segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Banco de injustiças





Pesso@l!!!
Buenas!
Recebi este mail pela lista da Confederação do Equador a matéria do Consultor Jurídico e socializo aqui o conteúdo, trata-se da ideia de um mapeamento sobre as injustiças cometidas pela Lei de Drogas... Muito bom!
Segue a mensagem abaico.

Abraços e até!
Dani Felix


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http://www.bancodeinjusticas.org.br/

Site traz casos de aplicação da nova Lei de Drogas

O caso aconteceu na Bahia e quem conta é a defensora pública Soraia Lima. Uma senhora de 70 anos ficou presa por três meses sob a acusação de tráfico de drogas. A Lei de Drogas, que determina que as pessoas que são acusadas de tráfico devem aguardar o julgamento na prisão, motivou a preventiva. Mas, ao contrário do que se pode pensar, a idosa não era usuária nem traficante. A Polícia encontrou, na casa dela, 50 gramas de maconha e 12 pedras de crack que pertenciam ao seu filho.
O relato pode ser encontrado no site Banco de Injustiças<http://www.bancodeinjusticas.org.br/>, lançado nesta quarta-feira (7/12), por Pedro Abramovay, professor e pesquisador da FGV Direito Rio.
Por meio de depoimentos e casos reais, o mote do site é um só: a Lei de Drogas <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm> (Lei 11.343), de 2006, é inconstitucional. Na época de sua aprovação, em substituição à Lei de Drogas 6.368, de 1976, a legislação foi apoiada pelos setores mais progressistas da sociedade. A prática, no entanto, se mostrou bem menos humana e liberal, apontam os criadores da página. E mais: a legislação tem pontos inconstitucionais que criam injustiças quando aplicadas na prática. Daí o nome do site. O projeto também tem perfil no Twitter, o @BancoInjusticas <https://twitter.com/BancoInjusticas>.
A iniciativa é apoiada pela organização não-governamental Viva Rio e foi possível graças a um trabalho conjunto da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia e da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). De acordo com a entidade, o site procura duas coisas. Uma é fomentar a discussão do tema de drogas a partir da perspectiva da Justiça e outra é desmistificar a ideia de que hoje todos os presos por tráfico de drogas são ou violentos ou vinculados ao crime organizado, como o caso da senhora de 70 anos.
André Castro, presidente da Anadep, conta que quando a nova Lei de Drogas começou a ser discutida, esperava-se que ela fosse capaz de reduzir o grande encarceramento. Não foi o que aconteceu. A população carcerária ligada à aplicação dessa lei cresceu de forma brutal: em três anos, de 2007 a 2010, aumentou em 62,5%. O índice se refere a réus primários. E, em meio a tudo isso, aponta o defensor público, direitos constitucionais vêm sendo desrespeitados.
Um desses direitos diz respeito justamente à prisão preventiva. “Essa prisão viola a presunção de inocência e o contraditório”, explica Castro. Enquanto o primeiro determina que só depois de o processo ter sido julgado e a culpabilidade do réu ter sido demonstrada o Estado poderá aplicar uma pena, o segundo, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, manda que o acusado tem o direito de se pronunciar.
“Não se trata apenas de um problema de aplicação da lei pelo juiz. As brechas da Lei de Drogas têm importância para todo o desdobramento do processo. Elas permitem um enquadramento amplo, que pode estar equivocado”, reiterou o presidente da entidade.
O idealizador do projeto, o criminalista Pedro Abramovay, toca em outro ponto. “No caso das drogas, a ideologia fica mais forte que o Direito e muitas garantias são deixadas de lado”, opina. Ele também chega à mesma constatação: a lei atual gera mais encarceramento. “Temos estatísticas, mas precisamos olhar também para os fatos reais e sensibilizar as pessoas.”
Assim como André Castro, Abramovay insiste que a lei dá margem para erros. “Se o policial diz que é tráfico, a pessoa é condenada pela prática, quando às vezes é só usuária”, conta. A conceituação do crime de tráfico se dá por meio de 18 verbos: “importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
Outra inconstitucionalidade, aponta Abramovay, é a vedação para as penas alternativas. Ele já foi secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Como noticiou <http://www.conjur.com.br/2011-jan-31/comunidade-juridica-defende-penas-alternativas-traficantes-primarios> a Consultor Jurídico, indicado para assumir a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, foi desconvidado depois de defender em entrevista à imprensa a aplicação de penas alternativas para pequenos traficantes. O desconvite teria partido da própria presidente Dilma Rousseff, que defende posição contrária.
De acordo com ele, apesar de a Justiça Federal — a quem compete processar crimes como tráfico — dizer que não, a recusa na aplicação de penas alternativas já foi considerada inconstitucional pelo Superior Tribunal de Justiça. "Mas foi em um caso concreto." A Anadep estuda a possibilidade de apresentar uma ADI questionando a constitucionalidade da lei.
O criminalista critica também o fato de policiais entrarem, em 17% dos casos, na casa das pessoas sem mandado judicial. "Em qualquer outro caso, já que as provas são ilícitas, a operação toda seria anulada", diz. "A lei é pouco clara e o policial adota seus próprios critérios", acrescenta.
O advogado Marco Aurélio Florêncio Filho, que é professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, conta que a princípio, quando da redação da Lei de Drogas, chegou-se a discutir até a descriminalização do consumo. "Hoje, passados cinco anos, o aplicador da norma fica sem critério para enquadrar a conduta, tendo que se ater à advertência ou à pena de tráfico", aponta.
Ainda de acordo com o professor, antes da nova lei, o consumo era considerado como um crime de menor potencial ofensivo. Na prática, o condenado poderia se beneficiar da suspensão condicional do processo, da transação e de penas alternativas. Agora não mais.
Além disso, a pena prevista na Lei de Drogas, conta, é uma exceção. "Nela", explica o advogado, "a restritiva de direito é a própria pena prevista. Não é substitutiva", diz. "A lei acaba punindo duas vezes o usuário. Ele precisa de tratamento, não de punião. Eu nem falo em ressocialização, mas sim em socialização. Os traficantes estão à margem da sociedade", opina.
A inconstitucionalidade da Lei de Drogas, acredita Florêncio Filho, está no artigo 44, que estabelece que os crimes "são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos". Segundo ele, "isso viola a individualização da pena. Esse foi, inclusive, o motivo que levou à inconstitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos, que impedia a progressão de regime".
O professor também critica, com base na ADI 3.112-1<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=181677&tipo=TP&descricao=ADI%2F3112>, que questionou o Estatuto do Desarmamento, a falta de fundamentação para a não concessão de liberdade provisória ao acusado. "Essa insuscetibilidade viola a presunção de inocência e a necessidade constitucional de fundamentação das decisões judiciais. Retira do magistrado a possibilidade de fundamentação", explica. "Acredito como urgente a apresentação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a Lei de Drogas", finaliza.

Penas mais fortes
Também nesta semana, a Câmara dos Deputados divulgou relatório <http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/politicas-publicas-de-combate-as-drogas/arquivos/relatorio-do-dep.-givaldo-carimbao> da Cedroga sobre o assunto. O grupo estuda a implementação de políticas públicas e de Projetos de Lei destinados a combater e prevenir os efeitos do crack e de outras drogas ilícitas. Propostas para Políticas Públicas sobre Drogas no Brasil tem 346 páginas e uma proposta forte: aumentar a pena para traficantes, que hoje é de cinco a 15 anos.
Ao comentar o documento, Abramovay diz que é preciso foco. "Já ficou provado que o aumento do número de presos não diminui nem o consumo nem a violência. É impossível erradicar a venda. O que podemos fazer é reduzir a violência", acredita.

Marília Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Ministério da Justiça cria a Estratégia Nacional de Alternativas Penais

  Pesso@l,
  Para conhecimento e acompanhamento de possíveis resultados que poderão aparecer diante de um debate sobre as possibilidades além-cárcere. Esta Portaria também faz parte do "pacote" que mencionei na postagem anterior.
  Abraços e boas semanas!
    
PORTARIA Nº 2.594, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2011
Cria a Estratégia Nacional de Alternativas Penais - ENAPE
O Ministro de Estado da Justiça, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o artigo 5o da Constituição Federal; a Lei no 7.209, de 11 de julho de 1984 - Reforma do Código Penal; a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal; Lei Complementar no 79, de 07 de julho de 1994; Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995 - Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais; Lei no 9.714, de 25 de novembro de 1998 - Lei de Penas Alternativas; Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001 - Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais; Lei no 12.403, de 04 de maio de 2011 - Lei das Medidas Cautelares; 

CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer a máxima eficácia de resposta ao conflito social provocado pela prática de infrações penais; 
CONSIDERANDO a necessidade de fomento às práticas de resolução destes conflitos e o objetivo de pacificação social; 
CONSIDERANDO a existência de diversos mecanismos alternativos à intervenção penal hoje existentes e em prática na sociedade; 
CONSIDERANDO o papel do Ministério da Justiça na formulação de políticas nacionais de justiça no âmbito do Governo Federal, 

Resolve:
Art. 1º Fica criada, no âmbito do Ministério da Justiça, a Estratégia Nacional de Alternativas Penais - ENAPE, com o objetivo de fomentar a política e a criação de estruturas de acompanhamento à execução das alternativas penais nos Estados e Municípios. 

Art. 2º A ENAPE será coordenada pelo Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, garantida a intersetorialidade.

Art. 3º Para os fins desta Portaria, as alternativas penais abrangem:
I - transação penal;
II - suspensão condicional do processo;
III - suspensão condicional da pena privativa de liberdade;
IV - penas restritivas de direitos;
V - conciliação, mediação, programas de justiça restaurativa realizados por meio dos órgãos do sistema de justiça e por outros mecanismos extrajudiciais de intervenção;
VI - medidas cautelares pessoais diversas da prisão;
VII - medidas protetivas de urgência.

Art. 4º São objetivos da Estratégia Nacional de AlternativasPenais - ENAPE:
I - estudar e propor alterações legislativas voltadas à garantia da sustentabilidade e efetividade da política de alternativas penais;
II - fornecer subsídios técnicos ao desenvolvimento de plano de gestão e aplicação das alternativas penais, definindo indicadores de qualidade para o fomento de projetos e pesquisas financiados pelo Fundo Penitenciário Nacional;
III - definir indicadores de qualidade e metodologia para a coleta de dados sobre a aplicação das alternativas penais no território nacional, facilitando a criação de sistema compatível e integrado nas unidades federativas;
IV - articular sua integração com órgãos nacionais responsáveis pela condução da política de justiça e cidadania, segurança pública, direitos humanos e execução penal, incluindo Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Poder Executivo da União, Estados e Municípios;
V - estabelecer mecanismos de participação da sociedade na formulação e execução da política de alternativas penais;
VI - desenvolver projetos temáticos multidisciplinares, que permitam a adoção de mecanismos específicos de alternativas penais para os diferentes tipos de infração penal;
VII - diagnosticar, por meio de instrumentos de pesquisas nacionais, mecanismos quantitativos e qualitativos necessários à sua efetividade;
VIII - promover fóruns de debates políticos e científicos para a divulgação de suas experiências;
IX - fomentar, no âmbito dos Estados e Municípios, a criação de órgãos responsáveis pela condução da política de alternativas penais e a capacitação de agentes da rede social para intervenção no estratégia;
X - acompanhar a implementação da política de alternativas penais em âmbito nacional, fornecendo expertise necessária ao seu desenvolvimento; e
XI - divulgar a política de alternativas penais em todo o território nacional.

Art. 5º O DEPEN poderá firmar acordos, parcerias e convênios de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios e outras pessoas jurídicas de direito público ou privado, para implementação dos objetivos previstos no artigo antecedente.

Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

JOSÉ EDUARDO CARDOZO

sexta-feira, 25 de novembro de 2011


 Comp@s,
Para conhecimento, segue a íntegra de 3 Decretos publicados hoje no Diário Oficial da União.
Dois deles fazem parte do pacote lançado essa Semana aqui no Ministério da Justiça, do Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, que tratam do Plano Estratégico de Educação no Sistema Penitenciário e da REGULAMENTAÇÃO DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA de presos e concenados. Já o outro institui o Programa Territórios da Cidadania.

EDIÇÃO Nº 226 – SEXTA-FEIRA, 25 DE NOVEMBRO DE 2011 - Atos do Poder Executivo


DECRETO No- 7.626, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2011
Institui o Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto nos arts. 17 a 21 e § 4o do art. 83 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984,

D E C R E T A :

Art. 1o Fica instituído o Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional - PEESP, com a finalidade de ampliar e qualificar a oferta de educação nos estabelecimentos penais.

Art. 2o O PEESP contemplará a educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos, a educação profissional e tecnológica, e a educação superior.

Art. 3o São diretrizes do PEESP:
I - promoção da reintegração social da pessoa em privação de liberdade por meio da educação;
II - integração dos órgãos responsáveis pelo ensino público com os órgãos responsáveis pela execução penal; e
III - fomento à formulação de políticas de atendimento educacional à criança que esteja em estabelecimento penal, em razão da privação de liberdade de sua mãe.

Parágrafo único. Na aplicação do disposto neste Decreto serão observadas as diretrizes definidas pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Art. 4o São objetivos do PEESP:
I - executar ações conjuntas e troca de informações entre órgãos federais, estaduais e do Distrito Federal com atribuições nas áreas de educação e de execução penal;
II - incentivar a elaboração de planos estaduais de educação para o sistema prisional, abrangendo metas e estratégias de formação educacional da população carcerária e dos profissionais envolvidos em sua implementação;
III - contribuir para a universalização da alfabetização e para a ampliação da oferta da educação no sistema prisional;
IV - fortalecer a integração da educação profissional e tecnológica com a educação de jovens e adultos no sistema prisional;
V - promover a formação e capacitação dos profissionais envolvidos na implementação do ensino nos estabelecimentos penais; e
VI - viabilizar as condições para a continuidade dos estudos dos egressos do sistema prisional.

Parágrafo único. Para o alcance dos objetivos previstos neste artigo serão adotadas as providências necessárias para assegurar os espaços físicos adequados às atividades educacionais, culturais e de formação profissional, e sua integração às demais atividades dos estabelecimentos penais.

Art. 5o O PEESP será coordenado e executado pelos Ministérios da Justiça e da Educação.
Art. 6o Compete ao Ministério da Educação, na execução do PEESP:
I - equipar e aparelhar os espaços destinados às atividades educacionais nos estabelecimentos penais;
II - promover a distribuição de livros didáticos e a composição de acervos de bibliotecas nos estabelecimentos penais;
III - fomentar a oferta de programas de alfabetização e de educação de jovens e adultos nos estabelecimentos penais; eIV - promover a capacitação de professores e profissionais da educação que atuam na educação em estabelecimentos penais.

Art. 7o Compete ao Ministério da Justiça, na execução do PEESP:
I - conceder apoio financeiro para construção, ampliação e reforma dos espaços destinados à educação nos estabelecimentos penais;
II - orientar os gestores do sistema prisional para a importância da oferta de educação nos estabelecimentos penais; e
III - realizar o acompanhamento dos indicadores estatísticos do PEESP, por meio de sistema informatizado, visando à orientação das políticas públicas voltadas para o sistema prisional.

