Recebido pelo Grupo da Confederação do Equador - postado por Eduardo Fernandes, em 27/02/2011.
Vale a Leitura!
Abraços,
Daniela Felix
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Por Rafael Dias e Sandra Carvalho
A segurança pública e a
violência institucional é uma área de atuação privilegiada no trabalho
cotidiano de pesquisa, documentação e promoção dos direitos humanos da
Justiça Global em diversos estados do Brasil. Nos últimos anos,
realizamos nossos posicionamentos políticos através de inúmeras notas
públicas, informes, relatórios e publicações sobre o tema. Entre eles
podemos destacar o Relatório Rio –
Violência policial e Insegurança pública (2004); Segurança, Tráfico e Milícias no Rio de Janeiro (2008); Criminalização
da pobreza – Um relatório sobre as causas econômicas, sociais e
culturais da tortura e outras formas de violência no Brasil (2009) e a Cartilha popular do Santa Marta: Abordagem policial (2010).
Também participamos da construção do Encontro Por outra Segurança
Pública (ENPOSP), que aconteceu paralelamente a realização da
Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG).
Esse conjunto de ações
políticas e publicações demonstram que a Justiça Global e outras
organizações de direitos humanos não se esqueceram desse tema e têm se
posicionado publicamente sobre as políticas de segurança pública
vigentes no país, visando criar uma consistente política pública de
segurança. Apesar da mobilização de atores sociais por uma reforma
abrangente na área, pouca coisa mudou no cenário brasileiro. A proposta
do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), com integração nacional e
valorização do profissional, foi derrotada no início do primeiro governo
Lula. Já o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
(Pronasci), alardeado como novidade no final do segundo mandato, não
resistiu e
está à míngua no atual governo Dilma. Ou seja, as duas principais
políticas para o setor foram sistematicamente desmontadas. Parece que
existe um forte lobby que busca deixar tudo do jeito que está. Pior para
a sociedade e para os direitos humanos.
As recentes reivindicações
salariais, através de ações grevistas (funcionando como pressão pela
aprovação da PEC 300) de policiais militares e bombeiros em diversos
estados do país, demonstram que algo não anda bem na segurança pública
brasileira. Para além da reivindicação salarial e valorização do
trabalho, existem elementos nessa “crise da segurança pública” que
apontam para um esgotamento do modelo em curso, que é hierarquizado,
disfuncional e foi consolidado no período da ditadura civil-militar
(1964-1985).
No modelo atual temos duas
polícias que funcionam com o ciclo incompleto. Isso quer dizer,
resumidamente, que a Polícia Militar atua no policiamento ostensivo
(reativo) de acordo com ocorrências aleatórias. Já a Polícia Civil
(judiciária) realiza a segunda parte do ciclo, que é a investigação
criminal, e apresenta os fatos e o conjunto de provas para que o
Ministério Público denuncie ou arquive e depois a justiça comum julgue.
Dessa forma, a Polícia Civil integra o sistema de justiça criminal. Essa
dicotomia entre as polícias produz concorrência entre elas e preserva
um arranjo político pouco eficaz.
Certo é que o problema na
área de segurança pública tem sido negligenciado por sucessivos
governos, e agora ele dá sinais que o organismo já não consegue viver
harmonicamente com os arranjos institucionais que se amontoaram. Temos
uma polícia violenta, responsável por cerca de 1/5 dos homicídios
nacionais e que está envolvida com grupos de extermínio. Outro dado
assustador é a crescente participação de agentes públicos em grupos
armados que fazem controle econômico de territórios, conhecidos
popularmente como milícias. Do ponto de vista institucional, vemos uma
forte hierarquização na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros que não
lembra em nada as funções civis da segurança pública. Esse formato cria
instituições pouco propensas à
democracia interna e externa e que tratam os movimentos sociais e
defensores de direitos humanos como inimigos a serem combatidos. Estamos
falando, precisamente, do processo de militarização da segurança
pública e da sociedade em que o BOPE é o paradigma máximo.
A pauta da desmilitarização
da segurança pública e a reforma profunda da atividade policial foram
sistematicamente boicotadas por esse governo e os anteriores em nome da
continuidade de um modelo, que apesar de aberrante, tinha se
cristalizado como natural e inamovível. As manifestações das
organizações da sociedade civil, que detectavam os graves problemas
sociais e as violações de direitos humanos perpetuadas, não ganharam eco
no aparelho de Estado, apesar do extermínio em curso da juventude negra
do país.
Seguimos com uma
institucionalidade na PM que não responde às demandas atuais por
segurança pública e está conformada para manter os policiais e a própria
sociedade sob controle. A utilização do código militar e o impedimento
de sindicalização dos policiais militares em organização de caráter
civil é a mostra da força das ideias que estão insistentemente fora de
lugar. No período de democratização permaneceu e se consolidou um
formato do regime ditatorial. O efeito disso é que os policiais
militares (pouco afeitos com as atividades civis) a título de greve
fazem, por vezes, aquilo que aprenderam nas casernas. Colocam-se pelo
poder das armas acima dos interesses da sociedade, como se viu há pouco
no movimento paredista da Bahia.
Por tudo isso, é possível
afirmar que a atual crise na segurança pública não é novidade para
nenhum governo, mas somente uma fase aguda da doença crônica. A questão a
ser respondida é: como desmontar essa monstruosidade que quer se
perpetuar? A atual crise não acaba com as greves debeladas, ela somente é
postergada para um futuro próximo, quando a sua eclosão pode ter
contornos ainda mais dramáticos do que aqueles vistos no verão de 2012.
Assim, um primeiro passo seria levar a sério as propostas feitas pelas
organizações da sociedade civil sobre o tema e que estão presentes no
Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3). Vamos listar algumas
só para aquecer o debate e lembrar aos que querem esquecer esse tema
inconveniente: