Pesso@l,
Recebi este boletim por email e socializo aqui com vocês. Trata-se de uma boa análise sobre os velhos reformismos dos códigos - penal e florestal, sempre pela via da inflação punitiva...
Vale a leitura!
Abraços!
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hypomnemata 144
Boletim
eletrônico mensal
do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências
Sociais da PUC-SP
no. 144, maio de 2012.
Castigos,
códigos e reformas
Mais uma vez o desfile infindável
de reformas e códigos. 2012 é brindado pelos
volteios de reforma ao redor do Código Penal e do Código Florestal.
Quando
não se abre mão das penas não surpreende que a vida seja reduzida às órbitas em
torno de juízos, suas reformas e novos-velhos castigos.
Criação
de “novos crimes” em consonância a novíssimos negócios condizentes com a
inerente seletividade do sistema penal, agora rejuvenescida em nome da
“democratização das penas”.
E
hoje, em tempo de programas e programações, códigos, senhas, decodificações, algoritmos,
repisa-se e redecodifica-se os carcomidos
lugares penalizadores, legais, jurídicos,
institucionais, governamentais e não-governamentais na sanha de balizar o
futuro projetado e inatingível.
Chamam isso de reforma do código X,
reforma do código y... reforma do código,
reforma...
E
o instante presente passa, mais uma vez, a se situar no sequestro mínimo e
exponencial de cada um.
Eis
o rebaixamento que isto espera e expressa.
O
rebaixamento, consentido, reivindicado, vangloriado que culmina no continuum da
maioridade de existência do próprio Código Penal e seus sistemas correlatos em
perfeita simetria de cima para baixo e de baixo para cima.
Para
usar um termo cada vez mais em voga por programadores e empreendedores, aprimorada
sinergia, com seus diletos defensores participando em transversalidadesconjuntas
e não lineares.
Código Penal:
castigos, reformas e recodificações
O
Código Penal brasileiro de 1940, vigente até hoje, promulgado na ditadura de
Getúlio Vargas, e agora em “fase de reforma”, foi transposto do Código Rocco da
Itália, já como uma das expressões acabadas do fascismo, mesmo antes de sua
instituição formal.
O
Código Penal italiano promulgado em 1931, foi inspirado
no Código Napoleônico de 1808 que parametrava,
também por vias transversas, a “nacionalização do ensino”.
Por
sua vez, o Código Penal Brasileiro de 1940 foi promulgado quando Francisco
Campos ocupava o cargo de Ministro da Justiça de Getúlio.
A
mesma ditadura e o mesmo Francisco Campos que, quando Ministro da Educação, formulou
o programa Educação para o que der e vier, que balizaria, posteriormente, a denominada
“universalização da educação” e “unificação do ensino” na ditadura
civil-militar no Brasil sob a égide da Lei de Segurança Nacional.
Não
foram poucas as vezes que o Código Penal de 1940 foi revisitado por juristas,
especialistas, parlamentares, autoridades renomadas, tanto em momentos
ditatoriais como nos democráticos.
Muitos
dos que colaboraram em revisões e reformas da vez, o fizeram tanto na ditadura
quanto na democracia.
Dentre
eles encontra-se José Sarney, expressão do ranço da oligarquia escravocrata,
racista e coronelista, conivente e colaborador dos militares, que atualmente
preside a Comissão do Senado para reforma do Código Penal.
O
mesmo José Sarney que quando ocupou a presidência nomeou para cargo diplomático
o abominável torturador coronel Ustra como
Adido Militar no Uruguai.
O
mesmo Sarney que foi arrolado como testemunha de defesa de Ustra diante das acusações de tortura e morte
perpetradas pelo DOI-CODI durante a ditadura civil- militar.
Este
é apenas um detalhe ínfimo das infindáveis expressões de onde nos leva a
crença na lógica do tribunal, da qual Estado algum abre mão, que assume
inúmeras formas e fôrmas, e se inicia no quinhão de ajuizamento que se incrusta
em cada um no ordinário de cada dia.
Sem
este último não há juízo que se sustente, não há código penal ou sistema penal
que emerja, sobreviva ou prolifere.
A
comissão do Senado para reforma do Código Penal está atrelada à sub-comissão do Senado, que tem como relator Renê Dotti, um dos encarregados pelas proposições do
anti-projeto de reforma da parte geral do Código Penal.
Dotti é jurista criminal renomado e considerado “progressista” por
ter defendido homens e mulheres perseguidos pela ditadura civil-militar no
Brasil.