Art. 8o O PEESP será executado pela União em colaboração com os Estados e o Distrito Federal, podendo envolver Municípios, órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta e instituições de ensino. 
§ 1o A vinculação dos Estados e do Distrito Federal ocorrerá por meio de termo de adesão voluntária.
§ 2o A União prestará apoio técnico e financeiro, mediante apresentação de plano de ação a ser elaborado pelos Estados e pelo Distrito Federal, do qual participarão, necessariamente, órgãos com competências nas áreas de educação e de execução penal.
§ 3o Os Ministérios da Justiça e da Educação analisarão os planos de ação referidos no § 2o e definirão o apoio financeiro a partir das ações pactuadas com cada ente federativo.
§ 4o No âmbito do Ministério da Educação, as demandas deverão ser veiculadas por meio do Plano de Ações Articuladas - PAR de que trata o Decreto no 6.094, de 24 de abril de 2007.

Art. 9o O plano de ação a que se refere o § 2o do art. 8º deverá conter:
I - diagnóstico das demandas de educação no âmbito dos estabelecimentos penais;
II - estratégias e metas para sua implementação; e
III - atribuições e responsabilidades de cada órgão do ente federativo que o integrar, especialmente quanto à adequação dos espaços destinados às atividades educacionais nos estabelecimentos penais, à formação e à contratação de professores e de outros profissionais da educação, à produção de material didático e à integração da educação de jovens e adultos à educação profissional e tecnológica.

Art. 10. Para a execução do PEESP poderão ser firmados convênios, acordos de cooperação, ajustes ou instrumentos congêneres, com órgãos e entidades da administração pública federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com consórcios públicos ou com entidades privadas.

Art. 11. As despesas do PEESP correrão à conta das dotações orçamentárias anualmente consignadas aos Ministérios da Educação e da Justiça, de acordo com suas respectivas áreas de atuação, observados os limites estipulados pelo Poder Executivo, na forma da legislação orçamentária e financeira, além de fontes de recursos advindas dos Estados e do Distrito Federal.

Art. 12. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 24 de novembro de 2011; 190o da Independência e 123o da República.

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Fernando haddad


DECRETO No- 7.627, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2011
Regulamenta a monitoração eletrônica de pessoas prevista no Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e na Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no inciso IX do art. 319 no Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e nos arts. 146-B, 146-C e 146-D da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal,

D E C R E T A :

Art. 1o Este Decreto regulamenta a monitoração eletrônica de pessoas prevista no inciso IX do art. 319 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e nos arts. 146-B, 146-C e 146-D da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal.

Art. 2o Considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização.

Art. 3o A pessoa monitorada deverá receber documento noqual constem, de forma clara e expressa, seus direitos e os deveres a que estará sujeita, o período de vigilância e os procedimentos a serem observados durante a monitoração.

Art. 4o A responsabilidade pela administração, execução econtrole da monitoração eletrônica caberá aos órgãos de gestão penitenciária, cabendo-lhes ainda:
I - verificar o cumprimento dos deveres legais e das condições especificadas na decisão judicial que autorizar a monitoração eletrônica;
II - encaminhar relatório circunstanciado sobre a pessoa monitorada ao juiz competente na periodicidade estabelecida ou, a qualquer momento, quando por este determinado ou quando as circunstâncias assim o exigirem;
III - adequar e manter programas e equipes multiprofissionais de acompanhamento e apoio à pessoa monitorada condenada;
IV - orientar a pessoa monitorada no cumprimento de suas obrigações e auxiliá-la na reintegração social, se for o caso; e
V - comunicar, imediatamente, ao juiz competente sobre fato que possa dar causa à revogação da medida ou modificação de suas condições.
Parágrafo único. A elaboração e o envio de relatório circunstanciado poderão ser feitos por meio eletrônico certificado digitalmente pelo órgão competente.

Art. 5o O equipamento de monitoração eletrônica deverá ser utilizado de modo a respeitar a integridade física, moral e social da pessoa monitorada.

Art. 6o O sistema de monitoramento será estruturado de modo a preservar o sigilo dos dados e das informações da pessoa monitorada.

Art. 7o O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará restrito aos servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhecê-los em virtude de suas atribuições.

Art. 8o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 24 de novembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República.

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo


DECRETO DE 24 DE NOVEMBRO DE 2011

Altera o Decreto de 25 de fevereiro de 2008, que institui o Programa Territórios da Cidadania.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição,

D E C R E T A :

Art. 1o O Decreto de 25 de fevereiro de 2008, que institui o Programa Territórios da Cidadania, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 1o  .....................................................................
§ 1o Os Territórios da Cidadania serão criados e modificados pelo Comitê Gestor Nacional previsto no art. 6o, a partir dos agrupamentos municipais que apresentem densidade populacional média abaixo de oitenta habitantes por quilômetro quadrado e, concomitantemente, população média municipal de até cinqüenta mil habitantes, com base nos dados censitários mais recentes.
..............................................................................................." (NR)

"Art. 6o Fica instituído o Comitê Gestor Nacional, para fixar metas e orientar a formulação, a implementação, o monitoramento e a avaliação do Programa Territórios da Cidadania, composto por um representante de cada um dos seguintes órgãos, com respectivo suplente:
I - Casa Civil da Presidência da República, que o coordenará;
II - Secretaria-Geral da Presidência da República;
III - Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República;
IV - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
V - Ministério do Desenvolvimento Agrário;
VI - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; e
VII - Ministério da Fazenda.
§ 1o Os membros do Comitê Gestor Nacional serão indicados pelos titulares dos órgãos representados, no prazo de cinco dias contado a partir da data de publicação deste Decreto, e designados pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República.

..............................................................................................." (NR)

Art. 2o O Decreto de 25 de fevereiro de 2008, que institui o Programa Territórios da Cidadania, passa a vigorar acrescido do seguinte dispositivo:
"Art. 6o-A. Fica instituído o Grupo Interministerial de Execução e Acompanhamento do Programa Territórios da Cidadania, para assegurar a implementação, o monitoramento e a avaliação das ações desenvolvidas no âmbito do Programa, composto por um representante de cada um dos seguintes órgãos, com respectivo suplente:
I - Casa Civil da Presidência da República, que o coordenará;
II - Secretaria-Geral da Presidência da República;
III - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
IV - Ministério do Desenvolvimento Agrário;
V - Ministério do Meio Ambiente;
VI - Ministério da Integração Nacional;
VII - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;
VIII - Ministério de Minas e Energia;
IX - Ministério da Saúde;
X - Ministério da Educação;
XI - Ministério da Cultura;
XII - Ministério do Trabalho e Emprego;
XIII - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
XIV - Ministério das Cidades;
XV - Ministério da Justiça;
XVI - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação;
XVII - Ministério das Comunicações;
XVIII - Ministério da Fazenda;
XIX - Ministério da Pesca e Aquicultura;
XX - Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República;
XXI - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República;
XXII - Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República; e
XXIII - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
§ 1o Os membros do Grupo Interministerial de Execução e Acompanhamento serão indicados pelos titulares dos órgãos representados, no prazo de dez dias contado a partir da data de publicação deste Decreto, e designados pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República.
§ 2o O Grupo Interministerial de Execução e Acompanhamento será reunido periodicamente, mediante convocação do seu coordenador.
§ 3o O Grupo Interministerial de Execução e Acompanhamento poderá convidar para participar das reuniões representantes de outros Ministérios, de instituições públicas e da sociedade civil, bem como especialistas, para prestarem informações e emitirem pareceres." (NR)

Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 24 de novembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República.

