segunda-feira, 16 de abril de 2012

Conversas Cruzadas: as alterações sobre o aborto na proposta de reforma do Novo Código Penal

Pess@l, 
socializo com vocês o debate no Programa Conversas Cruzadas (TVCom/SC), em 02 de abril de 2012, sobre a descriminalização do aborto no anteprojeto de lei de reforma do Código Penal que está/foi elaborada pela Comissão de Juristas convocada pelo Senado Federal.
Vale à pena assistir!!!




Atualmente, o aborto é permitido apenas em gravidez resultante de estupro e no caso de não haver outro meio para salvar a vida da mulher. O anteprojeto passa a prever cinco possibilidades: quando a mulher for vítima de inseminação artificial com a qual não tenha concordância; quando o feto estiver irremediavelmente condenado por anencefalia e outras doenças físicas e mentais graves; quando houver risco à vida ou à saúde da gestante; por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação (terceiro mês), quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade.

...

As possíveis mudanças no Código Penal que preveem novas formas de legalização do aborto é uma questão muito expressamente de fundo jurídico, sendo necessário discutir as implicações jurídicas e processuais dos casos.

Contudo, o problema das novas formas legalização do aborto tráz também o problema do sistema de saúde e das políticas publicas de saúde. Uma política correta de saúde publica dever-ser-ia voltar para a educacao sexual geral da população com os esclarecimentos científicos devidos e disponibilizar estes meios contraceptivos de que a ciência de nossos dias dispõe.

(...)

Apresentação: Renato Igor - Jornalista
Participantes:
- Lara Beatriz Fuck - Psicóloga e psicoterapeuta do Consultório Relações e Presidente do Núcleo Castor
- Daniela Felix - Advogada e pesquisadora
- Sandro Sell - Professor de Direito penal do Cesusc
- Eversom Mendes - Pastor e historiador

Fonte: Canal do no youtube
Publicado em 12/04/2012
Núcleo Castor - http://nuca.org.br 

sábado, 14 de abril de 2012

“ULTRA-CAPITALISMO ENCONTROU UM ADVERSÁRIO”, por David Harvey

Muito bom o artigo. Vale a leitura!
Abraços, 
Dani Felix
===

Por David Harvey*
Tradução: João Alexandre Peschanski
Um dos textos do Livro Occupy, Editora Boitempo, lançado em 04/04/2012


