Socializo aqui esta decisão importante e corajosa do Juiz da VEP de Joinville/SC, Dr. João Marcos Buch, publicada no
Blog Sem Juízo, de Marcelo Semer, Magistrado do TJSP e Membro da AJD.
Abraços,
Dani Felix
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....efeito da decisão do STF sobre tráfico na execução....
Decisão sobre inconstitucionalidade de regime
inicial deve ser estendida aos já condenados
Por Marcelo Semer
Fazendo Justiça publica hoje
sentença do Juiz das Execuções Criminais de Joinville (SC), João Marcos Buch,
estendendo a sentenciado, decisão do STF que, em sede de controle difuso,
assentou a inconstitucionalidade do cumprimento obrigatório, em regime inicial
fechado, das condenações por tráfico de entorpecente.
Como afirma o magistrado, aplicar no caso o
princípio da isonomia àqueles que foram condenados em regime fechado, “nada
mais é do que reconhecer e reafirmar, sempre, que a pessoa do condenado jamais
perderá sua condição humana e por isso será sempre merecedora de irrestrito
respeito em seus direitos e garantias fundamentais”.
Em consequência, aplicou-se o regime aberto para o
início do cumprimento da pena, uma vez presentes as condições subjetivas.
“Se o Supremo Tribunal Federal em 27/06/12, no HABEAS CORPUS N.111840,
reconheceu em sede de controle difuso a inconstitucionalidade do parágrafo 1º
do artigo 2º, da Lei n.8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, para um
caso concreto que chegou à sua competência, é de se ponderar, pelo princípio da
isonomia (art.5º, caput e inciso I, da CF), que a decisão deve ser aplicada a
todos os reeducandos que nesta situação se encontram. Isso nada mais é do que
reconhecer e reafirmar, sempre, que a pessoa do condenado jamais perderá sua
condição
humana e por isso será sempre merecedora de irrestrito respeito em seus
direitos e garantias fundamentais”.
VISTOS.
Trata-se de execução penal relativa ao reeducando J.B., condenado à pena de 3
anos e 4 meses, em regime inicialmente fechado, pela prática do crime previsto
no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006.
Ao Juízo da Execução cumpre aplicar aos casos julgados lei posterior que de
qualquer modo favorecer o condenado (art.66, I, da LEP). Este aliás o teor da
Súmula n. 611 do STF, ao dispor que "Transitada em julgado a sentença
condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais
benigna".
De acordo com a doutrina, esta é uma das mais importantes atividades do juiz a
execução penal. Para NUCCI Não há que se considerar o juiz da execução um
super-juiz; ao contrário, tomemos como parâmetro o interesse do condenado e a
celeridade do processo, hoje preceito constitucionalmente previsto (art.5º,
LXXVIII, CF). Se um Acórdão proferir decisão condenatória, fixando a pena ao
réu, advindo lei posterior benéfica, cabe ao juiz da execução penal aplicá-la,
revendo a pena aplicada à luz da nova legislação (NUCCI, Guilherme de Souza.
Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: RT, 2009, pág.496).
Uma vez considerando isto, há que se avaliar se a
mesma regra se aplica a situações envolvendo norma reconhecida como
inconstitucional pelo STF em sede de controle difuso (art.97, CF). E isso
porque, na espécie, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de
votos, em 27/06/12, no HABEAS CORPUS N. 111840 declarou incidentalmente a
inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º, da Lei n. 8.072/90, com
redação dada pela Lei 11.464/07.
Certo é que os efeitos ex tunc (retroativos) das decisões dos Tribunais que em controle
difuso reconhecem a inconstitucionalidade de uma norma somente tem aplicação
para as partes, no caso concreto e no processo respectivo. Tanto é que para
alcançar efeito erga omnes, no caso
do controle difuso pelos tribunais, a Constituição Federal reservou ao Senado
Federal a competência privativa para deliberar (art.52, X) (MORAES, Alexandre.
Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2010, pág.727).
De uma forma ou de outra, como lembra MORAES, pela via de exceção ou defesa é
permitido a todo e qualquer juiz realizar no caso concreto a análise sobre a
compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal (MORAES,
Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2010, pág.720).