DILMA ROUSSEFF
Guido Mantega
Miriam Belchior
Tereza Campello
Afonso Florence
Gleisi Hoffmann
Gilberto Carvalho
Ideli Salvati

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Pacificação, harmonização ou simplesmente qualidade de vida?

Ainda sobre a ocupação da Rocinha, no Rio de Janeiro, segue um artigo que li no blog do Alexandre Morais da Rosa...

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Pacificação, harmonização ou simplesmente qualidade de vida?
Por Aderlan Crespo
 
Na cidade do Rio de Janeiro encontramos, como em qualquer outra cidade do mundo, pessoas que trabalham, pessoas que estudam, pessoas que se unem, pessoas que se afastam, ou simplesmente, pessoas realizando... as suas vidas.
Nestas diversas práticas é bem possível que uns estejam dedicados a olhar a vida dos outros e procurar entender ou decifrar alguns símbolos mais marcantes destas vidas, com a perspectiva de contribuir com conceitos e receitas correcionais. Certamente que, o olhar de terceiro é fundamental para contrastar com o olhar próprio, pois a posição e o tipo de envolvimento produzem perspectivas distintas. Contudo, o terceiro busca a evidência do que está "disforme", "irregular" ou até mesmo "errado". Desta forma, é possível, mesmo que não objetivamente, se estabeleça padrões, onde não há erros ou diferenças, onde o "terceiro que olha e analisa" possui uma referência do "melhor", ou do padrão. Portanto, ao fazer estas leituras técnicas, podemos afirmar que socialmente alguns comportamentos ou formas de vida precisam mudar, para que se "encaixem", quase que numa moldagem moral ou artificial. As pessoas que estão na mira destas análises possivelmente podem se sentir "abaixo" e o que estão realizando se posicionarem "acima", diante do discurso "corretivo", pois o seu plano é superior. Mas, estas ocupações de espaço não se dão de forma efetiva, mas, possivelmente, no plano subjetivo. Daí que, admitir que "são superiores" é um passo impensável, pois não haverá coragem para tanto.
Assim, a sociedade está ocupada por milhões de pessoas que diariamente privatizam os seus problemas e suas angústias, e também o prazer, como forma de ser soberano de seus pensamentos, atos e formas de vida. Mas, neste cenário surgem as análises dos "profissionais" ou "cientistas" que analisam estes "dramas" e imprimem interpretações técnicas, com um terceiro isento e de "boas intenções" (mas, não podemos esquecer, que subjetivamente, podem estar se sentido em um plano superior, isento, e/ou "perfeito"). Todavia, ao que tudo indica, todos, todos sem exceção, são falíveis e responsáveis por erros e acertos. Desta forma, o ‘olhar’ de quem pretende interpretar, científica ou intelectualmente, também deve ser relativo, quase acanhado, pois somos todos seres humanos complexos, instáveis e incertos.
Portanto, sobre as ações realizadas e denominadas "pacificações" na Cidade do Rio de Janeiro, são alvos diários de inúmeras análises, pelas quais se tenta "dizer a verdade" sobre o que está ocorrendo, e qual deveria ser a melhor alternativa. Disto, resulta-se:
Perguntas simples: Como avaliar as ações realizadas pelas "forças" do poder oficial do Governo do Estado do Rio de Janeiro, nas áreas de moradia onde se concentra visíveis dramas e contradições? Quem poderá melhor diagnosticar as características dos "possíveis" problemas e propor melhores reações transformadoras? Quem de fato poderá melhor identificar o "drama" e sugerir "as portas de saída" ? Quem pode de fato dizer que viver sob o império da força se não vive no império da força? Se não aceitamos práticas violentas de policiais, nas suas ações de rotina, como admitir ações semanais à sua porta sob a justificativa de "caça aos bandidos"? Se não estamos sob "os olhares" dos jovens e adultos armados que vendem drogas, como "entender" estas relações entre eles e os moradores das favelas? Se não vivemos tudo isto, como afirmar que o Governo "erra" ao realizar operações que visem mudar o cenário?
Em quase toda a história da Cidade do Rio de Janeiro eram realizadas ações sistemáticas (diárias, semanais e mensais) visando "combater" o tráfico de drogas. Em momento anterior desta história, o "combate" era contra o escravo, o malandro, o anotador do jogo do bicho e os "pivetes" da rua (aliás, estes ainda continuam sendo alvos do controle social penal, sob bases oficiais de programas ditos de "acolhimento").
Atualmente, por motivos oficiais (simplesmente uma eficiente política da Segurança Pública ou uma nova proposta do atual governo) ou não oficiais (jogos internacionais ou rompimentos das redes envolvidas), estão ocorrendo as ações interinstitucionais (agentes da Polícia Militar, da Polícia Civil, da Polícia Federal e até das Forças Armadas da União) em algumas favelas da cidade, a partir das quais os policiais estão permanecendo na áreas "ocupadas", diferentemente do que ocorria em outros momentos da história. O morador então, de fato, está vendo um opressor deixar de ser opressor. Mas, também não quer um substituto. Quanto as drogas, o morador sabe que este problema não se "resolve" com força, até porque, o comprador é morador do "asfalto", e que a nova lei não o trata como "o bandido" que lhe oprimia. Aliás, ele percebe que a sociedade não quer nem precisa discutir a "descriminalização" do uso da maconha, pois ela já circula quase que livremente nas "mãos da elite". Portanto, para o morador, a grande questão é ter mais "liberdade" e ninguém mais do que ele (mesmo sendo cientista, intelectual ou especialista) sabe o quanto isto é difícil, há décadas, nas favelas.
Segundo o discurso divulgado pelos representantes do governo estadual, a proposta é "pacificar" e implementar a "cidadania". Então, diante da força imposta por determinados indivíduos (traficantes) nas favelas, convencionou-se "enfrentar", isto é, "combater" com força, por meio de operações policiais e ocupar estas "áreas". Para a instituição Polícia Militar esta estratégia é a mais comum por ser a mais conhecida, pois fazem da mesma a sua ferramenta mais peculiar.
Inúmeras críticas decorrem deste cenário, isto é, destas áreas "ocupadas", como por exemplo: o uso do termo pacificação; a intervenção policial permanente; o não cumprimento das promessas de políticas assistenciais aos moradores (crianças, adolescentes e idosos); limites da liberdade do morador, impostos pelos policiais; continuidade do tráfico, mesmo que não armado; envolvimento de policiais com os vendedores de drogas; indiferença governamental diante da penetração de grupos "milicianos", entre outras críticas.
Outra crítica, que não deveria surpreender, é a "espetacularização" das ações policiais, por parte da imprensa. A mídia tem como atividade divulgar fatos ou notícias de interesse social, seja político, econômico, privado ou qualquer outro. Inicialmente devemos aceitar o fato de que todas as pessoas possuem interesses, e não será diferente para os que governam ou para os que comercializam a notícia. As concessões para exploração dos serviços de telecomunicações foram concedidas por interesse político, para que objetivos fossem cumpridos. E estes objetivos não foram construídos pelo povo, de forma democrática. Então, não há segredo nenhum sobre o "porque" os "canais" agem como agem.
Cabe, então, entender, que estas manipulações dos fatos e das notícias ocorrem, a partir da conveniência de interesses. O importante é que, o receptor da mensagem esteja apto a admitir estas possíveis manipulações e interpretar segundo seu "senso crítico". O problema, por outro lado, está na ausência do senso crítico que se adquire, via de regra, pela educação, que certamente politiza o indivíduo, vez que lhe concede maior amplitude de análise dos fatos (problematização e dialetização dos fatos). Não havendo esta potencialização crítica o indivíduo receptor se torna vulnerável às "verdades" construídas pelas mídias.
Todavia, o que não se torna simples é a surpresa dos "técnicos", "intelectuais", ou "especialistas" para com esta tática da mídia. Como desprezar o jogo político e o processo histórico que envolve as redes de notícia? Com relação as ações das forças de controle social na Cidade do Rio de Janeiro, nas chamadas "pacificações", sem dúvida alguma a imprensa falada e escrita iria explorar ao máximo, até como forma de desviar o foco dos dramas vividos pelos moradores. Mas, devemos nos ater aos "dramas" e não ao espetáculo. Desta forma, para além das imagens divulgadas, devemos atuar como parceiros dos moradores, e perceber o que está para ser denunciado por eles (opressão, miséria, ausência de direitos básicos...). Neste sentido, é preciso ouvi-los, e saber deles o que é "afastar" os homens armados, os compradores de drogas e o conflito sistemático com os policiais. Eles são os atores principais!
A crítica não deve estar pautada simplesmente pelo forma realizada, seja pelo governo ou pela imprensa, até porque quanto de nós tentamos colaborar com estes moradores? É muito provável tenhamos medo de passar próximos destes locais, quanto mais entrar e tentar alterar suas vidas. Seria simples querer entrar nas favelas (onde há indivíduos armados) e tentar ajudar, ou poderíamos ser questionados por aqueles que atuavam por meio da força?
Considerando que o meio oficial, via de regra, foi o uso da força, é preciso cobrar que esta força corresponda a uma primeira fase, e que a legítima e fundamental ação do governo ocorra por meio de práticas assistenciais, que a população, também via de regra, não realizava. Assim, seja qual for o motivo, eleitoral ou não, torna-se importante o uso estratégico destas ações, para que os moradores possam vislumbrar, de fato, um novo futuro, principalmente com apoio dos moradores do "asfalto". Tornar a atual política uma permanente ação de transformação de vidas é dever de todos nós, que "olhamos" e "analisamos" à distância.
Não querer mortes das crianças e jovens que atuavam no tráfico é tão importante como não querer ver os moradores vivendo em condições subumanas.
Olhares de estranhos para realidades estranhas devem ser realizadas se o principal sujeito nos der esta possibilidade, na garantia de que não iremos interferir nos seus desejos mais simples, que para nós realizamos com grande facilidade e pouco valor.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

NEM: “LULA FOI QUEM COMBATEU O CRIME COM MAIS SUCESSO POR CAUSA DO PAC DA ROCINHA”


Vale a leitura!
Abraços,
Dani Felix
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Era sexta-feira 4 de novembro. Cheguei à Rua 2 às 18 horas. Ali fica, num beco, a casa comprada recentemente por Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, por R$ 115 mil. Apenas dez minutos de carro separam minha casa no asfalto do coração da Rocinha. Por meio de contatos na favela com uma igreja que recupera drogados, traficantes e prostitutas, ficara acertado um encontro com Nem. Aos 35 anos, ele era o chefe do tráfico na favela havia seis anos. Era o dono do morro.
Queria entender o homem por trás do mito do “inimigo número um” da cidade. Nem é tratado de “presidente” por quem convive com ele. Temido e cortejado. Às terças-feiras, recebia a comunidade e analisava pedidos e disputas. Sexta era dia de pagamentos. Me disseram que ele dormia de dia e trabalhava à noite – e que é muito ligado à mãe, com quem sai de braços dados, para conversar e beber cerveja. Comprou várias casas nos últimos tempos e havia boatos fortes de que se entregaria em breve.
Logo que cheguei, soube que tinha passado por ele junto à mesa de pingue-pongue na rua. Todos sabiam que eu era uma pessoa “de fora”, do outro lado do muro invisível, no asfalto. Valas e uma montanha de lixo na esquina mostram o abandono de uma rua que já teve um posto policial, hoje fechado. Uma latinha vazia passa zunindo perto de meu rosto – tinha sido jogada por uma moça de short que passou de moto.
Aguardei por três horas, fui levada a diferentes lugares. Meus intermediários estavam nervosos porque “cabeças rolariam se tivesse um botãozinho na roupa para gravar ou uma câmera escondida”. Cheguei a perguntar: “Não está havendo uma inversão? Não deveria ser eu a estar nervosa e com medo?”. Às 21 horas, na garupa de um mototáxi, sem capacete, subi por vielas esburacadas e escuras, tirando fino dos ônibus e ouvindo o ruído da Rocinha, misto de funk, alto-falantes e televisores nos botequins. Cruzei com a loura Danúbia, atual mulher de Nem, pilotando uma moto laranja, com os cabelos longos na cintura. Fui até o alto, na Vila Verde, e tive a primeira surpresa.
Não encontrei Nem numa sala malocada, cercado de homens armados. O cenário não podia ser mais inocente. Era público, bem iluminado e aberto: o novo campo de futebol da Rocinha, com grama sintética. Crianças e adultos jogavam. O céu estava estrelado e a vista mostrava as luzes dos barracos que abrigam 70 mil moradores. Nem se preparava para entrar em campo. Enfaixava com muitos esparadrapos o tornozelo direito. Mal me olhava nesse ritual. Conversava com um pastor sobre um rapaz viciado de 22 anos: “Pegou ele, pastor? Não pode desistir. A igreja não pode desistir nunca de recuperar alguém. Caraca, ele estava limpo, sem droga, tinha encontrado um emprego… me fala depois”, disse Nem. Colocou o meião, a tornozeleira por cima e levantou, me olhando de frente.
Foi a segunda surpresa. Alto, moreno e musculoso, muito diferente da imagem divulgada na mídia, de um rapaz franzino com topete descolorido e riso antipático, como o do Coringa. Nem é pai de sete filhos. “Dois me adotaram; me chamam de pai e me pedem bênção.” O último é um bebê com Danúbia, que montou um salão de beleza, segundo ele “com empréstimo no banco, e está pagando as prestações”. Nem é flamenguista doente. Mas vestia azul e branco, cores de seu time na favela. Camisa da Nike sem manga, boné, chuteiras.
– Em que posição você joga, Nem? – perguntei.
– De teimoso – disse, rindo –, meu tornozelo é bichado e ninguém me respeita mais em campo.
Foi uma conversa de 30 minutos, em pé. Educado, tranquilo, me chamou de senhora, não falou palavrão e não comentou acusações que pesam contra ele. Disse que não daria entrevista. “Para quê? Ninguém vai acreditar em mim, mas não sou o bandido mais perigoso do Rio.” Não quis gravador nem fotos. Meu silêncio foi mantido até sua prisão. A seguir, a reconstituição de um extrato de nossa conversa.