O Partido de Wall Street controlou os Estados Unidos sem dificuldades por tempo demais. Controlou totalmente (em contraste com parcialmente) as políticas dos presidentes por pelo menos quatro décadas (para não dizer mais), independentemente de se algum presidente individual foi ou não seu agente por vontade própria. Corrompeu legalmente o Congresso por meio da dependência covarde de políticos dos dois partidos em relação ao poder do dinheiro e ao acesso à mídia comercial que controla. Graças a nomeações feitas e aprovadas pelos presidentes e Congresso, o Partido de Wall Street domina muito do aparato estatal e do Judiciário, em especial a Suprema Corte, cujas decisões estão crescentemente a favor dos interesses venais do dinheiro, em esferas tão diversas quanto eleitoral, trabalhista, ambiental e comercial.
O Partido de Wall Street tem um princípio universal de dominação: não pode haver qualquer adversário sério ao poder absoluto do dinheiro de dominar absolutamente. E esse poder é para ser exercido com um único objetivo. Os detentores do poder do dinheiro não devem apenas ter o privilégio de acumular riqueza sem fim a seu gosto, mas também de herdar o planeta, tomando direta ou indiretamente o domínio da Terra, todos os seus recursos e as potencialidades produtivas que nela residem. O resto da humanidade se torna nessa visão supérfluo.
Esses princípios e práticas não surgem da ganância individual, falta de horizonte ou abusos (por mais que todos esses ocorram aos montes). Esses princípios se formaram no corpo político de nosso mundo por meio da vontade coletiva de uma classe capitalista instigada pelas leis coercivas da competição. Se meu grupo de pressão gasta menos do que o seu, então receberei menos favores. Se esse departamento gasta para atender às necessidades das pessoas, então se torna menos competitivo.
Muitas pessoas decentes estão presas a um sistema que está completamente podre. Se querem ter um salário razoável, não têm outra opção além de se render à tentação do diabo: só estão “seguindo ordens”, como Eichmann disse, “fazendo o que o sistema pede”, como se diz hoje em dia, aceitando os princípios e práticas bárbaras e imorais do Partido de Wall Street. As leis coercivas da competição nos forçam todos, em diferentes níveis, a obedecer às regras desse sistema cruel e insensível. O problema é sistêmico, não individual.
Os ideais de liberdade e autonomia do partido, a serem garantidos pelos direitos à propriedade privada, livre-mercado e livre-comércio, se traduzem na realidade pelo direito de explorar o trabalho alheio, de despossuir as pessoas de seus bens a seu bel prazer e a liberdade de saquear o meio ambiente para seus benefícios individuais ou de classe.
No controle do aparato estatal, o Partido de Wall Street geralmente privatiza todos os ramos de atividade interessantes, abaixo do valor de mercado, para abrir novas frentes para a acumulação do capital. Arranja esquemas de subcontratação (do qual o complexo militar industrial é um exemplo claro) e de tributação (subsídios ao agronegócio e baixos impostos sobre os ganhos do capital) que lhe permitem limpar livremente os cofres públicos. Estimula deliberadamente sistemas regulatórios complicados e níveis surpreendentes de incompetência administrativa no resto do aparato estatal (vide a Agência de Proteção Ambiental sob Reagan e a Agência Federal de Gestão de Emergências sob Bush), de modo a convencer um público inerentemente cético de que o Estado não consegue ter um papel construtivo ou de apoio para melhorar a vida ou as perspectivas futuras das pessoas. Por fim, usa o monopólio da violência, que todo Estado soberano reivindica, para excluir o público do espaço público e para por pressão, vigiar e, se necessário, criminalizar e prender quem não aceitar de modo amplo suas ordens. É exímio nas práticas de tolerância repressiva que perpetuam a ilusão de liberdade de expressão enquanto essa expressão não expuser claramente a natureza verdadeira de seu projeto e o aparato repressivo sobre o qual repousa.
O Partido de Wall Street articula incessantemente a guerra de classes: “Claro que há uma guerra de classes”, disse Warren Buffett, “e é minha classe, os ricos, que a está fazendo e vencendo”. Em grande parte, essa guerra é articulada em segredo, atrás de uma série de máscaras e ilusões pelas quais os planos e objetivos do Partido de Wall Street se escondem.