Neste ponto assim, é preciso reconhecer que a decisão do STF acima mencionada
deve ser aplicada aos casos concretos da execução penal, mormente em razão do
princípio constitucional da isonomia. Não é razoável que apenas o reeducando
que possua condições de contratar defensor, uma vez que defensoria pública
lamentavelmente ainda não há no Estado, possa fazer chegar seu pleito ao STF
para então lá, seguindo-se a nova orientação, conquiste o direito de cumprimento
de pena em regime inicial mais benéfico.
Ou seja, se o Supremo Tribunal Federal em 27/06/12, no HABEAS CORPUS N. 111840,
reconheceu em sede de controle difuso a inconstitucionalidade do parágrafo 1º
do artigo 2º, da Lei n.8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, para um
caso concreto que chegou à sua competência, é de se ponderar, pelo princípio da
isonomia (art.5º, caput e inciso I, da CF), que a decisão deve ser aplicada a
todos os reeducandos que nesta situação se encontram. Isso nada mais é do que reconhecer e reafirmar,
sempre, que a pessoa do condenado jamais perderá sua condição humana e por isso
será sempre merecedora de irrestrito respeito em seus direitos e garantias
fundamentais. (grifo meu)
A esse respeito Pedro Lenza enuncia como uma nova tendência no STF a teoria da
transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso.
"[...] Respeitável parte da doutrina e alguns julgados do STF ('Mira
Estrela' e 'progressividade do regime de cumprimento de pena nos crimes
hediondos') e do STJ rumam para uma nova interpretação dos efeitos da
declaração de inconstitucionalidade no controle difuso pelo STF".
Tergiversando sobre os efeitos erga omnes
no controle difuso, acrescenta o aludido autor acórdão do STJ assim epigrafado:
"[...] Embora tomada em controle difuso, é decisão de incontestável e
natural vocação expansiva, com eficácia imediatamente vinculante para os demais
tribunais, inclusive o STJ [...] Sob esse enfoque, há idêntica força de
autoridade nas decisões do STF em ação direta quanto nas proferidas em via
recursal. Merece aplausos essa aproximação, cada vez mais evidente, do sistema
de controle difuso de constitucionalidade ao do concentrado [...] (Resp
828.106/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª. Turma, j. 02.05.2006, DJ de
15.05.2006, p. 186)" (sublinhou-se).
Ademais, em julgamento liminar de mandado de segurança impetrado pelo
Ministério Público com o fim de impedir a aplicação dos efeitos do HC nº. 111.840
do STF, assim decidiu o TJ/SC: "A liminar não pode ser concedida. Em
primeiro lugar porque não vislumbro claramente o direito líquido e certo para
que se fundamente o presente writ,
nos termos do disposto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição de 1988. Na
verdade, são os condenados que possuem o direito líquido e certo de terem suas
penas revisadas por conta da declaração de inconstitucionalidade de dispositivo
legal que determina a fixação do regime fechado para todos os crimes hediondos
e equiparados, independente da pena aplicada e das circunstâncias judiciais inerentes
a cada caso. Em segundo, não demonstra ilegalidade a decisão por vislumbrar a
possibilidade de aplicar o entendimento do Supremo Tribunal Federal
fundamentado no julgamento do Habeas Corpus 111840. Tanto que esta egrégia
Câmara já vem aplicando igual entendimento nos recursos de crimes com
condenações iguais ou inferiores a 8 anos de reclusão, por crimes previstos na
Lei 8.072/90. Aliás, não é a primeira vez que este Tribunal corrige situações
alusivas a presos condenados diante de decisões do plenário do Supremo Tribunal
Federal que consideram
dispositivos de lei federal inconstitucionais. Exemplo disso era a
impossibilidade de progressão de regime prevista na Lei 8.072/90. Eis os
precedentes desta Corte: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. RECURSO MINISTERIAL. CRIME
EQUIPARADO A HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. PLEITO DE APLICAÇÃO DA FRAÇÃO
PREVISTA NA LEI N. 11.464/07 PARA O CÁLCULO DO BENEFÍCIO, SOB O ARGUMENTO DE
QUE SE TRATA DE LEX MITIOR. DECISÃO
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUE DECLAROU INCIDENTALMENTE A
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI N. 8.072/90 QUE, MALGRADO TENHA
SIDO PROFERIDA EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE, DEVE SER
ESTENDIDA AOS DEMAIS APENADOS EM IDÊNTICA SITUAÇÃO, AINDA QUE AUSENTE RESOLUÇÃO
DO SENADO FEDERAL, A QUAL TEM MERO EFEITO DECLARATÓRIO. CRIME COMETIDO ANTES DA
ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 11.464/07. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA
PENAL. APLICAÇÃO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL.
