manifestação pacífica. Iremos protestar até que a prefeitura se pronuncie e atenda nossos pedidos — diz Khaled.
Um grande protesto está marcado para começar às 17h desta quinta-feira, também no Ticen. Durante a mobilização, haverá intervenções artísticas.
O reajuste de 7,3% da passagem de ônibus na Capital passou a valer no último domingo. Os usuários agora devem desembolsar R$ 2,95 (pagamento em dinheiro) ou R$ 2,38 (com o cartão).

Fonte: clicrbs

terça-feira, 11 de maio de 2010

OIT e o Trabalho Infantil: impossível erradicar?

Com a irmã presa às costas, menina quebra pedras em Juba (Sudão)

Erradicação do trabalho infantil até 2016 é inatingível, diz relatório da OIT

Segundo uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o objetivo de erradicação total do trabalho de jovens em 2016 é “inatingível”. Os progressos são lentos e os esforços relaxaram.
No mundo, 215 milhões de crianças (esse termo se aplica às pessoas com menos de 18 anos) de 5 a 17 anos são obrigadas a trabalhar, sendo que 115 milhões delas, jovens de 15 a 17 anos, chegam a exercer um trabalho “perigoso”, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa definição cobre as atividades que colocam em risco físico ou mental a saúde e a segurança das pessoas, como trabalho em minas, exposição a pesticidas em atividades agrícolas, ou uma obrigação de trabalhar por muitas horas (mais de 43 horas por semana), o que é o mais comum.
Em quatro anos (entre 2004 e 2008), o número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que trabalham passou de 222 milhões para 215 milhões, ou seja, uma diminuição de 3%. A queda foi forte entre as crianças de 5 a 14 anos (-10%), ao passo que o destino dos jovens entre 15 e 17 anos se agravou (+20%). Esse quadro, registrado antes da crise, apareceu no relatório apresentado pela OIT na conferência mundial sobre o trabalho infantil que começa na segunda-feira (10) em Haia. Ele não inspira otimismo. “Nesse ritmo de tartaruga, o objetivo da erradicação total do trabalho infantil em 2016 é inatingível”, lamenta Frank Hagemann, chefe de pesquisa e de elaboração de políticas no Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), fundado em 2006 pela OIT.
Cada vez mais meninos, cada vez menos meninas
Mais meninas estão frequentando a escola (segundo último relatório publicado pela Unesco, 54% das meninas ainda estão fora da escola, contra 58% do ano anterior), e também é menor a quantidade das que são obrigadas a trabalhar. O número de meninas que trabalham (88 milhões) apresentou quedas de 15% e 24% em suas formas mais perigosas. Inversamente, o número de meninos (128 milhões) aumentou 7% nos quatro últimos anos. Além disso, eles estão mais expostos a um trabalho perigoso, sobretudo à medida que crescem: entre 15 e 17 anos, 74 milhões deles são submetidos a essa condição.
Na África negra, uma em cada quatro crianças trabalha
É uma das chagas do continente negro. Uma em cada quatro crianças trabalha na África subsaariana (65,1 milhões de crianças), contra uma em cada oito na região Ásia-Pacífico (113,6 milhões) e uma em cada dez na América Latina-Caribe (14,1 milhões). Enquanto o trabalho de crianças entre 5 e 14 anos vem recuando nestas três últimas grandes regiões, ele aumentou na África negra, passando de 49,3 milhões para 58,2 milhões. A pouca escolarização das crianças na África subsaariana – uma em cada três não frequenta a escola primária - , o forte índice de prevalência da Aids (o mais elevado do mundo), bem como o aumento de conflitos nos quais crianças são alistadas, tornam estas mais vulneráveis ao trabalho e à exploração do que em outros lugares do mundo.
A agricultura, principal empregadora
Nada menos que 60% das crianças de 5 a 17 anos trabalham no setor agrícola, em enorme proporção na África subsaariana, contra 26% em outros serviços, onde o número de meninas é quase o dobro do de meninos, e 7% na indústria, de maneira significativa em Bangladesh, na Turquia, em El Salvador e em Honduras. Dois terços das crianças de 5 a 17 anos não são remuneradas.
O acesso à educação não é uma garantia absoluta
A eliminação do trabalho infantil está ligada ao acesso das crianças à escola, mas 72 milhões delas continuam sendo privadas de educação. Pela primeira vez, um relatório conjunto, realizado pela OIT, pela Unicef e pelo Banco Mundial, permite estabelecer paralelos entre a escolarização e a porcentagem de crianças que trabalham. Contudo, o acesso à educação, quando existe, não protege necessariamente as crianças do trabalho: 6,1% das crianças entre 7 e 15 anos exercem as duas atividades. Em quatro países da África subsaariana (Uganda, Maláui, Gâmbia e Costa do Marfim), o número de crianças de 7 a 14 anos obrigadas a trabalhar aumentou, ao passo que o índice de escolarização crescia ou estagnava.
As grandes empresas progrediram
Os especialistas da OIT e das ONGs são unânimes: as grandes empresas, de Nike a Adidas ou Gap, apontadas como vilãs nos anos 1990, reagiram. “Nossa opinião é que as grandes marcas não utilizam mais o trabalho infantil, inclusive entre seus fornecedores de primeiro e segundo grau – depois disso, é bem menos garantido”, diz Judy Gerahart, diretora do programa na Social Accountability International (SAI). Essa ONG lançou em 1997 uma norma social, a SA 8000, baseada nas convenções da OIT e da ONU. Até hoje, 2.100 “instalações” – envolvendo 1,2 milhão de funcionários em 63 países – adotaram essa norma exigente cuja aplicação é monitorada a cada seis meses; o que não é o caso dos “códigos de conduta”, espécie de estatuto sobre os direitos humanos, seguidos por grandes empresas.
Segundo um estudo publicado em 2009 pela Harvard Law Business School sobre uma amostra de 2.508 firmas que representam 85% da capitalização de mercado “do mundo desenvolvido”, 28% delas dispõem de tais códigos e 21% mencionam expressamente a proibição do trabalho infantil entre seus fornecedores.
 
Tradução: Lana Lim
11.05.2010