Entretanto, o mesmo Renê Dotti participou
de reforma anterior do Código Penal, ainda durante a ditadura, e foi um dos
corredatores dos projetos convertidos na Lei n. 7.2009/1984 que concerne à
revisão da parte geral do Código Penal e da Lei n.7.210/1984 relativa à Lei de
Execução Penal.
Em
textos acadêmicos não se furta a se respaldar, também, em autores das mais
variadas vertentes, dentre eles os da criminologia crítica, que muitas vezes
lançam mão de contundentes análises do abolicionismo penal, não para abolir o
sistema penal e os derivados que o acompanham, mas apenas para reciclar seu
discurso, sustentando a falaciosa distinção entre Estado Social e Estado
Policial e sedimentar uma nova política criminal.
No
mais, é ainda René Dotti uma das
referências na área criminal a fornecer escopo teórico, científico e político
ao espraiamento da articulação dos
conceitos de vulnerabilidade e qualidade de vida, coadunado às práticas que
conjugam saúde e segurança, tomando por base o direito penal.
Lança
mão para isso, objetivando novas regulamentações e institucionalizações, do
denominado “bem jurídico tutelado” que recobre termos não fortuitos como a
própria “qualidade de vida”, “vida humana”, “liberdade”, “patrimônio”,
“meio-ambiente”, dentre outros.
Subsídio
conveniente mesmo aos seus críticos, por equalizar em vias complementares
variados matizes dos defensores de crimes e penas que não abrem mão do regime
dos castigos, de polícias de toda ordem, do sistema penal e do aperfeiçoamento
carcerário intra e extramuros.
No
esteio das sobreposições de comissões figura ainda a comissão específica de
reforma do Código Penal, presidida por Gilson Dipp,
Ministro do Tribunal de Justiça (STJ), que em função do ano 2012 ser “ano de
eleições”, pretende que o “novo” Código Penal passe a vigorar no ano de 2013.
Nesse
entremeio, a comissão do senado, as subcomissões e a comissão de juristas
estabelecem contatos preferenciais com autoridades da área de segurança do
país.
Não
é fortuito o fato de Dipp destacar que “uma
boa lei penal, condizendo com a realidade do Brasil atual, é o ponto de
partida, a base, a plataforma para que as entidades envolvidas na segurança
pública, no sistema de prevenção e no sistema de penalização possam trabalhar
adequadamente.”
Simultâneo
a isto, o site do Senado recebe todos os dias propostas provenientes da
população que regularmente exigem o endurecimento das penas, preferencialmente,
para jovens considerados infratores.
E
que ninguém se faça de surpreso diante do fato de que o Código Penal jamais
deixou de ser o parâmetro de referência para a aplicação do próprio Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e de que a chamada proteção integral é
a mais atual expressão do investimento político promissor na continuidade
aprimorada das penas e dos castigos.
Código Florestal: castigos, reformas e recodificações
Depois
de dez anos, entre idas e vindas, o projeto para o novo Código Florestal tem
seu trâmite intensificado a partir de 2009, sendo aprovado na Câmara dos
Deputados pela grande maioria de seus parlamentares, em maio de 2011.
A
partir daí começaram os debates a respeito da anistia para os desmatadores, uma vez que se incluíam no projeto a
impossibilidade de punições àqueles que tivessem realizado desmates
considerados ilegais antes de 2008, quando o Decreto 6514 regulamentou a Lei
9.605/98 e estabeleceu novas infrações e sanções administrativas à chamada “Lei
de Crimes Ambientais”.
ONGs
ambientalistas, artistas de TV e fundações ligadas à indústria cosmética
manifestaram-se contra a proposta.
No
Senado, elaborou-se novo texto considerado mais equilibrado, que
continuou não atendendo ao que reivindicavam os militantes do meio-ambiente.
De
volta à Câmara, um novo texto foi produzido, e no dia 28 de maio de 2012, foram
publicados no Diário Oficial da União as alterações e vetos da presidência ao
projeto do novo Código Florestal.
Diziam
respeito a alguns dos temas polêmicos do texto: decidiu-se por
manter os estatutos que definem Reservas Legais e Áreas de Preservação
Permanente (de acordo com o projeto da Câmara, deveriam ser estabelecidos pelos
Estados) e a limitação ao crédito de produtores que não se adéquem, num prazo de cinco anos, às exigências de
preservação ambiental.
No
entanto, permaneceram a diminuição da extensão de APPs e
a regularização de atividades exploratórias em manguezais estabelecidas antes
de 2008, sob o argumento de proteger os pequenos produtores, mesma
justificativa que possibilitou à presidenta isentar de recuperação as áreas
consideradas ilegalmente desmatadas antes de 2008 em pequenas propriedades.