DECISÃO ESCORREITA. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso de Agravo n. 2007.057813-3, de
Balneário Camboriú, rel. Des. Tulio Pinheiro). [...]. Assim, não vislumbro no
presente momento ilegalidade na decisão do juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca
de Joinville. Também não abusou o magistrado de seu poder jurisdicional. Além
do mais, se o representante do Ministério Público entender pela impossibilidade
da fixação de regime diverso daquele a ser possivelmente fixado pela autoridade
coatora, poderá recorrer da decisão" (TJ/SC; Mandado de Segurança nº.
2012.048302-9; Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt
Schaefer).
Com efeito, considerando o disposto no art.66, I, da LEP, a Súmula n. 611 do
STF, a decisão do STF supra mencionada, a natureza e os efeitos do controle
incidental de constitucionalidade e o princípio da isonomia, resta adotar a
decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do HABEAS CORPUS (HC)
111840, como razão de decidir e consequentemente pela via da exceção neste PEC
reconhecer a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º, da Lei n. 8.072/90,
com redação dada pela Lei 11.464/07.
Como corolário, cabe nesta etapa avaliar em que regime tem o reeducando direito
de iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade que lhe foi cominada.
Verifica-se que na dosimetria da pena constante na sentença condenatória
(fl.24) o Juízo sentenciante consignou que o regime inicial de reclusão seria o
fechado, unicamente em razão do disposto no parágrafo 1º do artigo 2º, da Lei
n. 8.072/90.
Destarte, como este dispositivo é materialmente
inconstitucional e como não tem este Juízo da Execução a mínima possibilidade
de reavaliar as circunstâncias judiciais fixadas na dosimetria da pena ou até
mesmo de realizar um exercício de hermenêutica a respeito, sob pena de
ingressar na seara subjetiva e por isso ilimitada, com consequências sérias na
segurança jurídica, cumpre objetivamente verificar os requisitos do disposto no
art. 33, §2º, do CP, para efeito de fixação do regime inicial da pena.
E assim, tendo como base o montante da pena privativa de liberdade, inferior a
4 (quatro) anos, e a primariedade, na forma do art. 33, do CP, deve a pena
privativa de liberdade aplicada ser cumprida inicialmente no regime aberto.
Ex positis: Com base na decisão
exarada pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do HABEAS CORPUS (HC) 111840,
cujos fundamentos adoto como razão de decidir, deixo de aplicar no caso em
apreço o parágrafo 1º do artigo 2º, da Lei n. 8.072/90, com redação dada pela
Lei 11.464/07, por reconhecê-lo inconstitucional quanto à materialidade.
Por outro lado, com base no art. 66, I, da LEP, na Súmula n. 611 do STF, na
decisão do STF supra mencionada, na inconstitucionalidade ora reconhecida e nos
fundamentos acima tecidos, na forma do art. 33, do CP, objetivamente, fixo o
regime inicialmente aberto para cumprimento da pena privativa de liberdade.
Em consequência, fixo ao reeducando as condições seguintes para o cumprimento
da reprimenda remanescente, inclusive sob pena de regressão de regime: (I)
comprovação, no prazo de 90 (noventa) dias, ocupação lícita e endereço fixo;
(II) permanecer em sua residência nos dias úteis durante o repouso noturno, das
20:00 horas às 06:00 horas do dia útil seguinte, e integralmente nos dias de
folga, compreendidos aqui os feriados e finais de semana em que não comprove
expediente; (III) não se ausentar da cidade sem autorização judicial; (IV)
comunicação prévia de mudança de endereço e (V) comparecer em juízo mensalmente
para informar e justificar suas atividades.
Requisite-se à direção prisional a apresentação do reeducando a este Juízo,
imediatamente, com a finalidade de assinatura de termo de compromisso, nos
moldes da Portaria Conjunta 01/2002.
Retifique-se a Carta de Guia e encaminhe-se cópia à
direção prisional para anotação no prontuário do reeducando.
Intimem-se.
Joinville (SC), 24 de julho de 2012.
João Marcos Buch
Juiz de Direito