O Partido de Wall Street sabe muito bem que quando perguntas políticas e econômicas se transformam em questões culturais, não há como respondê-las. Geralmente aciona uma enorme variedade de opiniões de especialistas cativos, na sua maior parte empregados em institutos de pesquisa e universidades que financia e espalhados na mídia que controla, para criar controvérsias sobre assuntos que de fato não importam e sugerir soluções a perguntas que de fato não existem. Num instante, só fala da austeridade necessária a todas as outras pessoas para tratar do déficit e, num outro, propõe a redução de sua própria tributação sem se importar sobre o impacto no déficit. A única coisa que nunca pode ser debatida ou discutida é a verdadeira natureza da guerra de classes que tem mantido de modo incessante e tão cruel. Descrever algo como “guerra de classes” é, no clima político atual e no julgamento dos especialistas, colocar-se fora do espectro de considerações sérias, sendo chamado de imbecil, senão de sedicioso.
Mas agora pela primeira vez há um movimento explícito que enfrenta o Partido de Wall Street e seu mais puro poder do dinheiro. Wall Street está sendo ocupada — ô, horror dos horrores — por outros! Espalhando-se de cidade em cidade, as táticas do Ocupem Wall Street são tomar um espaço público central, um parque ou uma praça, próximo a onde muitos dos bastiões do poder estão localizados, e fazer com que corpos humanos convertam esse lugar de espaço público em uma comunidade de iguais, um lugar de discussão aberta e debate sobre o que esse poder está fazendo e as melhores formas de combater seu alcance. Essa tática, mais conspicuamente presente nas lutas nobres e atuais da praça Tahrir, no Cairo, se alastrou por todo o mundo (praça do Sol, em Madri, praça Syntagma, em Atenas, agora as escadarias de Saint Paul, em Londres, além da própria Wall Street). Mostra como o poder coletivo de corpos no espaço público continua sendo o instrumento mais efetivo de oposição, quando o acesso a todos os outros meios está bloqueado. A praça Tahrir mostrou ao mundo uma verdade óbvia: são os corpos na rua e praças, não o fluxo de sentimentos no twitter ou facebook, que realmente importam.
O objetivo desse movimento nos Estados Unidos é simples. Diz: “Nós, as pessoas, estamos determinadas a retomar nosso país dos poderes do dinheiro, que atualmente o controlam. Nosso objetivo é mostrar que Warren Buffett está enganado. Sua classe, os ricos, não vai mais governar sem oposição e não vai mais herdar automaticamente a Terra. Sua classe, os ricos, não está destinada a sempre vencer”.
Diz “Somos os 99%”. Somos a maioria e essa maioria pode, deve e vai prevalecer. Na medida em que todos os outros canais de expressão estão fechados por causa do poder do dinheiro, não temos outra opção a não ser ocupar os parques, praças e ruas de nossas cidades até que nossas opiniões sejam ouvidas e nossas necessidades atendidas.
Para ter êxito, o movimento precisa alcançar os 99%. Conseguirá e o está fazendo um passo por vez. Primeiro, há todas as pessoas jogadas na miséria pelo desemprego e aquelas que foram ou estão sendo despossuídas de suas casas e bens pela falange de Wall Street. Deve formar grandes coalizões entre estudantes, imigrantes, sub-empregados e todos os que estão ameaçados pelas políticas de austeridade, totalmente desnecessárias e draconianas, impostas sobre a nação e o mundo para atender ao Partido de Wall Street. Deve por o foco nos níveis estarrecedores de exploração nos locais de trabalho — dos empregados domésticos imigrantes que os ricos exploram tão cruelmente em suas casas aos funcionários de restaurantes que são escravizados por quase nada nas cozinhas dos estabelecimentos onde os ricos comem tão copiosamente. Deve unir os trabalhadores criativos e artistas cujos talentos são transformados tantas vezes em produtos comerciais pelo grande poder do dinheiro.
O movimento deve especialmente atingir todos os alienados, os insatisfeitos e os descontentes, todos os que reconhecem e sentem nas entranhas que há algo de muito errado, que o sistema criado pelo Partido de Wall Street criou não só é bárbaro, antiético e moralmente errado, mas também está falido.
Tudo isso tem de ser unido democraticamente em uma oposição coerente, que também tem de contemplar livremente com o que se parecem uma cidade alternativa, um sistema político alternativo e, por fim, uma forma alternativa de organizar a produção, distribuição e consumo para o benefício do povo. Se não o fizer, o futuro para os jovens — que se encaminha para uma crescente dívida privada e austeridade pública profunda, em benefício ao 1% — não é um futuro.