Nem, líder do tráfico
UPP “O Rio precisava de um projeto assim. A sociedade tem razão em não suportar bandidos descendo armados do morro para assaltar no asfalto e depois voltar. Aqui na Rocinha não tem roubo de carro, ninguém rouba nada, às vezes uma moto ou outra. Não gosto de ver bandido com um monte de arma pendurada, fantasiado. A UPP é um projeto excelente, mas tem problemas. Imagina os policiais mal remunerados, mesmo os novos, controlando todos os becos de uma favela. Quantos não vão aceitar R$ 100 para ignorar a boca de fumo?”
Beltrame “Um dos caras mais inteligentes que já vi. Se tivesse mais caras assim, tudo seria melhor. Ele fala o que tem de ser dito. UPP não adianta se for só ocupação policial. Tem de botar ginásios de esporte, escolas, dar oportunidade. Como pode Cuba ter mais medalhas que a gente em Olimpíada? Se um filho de pobre fizesse prova do Enem com a mesma chance de um filho de rico, ele não ia para o tráfico. Ia para a faculdade.”
Religião “Não vou para o inferno. Leio a Bíblia sempre, pergunto a meus filhos todo dia se foram à escola, tento impedir garotos de entrar no crime, dou dinheiro para comida, aluguel, escola, para sumir daqui. Faço cultos na minha casa, chamo pastores. Mas não tenho ligação com nenhuma igreja. Minha ligação é com Deus. Aprendi a rezar criancinha, com meu pai. Mas só de uns sete anos para cá comecei a entender melhor os crentes. Acho que Deus tem algum plano para mim. Ele vai abrir alguma porta.”
Prisão “É muito ruim a vida do crime. Eu e um monte queremos largar. Bom é poder ir à praia, ao cinema, passear com a família sem medo de ser perseguido ou morto. Queria dormir em paz. Levar meu filho ao zoológico. Tenho medo de faltar a meus filhos. Porque o pai tem mais autoridade que a mãe. Diz que não, e é não. Na Colômbia, eles tiraram do crime milhares de guerrilheiros das Farc porque deram anistia e oportunidade para se integrarem à sociedade. Não peço anistia. Quero pagar minha dívida com a sociedade.”
Drogas “Não uso droga, só bebo com os amigos. Acho que em menos de 20 anos a maconha vai ser liberada no Brasil. Nos Estados Unidos, está quase. Já pensou quanto as empresas iam lucrar? Iam engolir o tráfico. Não negocio crack e proíbo trazer crack para a Rocinha. Porque isso destrói as pessoas, as famílias e a comunidade inteira. Conheço gente que usa cocaína há 30 anos e que funciona. Mas com o crack as pessoas assaltam e roubam tudo na frente.”
Recuperação “Mando para a casa de recuperação na Cidade de Deus garotas prostitutas, meninos viciados. Para não cair na vida nem ficar doente com aids, essa meninada precisa ter família e futuro. A UPP, para dar certo, precisa fazer a inclusão social dessas pessoas. É o que diz o Beltrame. E eu digo a todos os meus que estão no tráfico: a hora é agora. Quem quiser se recuperar vai para a igreja e se entrega para pagar o que deve e se salvar.”
Ídolo “Meu ídolo é o Lula. Adoro o Lula. Ele foi quem combateu o crime com mais sucesso. Por causa do PAC da Rocinha. Cinquenta dos meus homens saíram do tráfico para trabalhar nas obras. Sabe quantos voltaram para o crime? Nenhum. Porque viram que tinham trabalho e futuro na construção civil.”
Policiais “Pago muito por mês a policiais. Mas tenho mais policiais amigos do que policiais a quem eu pago. Eles sabem que eu digo: nada de atirar em policial que entra na favela. São todos pais de família, vêm para cá mandados, vão levar um tiro sem mais nem menos?”
Tráfico “Sei que dizem que entrei no tráfico por causa da minha filha. Ela tinha 10 meses e uma doença raríssima, precisava colocar cateter, um troço caro, e o Lulu (ex-chefe) me emprestou o dinheiro. Mas prefiro dizer que entrei no tráfico porque entrei. E não compensa.”
Nem estava ansioso para jogar futebol. Acabara de sair da academia onde faz musculação. Não me mandou embora, mas percebi que meu tempo tinha acabado. Desci a pé. Demorei a dormir.

Postado por Conceição Lemes, em 13 de novembro de 2011 @ 17:13 In Vi o Mundo: Você escreve - Ruth de Aquino, em Época [1] , sugerido por Fernando

[1] Época: http://revistaepoca.globo.com/palavrachave/crime/
[2] Frei Beto: Lula, a voz do Brasil: http://www.viomundo.com.br../politica/frei-beto-lula-a-voz-do-brasil.html
[3] MST solidariza-se com estudantes da USP: http://www.viomundo.com.br../voce-escreve/mst-se-solidariza-com-estudantes-da-usp.html
[4] Eduardo Socha: A PM na USP e o desfile da Victoria’s Secret: http://www.viomundo.com.br../politica/eduardo-socha-a-pm-na-usp-e-o-desfile-da-victoria%e2%80%99s-secret.html
[5] Pesquisadores da USP repudiam invasão dos espaços da política pela PM: http://www.viomundo.com.br../voce-escreve/pesquisadores-da-usp-repudiam-invasao-dos-espacos-da-politica-pela-pm.html
[6] Sérgio Fonseca: Cabeça ilustrada em corpo de jagunço: http://www.viomundo.com.br../voce-escreve/sergio-fonseca-cabeca-ilustrada-em-corpo-de-jagunco.html
[7] A conversa “secreta” de Obama e Sarkozy: http://www.viomundo.com.br../humor/a-conversa-secreta-de-obama-e-sarkozy.html
[8] Fátima Oliveira: Lula tem o direito de se tratar onde quiser: http://www.viomundo.com.br../voce-escreve/fatima-oliveira-lula-tem-o-direito-de-se-tratar-onde-quiser.html
[9] Jamil Murad: O risco dos “depósitos humanos”: http://www.viomundo.com.br../blog-da-saude/jamil-murad-o-risco-dos-depositos-humanos.html

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Z. Bauman: Das emoções a um novo movimento



Zygmunt Bauman vê nos protestos globalizados um “laboratório de ação social”. Mas alerta: sem projeto, indignação não se sustentará