Diante
dos vetos e alterações publicados, ambientalistas lamentaram a falta de
coragem da presidenta em não enfrentar a base ruralista, a despeito do
apoio da chamada opinião pública.
Lamentam
o que definem como uma nova prova da impunidade que marca o nosso país.
Constatam
que setores da base governista não se dispõem a bater de frente com os
interesses daqueles que constituem o alicerce político e econômico do Estado
brasileiro.
Por
fim, retomam os antigos Códigos Florestais, o primeiro promulgado em 1934, por
Getúlio Vargas e o seguinte em 1965, um ano após o golpe civil-militar de 1964,
durante o governo de Castelo Branco, para concluir que o “novo” Código não
avançou como o esperado em relação aos textos anteriores, sobretudo, no que diz
respeito à criminalização de proprietários acusados de desmatarem áreas
protegidas.
Não
é de hoje que o denominado meio-ambiente e os recursos naturais são
alvo das políticas do Estado.
Prosseguindo
com as reformas institucionais como as demarcadas pelo “Código Eleitoral” de
1932, que concedia o direito de voto às mulheres e criava a chamada Justiça
Eleitoral, Getúlio Vargas promulgou, em janeiro de 1934, o primeiro Código
Florestal brasileiro.
Conforme
o país expandia suas fronteiras agrícolas para o interior do Brasil, o centro
oeste e Amazônia, cresciam as críticas às
limitações ao desmate e uso da terra preconizados pelo Código Florestal e
algumas tentativas de reforma do texto foram iniciadas.
Todavia,
é somente em 1962, sob o governo de João Goulart, que um grupo de trabalho é
solicitado para a formulação de um novo código.
O
resultado das propostas é sancionado em 1965, um ano após o golpe que inaugurou
o governo da ditadura civil-militar.
Nessa
mesma época, o governo visou atrair para a Amazônia, por meio de concessões
públicas, proprietários interessados em explorar a região.
No
início da década seguinte, as contestações políticas a esta devastação eram
silenciadas pela propaganda do “milagre econômico”.
Simultâneo
ao investimento em obras como a “Transamazônica”, amparado pelos efeitos do
“milagre”, a ditadura civil-militar intensifica as perseguições, prisões,
torturas e assassinatos de homens e mulheres que resistiam ao governo.
No
auge da violência do Estado, a delegação brasileira enviada por Garrastazu
Médici a Estocolmo para a Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio
Ambiente, em 1972, defendia a posição da Primeira Ministra da Índia, Indira Gandhi, a quem se atribui a frase: “a pior
poluição é a miséria”. A comissão chegou a alardear que a “poluição é sinal de
progresso”.
As
contestações ecológicas que irromperam com vigor nos Estados Unidos, aliadas ao
antimilitarismo diante da Guerra do Vietnã, e na Europa, com o movimento
antinuclear que arregimentou os jovens incendiários de 1968, ganham força no
Brasil, entre o final dos anos 1970 e início da década 1980.
Ao
mesmo tempo, a partir da chamada “abertura política,” e visando atender aos
órgãos internacionais ligados ao Meio Ambiente, os temas ambientais ganharam
cada vez mais espaço nos programas de governo do Estado brasileiro.
Em
1981, o último presidente militar, General Batista Figueiredo, sancionou a Lei
6938, que instituiu a Política Nacional para o Meio Ambiente, criando o Sistema
Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), e um Conselho que previa a participação de
representantes da sociedade civil organizada, dos setores produtivos e de
departamentos da administração estatal nas decisões ambientais, o Conselho
Nacional de Meio Ambiente (CONAMA).
Entretanto,
assim como ocorreu rapidamente com os movimentos ecológicos na França e na
Alemanha, os quais acabaram sendo colmatados em
estruturas partidárias, muitos ecologistas brasileiros aderiram rapidamente à
política parlamentar proposta internacionalmente pelos Partidos Verdes.
Em
1986, no ano seguinte à criação do PV e a formação de inúmeras ONGs
ambientalistas, a Assembleia Constituinte iniciava seus trabalhos.
Na
Constituição Federal de 1988, o artigo 225, “Do Meio Ambiente”, assegura que um
meio ambiente equilibrado é um direito de todos e prevê a criminalização
de condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente.
Na
década seguinte, sob efeito da realização da Rio-92,
da aprovação de diversos documentos na Conferência da ONU e da criação, em
1993, do Ministério do Meio Ambiente, os reclames dos cada vez mais organizados
ambientalistas foram celebrados pela sanção, em 1998, da “Lei de Crimes
Ambientais”.