Em resposta ao movimento Ocupem Wall Street, o Estado, apoiado pelo poder da classe capitalista, tem um argumento surpreendente: ele, e só ele, tem o direito exclusivo de regular e organizar o espaço público. O público não tem o direito comum ao espaço público! Com que direito prefeitos, chefes de polícia, oficiais militares e autoridades do Estado dizem ao povo que têm o direito de determinar o que é público em “nosso” espaço público e quem pode ocupar esse espaço? Quando consideram de seu interesse expulsar-nos (o povo) de qualquer espaço que nós (o povo) decidamos ocupar coletiva e pacificamente, dizem que agem no interesse público (e se referem a leis para prová-lo). Mas nós somos o povo! Onde está “nosso interesse” nisso tudo? E, aliás, não é “nosso” dinheiro que os bancos e financistas usam tão descaradamente para acumular “seus” bônus?
Diante do poder organizado do Partido de Wall Street de dividir e conquistar, o movimento que está emergindo também deve ter como um de seus princípios fundadores não se dividir, nem se desviar de seu curso até que o Partido de Wall Street caia na real — e perceba que o bem comum tem de prevalecer sobre os estreitos interesses do dinheiro — ou de joelhos. Os privilégios das corporações — ter todos os direitos dos indivíduos, sem as responsabilidades de verdadeiros cidadãos — têm de ser eliminados. Os bens públicos, como educação e saúde, têm de ser oferecidos publicamente e acessíveis a todos. Os poderes monopolistas na mídia têm de ser abalados. A compra de eleições tem de ser considerada inconstitucional. A privatização do conhecimento e cultura precisa ser proibida. A liberdade de explorar e despossuir outras pessoas deve ser controlada e, no fim, impedida.
Os estadunidenses acreditam na igualdade. Pesquisas de opinião pública mostram que, para a população (independentemente da filiação partidária), os 20% poderiam ter 30% da riqueza total. O fato de os 20% mais ricos deterem 85% da riqueza é inaceitável. O fato de que a maior parte disso seja controlada pelos 1% mais ricos é totalmente inaceitável. O que o movimento Ocupem Wall Street propõe é que nos comprometamos a reverter esse nível de desigualdade, não só de riqueza ou salários, mas, ainda mais importante, o poder político que essa disparidade gera. O povo estadunidense tem orgulho, com razão, de sua democracia, mas ela está à mercê do poder de corromper do capital. Agora que é dominada por esse poder, o tempo de fazer outra Revolução Americana, como Jefferson sugeriu ser necessário há muito tempo, está se aproximando: e que seja baseada em justiça social, igualdade e cuidado e contato consciente na relação com a natureza.
A luta que se criou — o Povo contra o Partido de Wall Street — é crucial para nosso futuro coletivo. A luta é global, assim como local, em sua natureza. Reúne estudantes confinados a uma luta de vida ou morte contra o poder político no Chile, para criar um sistema de educação gratuito e de qualidade para todos, desmantelando o modelo neoliberal que Pinochet impôs brutalmente. Engloba os ativistas da praça Tahrir, que reconhecem que a queda de Mubarak (como o fim da ditadura de Pinochet) foi apenas o primeiro passo de uma luta para emancipar-se do poder do dinheiro. Inclui os indignados da Espanha, os trabalhadores em greve na Grécia, a oposição militante que surge em todo o mundo, de Londres a Durban, Buenos Aires, Shenzhen e Mumbai. A dominação brutal do grande capital e o poder do dinheiro estão na defensiva em todo lugar.
De que lado estaremos, nós, indivíduos? Que rua vamos ocupar? Só o tempo dirá. Mas o que sabemos é que o tempo é agora. O sistema não está só quebrado e exposto, mas também é incapaz de qualquer resposta a não ser a repressão. Então nós, o povo, não temos outra opção senão lutar pelo direito coletivo a decidir como o sistema será reconstruído e com base em qual modelo. O Partido de Wall Street teve sua vez e fracassou miseravelmente. Como construir uma alternativa em suas ruínas é tanto uma oportunidade inescapável quanto uma obrigação que nenhum de nós pode ou vai querer deixar de lado.
_________________________
* David Harvey é um dos pensadores marxistas mais influentes da atualidade, reconhecido internacionalmente por seu trabalho de vanguarda na análise geográfica das dinâmicas do capital. É professor de antropologia da pós-graduação da Universidade da Cidade de Nova York (The City University of New York – Cuny) na qual leciona desde 2001. Foi também professor de geografia nas universidades Johns Hopkins e Oxford. Seu livro Condição pós-moderna (Loyola, 1992) foi apontado pelo The Independent como um dos 50 trabalhos mais importantes de não ficção publicados desde a Segunda Guerra Mundial. Seus livros mais recentes, além de O enigma do capital (Boitempo), são: A Companion to Marx’s Capital (Boitempo, no prelo) e O novo imperialismo (São Paulo, Loyola, 2004). 
Texto disponível em www.outraspalavras.net/2012/04/04/david-harvey-o-ultra-capitalismo-encontrou-um-adversario/