Entrevista a Vicente Verdú, do El País | Tradução: Antonio Martins

Zigmunt Bauman, o filósofo e sociólogo polonês famoso por seu conceito de modernidade líquida – fértil a ponto de ser aplicado ao amor (líquido), arte (líquida), medo (líquido), tempo (líquido) e a quase qualquer coisa – publica, em espanhol, o ensaio 44 Cartas desde el mundo líquido. Além disso, o autor, que recebeu o prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades 2010, esteve em Madri para fazer conferência sob o título: A Solidariedade tem futuro? No sábado à tarde, à mesma hora da manifestação internacional dos indignados, conversamos em um hotel, a menos de 100 metros da Praça Atocha, onde, entre a multidão, não havia espaço para um alfinete.
Pergunto a este professor emérito da Universidade de Leeds (Inglaterra) se lhe parece que as grandes manifestações maciças, pacíficas e tão heterogêneas conseguirão combater os abusos dos mercados, promover uma democracia real, reduzir as injustiças – em suma, melhorar a equidade no capitalismo global. Como professor que é, não responde à questão de um só golpe.
De seu ponto de vista, os graves problemas da crise atual têm como causa principal “a dissociação entre as escalas da economia e da política”. As forças econômicas são globais e os poderes políticos, nacionais. “Esta descompensação, que arrasa as leis e referências locais, converte a globalização em uma força nefasta. Daí que os corruptos apareçam como marionetes ou incompetentes – quando não, corruptos”.
O “movimento dos indignados conseguiria suprir a ausência de uma globalização política por meio da oposição popular”? Na opinião deste sábio de 86 anos, o efeito que se pode esperar deste movimento é “limpar caminho para a construção, mais tarde, de outro tipo de organização”.
Bauman qualifica este movimento de “emocional”. Para ele, “embora a emoção seja útil para destruir, parece inepta para construir algo. As pessoas de qualquer classe e condição reúnem-se nas praças e gritam os mesmos slogans. Todos estão de acordo sobre o que rechaçam, mas haveria cem respostas diferentes se se perguntasse a eles o que desejam”.
A emoção é “líquida”. Ferve muito mas também esfria, momentos depois. “A emoção é instável e inapropriada para configurar algo coerente e duradouro”. De fato, a modernidade líquida, em que se escrevem os indignados, possui como característica a temporalidade: “as manifestações são episódicas, e propensas à hibernação”.
Seria preciso um líder carismático? Vários líderes inflamados? “O movimento não o aceitaria, já que tanto sua potência quanto seu prazer são a horizontalidade, sentir-se juntos e iguais. Isso, em grande medida, é negado pelo superindividualismo atual”. A superindividualidade “cria medos, impotências, uma capacidade empobrecida de enfrentar as adversidades”.
O estresse é a enfermidade que acompanha este mal. “As pessoas sentem-se sós e ameaçadas pela perda do emprego, a diminuição do salário, a dificuldade de adaptação ao risco. O estresse é comum entre os desocupados, mas também entre os empregados, acossados por fechamentos de empresas e demissões, aposentadorias antecipadas ou salários cada vez mais baixos. Nos Estados Unidos, o estresse produz tantos danos econômicos como a soma de todas as demais enfermidades”. As faltas ao trabalho causadas por ele são avaliadas, diz Bauman, em 300 bilhões de dólares ao ano – uma cifra que não para de crescer.
Tudo isso provocará um giro no sistema, um colapso ou alguma mudança substancial? Sua resposta é que, nestes momentos, prefere falar de “transição”, não de “mudança”. Necessitaria de dados mais sólidos para se pronunciar sobre o alcance dos movimentos atuais. “Antes, era preciso muito tempo para preparar protestos maciços como os do 15-M. Hoje, as redes sociais permitem articular enormes concentrações, em muito pouco tempo”. Mas voltamos ao ponto de partida: da mesma maneira que se concentram e atuam com velocidade, logo depois se detêm.
O movimento cresce cada vez mais, porém o faz “por meio da emoção, falta-lhe pensamento. Apenas com emoções, não se chega a lugar nenhum”. O alvoroço da emoção coletiva reproduz o espetáculo de um carnaval, que acaba em si mesmo, sem consequência. “Durante o carnaval, tudo está permitido; mas quando ele termina, volta a normativa de antes”.
Pode-se dizer, pensa o professor, “que nos encontramos numa fase especialmente interessante, como num novo laboratório de ação social”. Tarde ou cedo, a crise terminará. As coisas serão, sem dúvidas, diferentes. Mas de que modo?
“Não me peça que seja profeta”, retruca Bauman. “Em alguns lugares, não em todos, o movimento alcançou conquistas importantes, mas não é extensível a todos os países”. O líquido continua válido para a previsão do futuro. A modernidade liquida se expressa, obviamente, em falta de solidez e estabilidade. Nada encontra-se suficientemente determinado. Nem as ideias, nem os amores, nem os empregos, nem o 15-M. Por isso, Bauman teme que o arrebatamento também acabe “em nada”. Não é certo, mas sendo líquido, como não pensar no risco de sua evaporação?


Excerpt: Zygmunt Bauman vê nos protestos globalizados um “laboratório de ação social”. Mas alerta: sem projeto, indignação não se sustentará  
Export date: Mon Oct 31 12:00:54 2011 / -0200 GMT
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Fonte: Das emoções a um novo movimento : OUTRAS PALAVRAS : http://www.outraspalavras.net
 





segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Falta din-din de um lado... e sobra de outro!!!

  E a Segurança Pública brasileira segue direitinho a lógica da  indústria (cara) do controle do crime, que Nils Christie expõe magistralmente... e, ainda, achando que está inventando a roda. 
  E assim seguimos o velho e surrado, mas funcional, modelo eficientista... a eterna luta entre bandidos e mocinhos!
 

Após 6 meses, avião espião da PF sai à caça de criminosos(?)

FERNANDO MELLO
DE BRASÍLIA

A Polícia Federal colocou em operação na segunda-feira o primeiro Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado), avião espião que será utilizado para combate ao tráfico de drogas e armas e contrabando.
Em cinco dias de voos, rastreou mais de 1.000 km na região da tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai).
As primeiras operações registraram três rotas que a PF acredita serem utilizadas por traficantes e contrabandistas.

Vant em operação na última quinta-feira
Polícia Federal - Vant em operação na última quinta-feira

Promessa da presidente Dilma Rousseff, o Vant chegou de Israel em março. Desde então, teve problemas burocráticos e fez voos de teste.
Ficou parado mais de um mês perto de Foz do Iguaçu (PR) por falta de gasolina. O pregão que definiria o fornecedor foi cancelado por falta de candidatos, como a Folha revelou em abril deste ano.
 
VÍDEOS
A reportagem teve acesso aos vídeos e fotos produzidos com câmeras acopladas ao avião. Quando o Vant voa a 5.000 metros de altitude, elas conseguem captar com precisão movimentos que estão em um raio de até 40 km.
Um vídeo mostra embarcações com cigarros contrabandeados navegando pelo lago de Itaipu. Um dos barcos é atracado perto de uma região de floresta. A carga passa para carros e carretas e segue para ser revendida no Brasil.
Em outro, duas lanchas suspeitas de levarem drogas e contrabando se separam e fogem em rotas diferentes.
As imagens são transmitidas a uma sala de controle e permitem a policiais coordenarem operações para prender criminosos ou segui-los.Vídeo
Não houve prisões. A ideia é reunir informações que permitam rastrear o caminho dos criminosos, evitando prender apenas os intermediários.
O Vant pode voar 37 horas ininterruptas. Uma vantagem é que, acima de 2.500 m de altitude, ele não é perceptível.
 
OPERAÇÕES CONJUNTAS
A PF fechou acordos com Receita Federal e Ibama para operações contra contrabando e desmatamento usando imagens feitas pelo avião.
Além do Vant em uso, a PF comprou outro, que deve chegar no próximo mês. Os dois integram projeto de R$ 650 milhões. Até 2015, a PF quer ter 14 deles em operação.
O Vant é utilizado por países como Alemanha, Canadá e Inglaterra. A Índia tem 50 iguais aos adquiridos pela PF. 


Fonte: Folha.com de 09/10/2011

terça-feira, 4 de outubro de 2011

[Artigo] Ainda há tempo de salvar as Forças Armadas da cilada da militarização da segurança pública, por Nilo Batista

Recordemos a chacina do Pan, aquelas dezenove execuções no Alemão antes dos Jogos. Recordemos especialmente as capas das revistas semanais, que saudavam a operação como alvissareira “novidade” nas técnicas policiais. Na foto da capa, um inspetor da Polícia Civil conhecido por Trovão, em trajes de expedicionário norte-americano no Iraque, degustava um charuto caminhando numa viela sobre o corpo de algumas das vítimas da operação.
Dezenove execuções não eram em si qualquer novidade. Afinal, a polícia carioca está matando anualmente uns mil e duzentos suspeitos, e esta cifra espantosa, este récorde mundial, alcançado gota a gota – dois traficantes aqui, um assaltante acolá etc – jamais despertou maior comoção na mídia. Se todos fossem mortos num dia só, teríamos em perdas humanas mais do que na tragédia das chuvas na região serrana, incluindo desaparecidos – na serra como nos registros policiais. Diluídas porém no noticiário cotidiano, essas mortes oferecem a base para a disseminação de um conformismo perigoso para o Estado de direito. A “novidade” em uníssono saudada pela mídia não residia, por certo, em ter aquela operação policial obtido num só dia o produto funesto de três ou quatro. A “novidade” era a própria legitimação da brutalidade policial. É isso aí. Vamos mostrar-lhes quem tem mais fuzis. Quem com ferro fere... Não apenas tolerância, mas também culpa zero. E, por que não, cumprida a tarefa, por que não saborear um purito pisando o sangue ainda quente dos inimigos?
Nos jornais de 12 de fevereiro de 2011, estampou-se a prisão do inspetor Trovão, suspeito “de ter participado da garimpagem no Complexo do Alemão”, dentro da prática alcunhada “espólio de guerra” (O Globo, p. 21). Pobre Trovão. Ele não só se vestia e se sentia como um soldado em plena batalha dentro de território inimigo, mas sobretudo confirmava seus figurinos e sentimentos lendo os jornais. Guerra é guerra.
Essa pilhagem teria ocorrido no que poderíamos chamar de segunda tomada do Alemão, com o apoio de equipamentos bélicos e pessoal militar. Enquanto embaixo um tanque, que poderia estar sendo pilotado por Marcílio Dias ou por João Cândido, dissuadia toda resistência, lá em cima era Serra Pelada, mangueiras e bateias a mil.
Recordemos duas cenas daquela cobertura ufanista, do que foi chamado de “Tropa de Elite 3”. A primeira se deu quando aquele magote de favelados armados fugia por uma estrada de terra. De repente, um deles foi alvejado. Não é recente a criminalização desse fato, a execução de um suspeito que esteja fugindo, que Sérgio Verani estudou pioneiramente entre nós; quer perante o direito internacional, quer perante nosso direito interno, aquilo foi um crime. No século XV, uma ordenação determinava que o oficial de Justiça “nom o (o suspeito) deva matar por fogir, ainda que d’outra guisa prender nom possa; e matando-o, averá pena de Justiça, segundo no caso couber” (Ord. Afo. II, VIII, 10). Temos algo a aprender com Afonso V, pois ninguém se interessou por aquele homicídio a sangue frio, visto por mais de cem milhões de pessoas. Ninguém se interessou. Nenhum jornalista, nenhum membro do Ministério Público, nenhuma autoridade do Executivo, nenhum parlamentar, silêncio obsequioso da OAB-RJ. Ao contrário, soube que uma repórter indagou a um constrangido oficial da PM por que a polícia não tinha resolvido tudo naqueles instantes de fuga.
A segunda cena deve ser antecedida por um esclarecimento. Bens adquiridos com o produto de práticas ilícitas serão perdidos para o Estado – este é um dos mais conhecidos efeitos da condenação (art. 91, inc. II, al. b CP). O patrimônio dos infratores – quando e apenas quando comprovadamente oriundo da atividade criminosa – deve ser apreendido e preservado, para que sobre sua guarda, posse ou depósito decida o Juiz. Pois no Alemão, sob as vistas complacentes de policiais-militares fardados, alguns moradores saqueavam móveis, utensílios e materiais da casa que pertenceria ao chefe local do comércio ilícito. Hoje, desvelada a “garimpagem”, o “espólio de guerra”, compreende-se melhor a utilidade desta cena: num arroubo, explicável pelos anos de tirania, os vizinhos saquearam a casa do suspeito. Aquele saque popular, televisionado com simpatia – dos PM’s e dos âncoras – era um excelente álibi para outros saques, mais bem direcionados às economias do comércio ilegal. Nenhum programa de tevê deu maior importância, e era um flagrante delito (de quem saqueava e de quem deixava saquear) no ar! Compreende-se; afinal, era o Dia da Vitória.
A militarização da segurança pública constitui um enorme equívoco no qual levianamente se insiste entre nós. Recentemente, Raúl Zaffaroni recordava que todos os genocídios do século XX foram praticados por forças policiais, e quando forças armadas institucionalizadas neles se envolveram, estavam exercendo funções policiais (como essas que recentemente lhes foram atribuídas para as fronteiras). O núcleo desse equívoco provém da confusão, comum nas ciências sociais – veja-se, por exemplo, Elias – entre poder militar e poder punitivo. No Estado de direito, esses dois poderes não podem se aproximar sem riscos gravíssimos. Mas essa aproximação foi muito dinamizada por um projeto, gestado no hemisfério norte, de converter as Forças Armadas latino-americanas em grandes milícias, a perder sua higidez e sua orientação estratégica no incontestável fracasso da “guerra contra as drogas”. Onde há guerra não pode haver direito. O militar é adestrado para o inimigo, o policial para o cidadão. Na estrutura militar, a obediência integra a legalidade; na policial, a legalidade é condição prévia da obediência. São formações distintas, dirigidas a realidades também distintas. O sistema de responsabilização é também diferente: não há ordens vinculantes para um policial, adstrito a aferir a legalidade de todas elas (num teatro de guerra, iniciativa similar significaria derrota certa).
Na economia, o arrogante discurso neoliberal levou um tranco. Sabemos agora o que é que a mão invisível do mercado fazia depois do expediente. Mas a política criminal genocida do neoliberalismo parece sobreviver a ele. A indústria do controle do crime responde um pouco por essa permanência. De outro lado, nunca o sistema penal acolitou tão visivelmente a acumulação capitalista. Ainda há tempo de salvar as Forças Armadas da cilada que é a militarização da segurança pública. O jovem tenente, suspeito de furtar um aparelho de ar condicionado, e o inspetor Trovão acreditaram que estavam participando de batalha em território inimigo. Foram muito incentivados a acreditar nisso pela mídia.
É claro que exércitos regulares impedem o quanto podem a arrecadação de butim por seus integrantes. O roubo e a extorsão “em zona de operações militares ou em território militarmente ocupado” pode ser punido, em tempo de guerra, com a pena de morte (art. 405 CPM). Mas basta olhar, no cenário internacional, as frentes de conflitos bélicos para constatar a frequência de abusos que tais situações extremas fomentam.
Recentíssimo episódio, no qual soldados do Exército oriundos de comunidades pobres com presença de grupos rivais do chamado Comando Vermelho (CV) – o alvo preferencial e quase exclusivo da política de UPP’s – declinavam desafiadoramente sua procedência para moradores do Alemão é especialmente preocupante. Não pela emergência de um suposto “Comando Verde”, como desafortunadamente sugeriu um próspero ongueiro de origem popular, mas sim porque essas rivalidades – fenômeno urbano frequente – começam, por efeito da atividade de patrulhamento policial, a introduzir-se na tropa. Como os recrutas oriundos de favelas com presença do CV reagirão às insolências ou chistes que seus camaradas, provindos de favelas com presença por exemplo do ADA ou de milícias, porventura dirijam a moradores ou mesmo a infratores? Este conflito, que jamais havia transposto de forma significativa o portão dos quartéis das Forças Armadas, pode sorrateiramente introduzir-se agora neles.
Certas funções policiais são brutalizantes e produzem efeitos deteriorantes sobre aqueles que as realizam. Trata-se do fenômeno denominado “policização”, que pode acontecer também com outros operadores do sistema penal, carcereiros, advogados, promotores de Justiça e magistrados. Quem não conhece a policização passará o resto da vida reclamando do pouco rigor na admissão e adestramento dos policiais, quando o problema não está na seleção e sim na prática. Quem está disposto a correr o risco de policização de algumas unidades de nossas Forças Armadas?
Guerra é uma coisa muito séria, como o é a soberania e a integridade do território nacional. Precisamos de Forças Armadas bem adestradas para aquelas tarefas constitucionais, em que elas são únicas e insubstituíveis. Já passou da hora de brincar de guerra nas ruas da cidade.
Fonte: Professor Clécio Lemos: Nilo Batista - novo artigo