Tais
políticas, desde a década de 1930, atravessaram as ditaduras civis-militares, e ao mesmo tempo em que criaram mecanismos
que auxiliaram as lutas pela sobrevivência de matas, florestas e diversos
animais, não deixaram em momento algum de beneficiar os proprietários de terra,
latifundiários que sustentaram e sustentam uma política conservadora.
Ambientalistas,
por sua vez, insistem cada vez mais a partir dos anos 1980, em reivindicações
junto ao governo que combatam as chamadas ilegalidades ambientais
em nome de maior segurança e bem-estar da
população.
Os
negócios político-econômicos são celebrados no interior do Estado contando com
os acertos com a chamada sociedade civil organizada em torno o eterno ramerrame que produz leis: o que não deve impedir o
desenvolvimento inovador da propriedade relacionado à aplicação de penas como
prática justa da aplicação da lei.
Espera-se
governar pela continuidade do regime da propriedade e contar com o equilíbrio e
a moderação dos movimentos ambientalistas, em favor do atual programa de
desenvolvimento sustentável. Governar com a colaboração dos movimentos ambientalistas.
Em
Estocolmo, em 1972, começou a ser formulado um conjunto de regras articuladas
por tratados que pretenderam instaurar um regime internacional do meio
ambiente.
Então,
vieram os relatórios como o “Nosso futuro comum”, de 1987, as manifestações da
chamada sociedade civil global, como a Carta da Terra, os compromissos da Rio 92, o Protocolo de Kyoto, e Johanesburgo 2002.
Agora, na Rio+20, ambientalistas, organizações não-governamentais e
governos apostam na construção de uma economia verde que efetive o
desenvolvimento sustentável e combata a pobreza. Ao mesmo tempo, buscam
formular uma “governança ambiental mundial”, ou seja, a articulação entre
tratados e novas institucionalidades que
venham para executar programas para a gestão global do meio ambiente.
O
debate, então, gira em torno da proposta de se criar um Conselho de
Desenvolvimento Sustentável que seria um organismo da ONU equivalente à
Organização Mundial do Comércio (OMC).
Se
for moldado nos parâmetros da OMC, esse Conselho teria autorização para reunir,
sistematizar e atualizar todas as normas de direito internacional sobre a
preservação ambiental e desenvolvimento sustentável em vigor, além de
concentrar capacidades de monitoramento da ação dos Estados e, no limite, de
julgamento de causas ambientais.
A
diplomacia brasileira é reticente com relação a essa proposta, fazendo coro aos
que se opõem ao Conselho, sob o argumento de que o Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (PNUMA), criado a partir das decisões de Estocolmo,
poderia ser fortalecido ao invés de extinto ou transformado numa nova
burocracia.
O
cuidado da diplomacia brasileira pode ser compreendido pela preocupação de que
autoridades internacionais (agências multilaterais como a ONU ou outros
Estados) possam monitorar, avaliar, sentenciar e
agir no Brasil em nome da preservação ambiental.
O
Itamaraty e os militares temem que após o avanço das justificativas de
intervenções internacionais amparadas pela denominada proteção humanitária,
comece-se a se propor intervenções em nome da preservação ambiental.
Então,
é de se esperar que os diplomatas brasileiros troquem, como sempre, muitas
gentilezas e tapas nas costas com ambientalistas e governos mais ativos na
causa ambiental, mas não embalem a criação de um Conselho com mandato amplo.
Ainda
assim, as discussões sobre a “governança ambiental” sinalizam para a produção
de nova dimensão jurídico-política, interessada
no governo do planeta e associada à possibilidade de intervenções
diplomático-militares em nome da preservação desse mesmo planeta.
O
termo “governança” ficou consagrado no direito internacional, na ciência
política recente e nas Relações Internacionais ainda associando “governo” com
“Estado”, o que tornaria impossível um “governo sem poder central”.
No
entanto, é possível notar a emergência de práticas de governo que
não prescindem de centralidades do poder político, mas que as redimensionam em
conglomerados de Estados ou arranjos diplomáticos mais ou menos amplos e
duradouros.
Esses
arranjos aproximam e articulam Estados em nome de sua segurança que,
agora, passa a ser tomada como conectada à segurança do planeta: a segurança
dos fluxos, contra certos fluxos; das pessoas; contra certas pessoas; segurança
e controle dos ambientes planetários; enfim, explicitam que a democracia
liberal sempre sustentou sua defesa da liberdade tendo por referência principal
a segurança.