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Rede 2 de outubro: 20 anos do Massacre do Carandiru

Excelente material produzido que reflete integralmente a condição carcerária no Brasil. Recomendo que tod@s assistam ao vídeo que segue. Abraços, Dani Felix Fonte: http://rede2deoutubro.blogspot.com.br/

terça-feira, 10 de abril de 2012

Do Blog do Alexandre Morais da Rosa

Populismo Penal, por Alexandre Morais da Rosa

Artigo publicado no Diário Catarinense de hoje, domingo, dia 08.04.2012, p. 13. Refiro-me ao Demóstenes Torres, claro.

A prisão como fenômeno da modernidade perdeu sua eficácia simbólica em face da alteração do modelo de produção capitalista, especialmente com a proeminência do discuso neoliberal no campo do “expansionismo penal”, bem assim pela avaliação dos custos de sua manutenção. Prender e manter gente segregada passou a ser, a partir da lógica dos custos estatais, algo que não pode ser mais tolerado economicamente. Precisou-se articular, assim, novas modalidades de controle social, dentre elas o monitoramento eletrônico. As novas modalidades precisam ser “economicamente eficientes”, a saber, não podem gerar um custo excessivo à manutenção do Estado. Salvo os iludidos por repressão, cujo exemplo recente demonstra o verdadeiro cariz de fachada, a resposta estatal via prisão é dinheiro jogado fora! Todos livres? Não. Há possibilidade de se prender em Democracia. Não se pode é acredita, tal qual Dr. Bacamarte, que a prisão por si resolve os problemas sociais. Aliás, em vários anos julgando nunca - nunca - foi instaurada ação penal em face de traficantes. O que se vê é gente "desdentada, moradora de bairros pobres" sendo presa sob a alegação de combate ao tráfico. Mescla de ingenuidade com cinismo. Depois de presa, essa gente é abandonada em locais públicos com pouca comida, sem atendimento e cai na ajuda recíproca de quem está dentro, os quais, no fundo, domimam internamente. E há sempre alguém defendendo ressocialização. Em que mundo vivem? O dinheiro que um preso custa por ano, em programas sociais bem articulados, seria muito melhor investido. Mas não! A lógica é colocar gente feia e fedida presa, tal qual se fez recentemente na onda higienista do centro de Florianópolis. Alguém acha que o sujeito sonha ser mendigo? Foi escolha dele? Prender? Assim é que no contexto atual diante do custo exponencial da manutenção de segregados, cuja eficiência não se mostra mais ajustada aos anseios do Estado mínimo, precisa-se ousar. Aliás, igual se procedeu – pelo critério dos custos – com a questão antimanicomial, o reconhecimento da união homossexual, enfim, toda uma gama de alterações legislativas recentes. Não se nega que o Sistema de Controle Social é necessário para que a Sociedade possa ter uma estabilidade mediadora da violência constitutiva, a qual pode ser dar mediante ações positivas ou negativas. O Estado precisa se aproveitar de propostas revolucionárias, como o modelo APAC, mas não cair na armadilha das penitenciárias privadas (as que mais lucram no mundo, vide EUA), nem de que segurança se obtém pelo direito penal. A nova lei de medidas cautelares para processados sem condenação, quando editada, iria gerar o caos! Não gerou. Nem gerará. A questão da segurança da população não passa por aumentar penas, nem prisão. Fosse assim a Lei dos Hediondos teria resolvido o problema do país na década de 90. Esse "populismo penal" não procura as causas nos locais corretos e procura enganar vc e eu de que mais violência estatal resolve a violência social. Estudar um pouco de Criminologia ajudaria (Vera Andrade). Mas talvez seja demais. Quem viver verá!

Alexandre Morais da Rosa é Juiz de Direito e Doutor em Direito. 
Fonte: http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/
 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Uma História Severina

Na semana em que o STF decidirá sobre o aborto de feto anencéfalo, vale conhecer a história de Severina, a protagonista deste caso em debate desde 2004... 