Outros caminhos
Em
suas andanças diárias, ao escrever “Caminhando”, no final do século XIX, Henry
David Thoreau anotara: o homem
e os seus afazeres, igreja, Estado e escola,
ofício e comércio, manufaturas e agricultura, até mesmo política, o mais
alarmante de todos eles – fico feliz em ver como é pequeno o espaço que ocupam
na paisagem. A política não passa de um campo estreito (...). Em meia hora posso caminhar até uma superfície da terra
onde um homem não fica parado ao cabo de um ano ao outro; ali, por conseguinte,
a política não existe, pois ela não passa da fumaça do charuto de um homem.
O
pensador, que foi preso por recusar-se a pagar impostos ao governo
estadunidense destinados a financiar o avanço militar do país sobre o México,
não imaginaria que a política alargasse seu campo de tal modo que encobrisse no
século seguinte também as florestas e matas mais distantes da América.
A
fumaça do charuto, isto é, a política, dominou as discussões e práticas
relacionadas com o chamado Meio Ambiente.
Entretanto,
mesmo diante desta História, certos homens e mulheres libertários ousaram, como sugeriu o pensador estadunidense, por
fogo nas cercas e deixar de pé as florestas, inventando outros percursos
por fora de códigos e governos, de relações com a natureza.
Em
1890, seis anarquistas italianos desembarcaram em Paranaguá, no Brasil, a bordo
do navio Cittá de Roma.
Com
o correr da experiência que iniciaram, outros companheiros chegaram para compor
com eles o que ficaria conhecido como Colônia Cecília.
Para
além de abolirem a propriedade privada da terra, experimentarem relações
livres e superarem as adversidades na lida com a lavoura, os libertários, em
especial Giovani Rossi, ensinavam música às
crianças fazendo-as primeiro sensibilizarem-se com o toque nas variadas flores,
folhas, nervuras dos troncos das árvores.
Na
década de 20 do século passado, Avelino Fóscolo publicaria
o texto teatral “O semeador”, o qual apresenta a história de um jovem herdeiro
que, contrariando a família, após retornar de seus estudos na Rússia, decide
reduzir a carga horária de trabalho e dividir a propriedade com os camponeses.
Naturistas
e vegetarianos libertários, no final da década seguinte, convivem na “Nossa
Chácara”, interior do estado de São Paulo, inventando congressos e
rearticulando os anarquistas depois de intensa repressão sofrida durante a
ditadura de Getúlio Vargas.
Nos
anos 1980, ainda sob forte efeito dos desdobramentos dos acontecimentos de
1968, a equipe anarquista do jornal O Inimigo do Rei articulava
seu modo de avacalhar com a militância
tradicional de esquerda e combater a ditadura civil-militar com ensaios
ecológicos e divulgação de Manifestações Antinucleares.
Na
mesma década, Roberto Freire por meio das maratonas de Somaterapia em
Visconde de Mauá e de seus livros, sobretudo, o ensaio Sem Tesão não há Solução e o romance Coiote,
afirmou seu posicionamento ecológico ligado diretamente às contestações jovens
que irromperam nos anos 1970, em favor das liberações do sexo e das drogas.
Em
1992, às vésperas da Conferência da ONU, Freire ainda publicaria A
farsa ecológica. Ao escancarar o Encontro como mais um negócio capitalista,
o lançamento do livro provocou reação violenta de certos ambientalistas ligados
à organização da Cúpula Internacional.
Se
muitos destes libertários propuseram modos de vida ecológicos com reduzida
tecnologia, outros tantos reivindicaram, seguindo as análises de
Pierre-Joseph Proudhon, o que há de mais
avançado tecnologicamente no planeta, escancarando que as misérias não são
efeitos restritos das mais avançadas das tecnologias, mas sim dos inúmeros
governos sobre a vida.
Souza
Passos, garçom anarquista da primeira metade do século XX, escrevera: os
anarquistas não condenam a existência do automóvel, do rádio, do avião, de
todas as coisas belas e úteis. Condenam o privilégio que têm alguns de possuir
e usar essas coisas todas (...). Condenam,
principalmente, o fato de que, para usarem essas coisas, alguns explorem o
trabalho dos outros, que construam seus prazeres, e até mesmo seus vícios, com
a miséria dos seres a quem exploram o trabalho, os sentimentos, a honra e a
dignidade.
Diante
das permutas políticas em torno do melhor controle do Meio
Ambiente cabe a nós aprendermos um pouco mais com o ritmo das marés, dos rios,
das florestas e das matas.
Afinal,
como afirmou certo anarquista: a natureza não tem leis apenas hábitos.