Direção: Debora Diniz e Eliane Brum
Duração: 23min
Ano: 2005
Ficha técnica: Direção e Roteiro Debora Diniz e Eliane Brum | Direção de Produção Fabiana Paranhos |Edição Ramon Navarro | Finalização Ramon Abreu | Direção de Arte Ramon Navarro | Xilogravuras e Cordel J.Borges | Música-tema "A Semente da Dor e Sofrimento", de Mocinha de Passira

Sinopse:
Severina é uma mulher que teve a vida alterada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ela estava internada em um hospital do Recife com um feto sem cérebro dentro da barriga, em 20 de outubro de 2004. No dia seguinte, começaria o processo de interrupção da gestação. Nesta mesma data, os ministros derrubaram a liminar que permitia que mulheres como Severina antecipassem o parto quando o bebê fosse incompatível com a vida. Severina, mulher pobre do interior de Pernambuco, deixou o hospital com sua barriga e sua tragédia. E começou uma peregrinação por um Brasil que era feito terra estrangeira - o da Justiça para os analfabetos. Neste mundo de papéis indecifráveis, Severina e seu marido Rosivaldo, lavradores de brócolis em terra emprestada, passaram três meses de idas, vindas e desentendidos até conseguirem autorização judicial. Não era o fim. Severina precisou enfrentar então um outro mundo, não menos inóspito: o da Medicina para os pobres. Quando finalmente Severina venceu, por teimosia, vieram as dores de um parto sem sentido, vividas entre choros de bebês com futuro. E o reconhecimento de um filho que era dela, mas que já vinha morto. A história desta mãe severina termina não com o berço, mas em um minúsculo caixão branco. 
Leia também o que foi publicado sobre o filme no InformeAnis 
Fonte: Instituto Anis (http://www.anis.org.br)

sábado, 7 de abril de 2012

'Não há meninas prostitutas', diz antropóloga


mariatherezadeassismoura_ascomstj260(Débora Diniz, especial para O Estado de S. Paulo) 

Ainda estou para entender o que os magistrados brasileiros descrevem como “realidade”. Muito antes da pós-modernidade, essa palavra provocava tremores nos cientistas sociais. A realidade depende de quem a descreve e, mais ainda, de quem experimenta sua concretude na própria pele. A tese de que o Direito precisa se “adequar às mudanças sociais” foi a sustentada pela ministra do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza de Assis Moura para inocentar um homem adulto que violentou sexualmente três meninas de 12 anos. Não haveria absolutos no direito penal, defendeu a ministra, pois os crimes dependem da “realidade” das vítimas e dos agressores. Foram as mudanças sociais que converteram as meninas em prostitutas ou, nas palavras da ministra Maria Thereza, “as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo”.
“Já estavam longe” foi um recurso discursivo que atenuou o sentido imperativo do julgamento moral da ministra sobre as meninas. Uma forma clara de traduzir seu pronunciamento sobre o caso é ignorar a atenuante e reler os adjetivos por seus antônimos. “As meninas eram culpadas, maliciosas, conscientes e informadas a respeito do sexo”, por isso não houve crime de estupro. Para haver crime de estupro, segundo a tese da ministra, é preciso desnudar a moral das vítimas, mesmo que elas sejam meninas pré-púberes de 12 anos. O passado das meninas - cabuladoras de aulas, segundo o relato da mãe de uma delas, e iniciadas na exploração sexual - foi o suficiente para que elas fossem descritas como prostitutas. Apresentá-las como prostitutas foi o arremate argumentativo da ministra: não houve crime contra a liberdade sexual, uma vez que o sexo teria sido consentido. O agressor foi, portanto, inocentado.

Descrever meninas de 12 anos como prostitutas é linguisticamente vulgar pela contradição que acompanha os dois substantivos. Não há meninas prostitutas. Nem meninas nem prostitutas são adjetivos que descrevem as mulheres. São estados e posições sociais que demarcam histórias, direitos, violações e proteções. Uma mulher adulta pode escolher se prostituir; uma menina, jamais. Sei que há comércio sexual com meninas ainda mais jovens do que as três do caso - por isso, minha recusa não é sociológica, mas ética e jurídica. O que ocorria na praça onde as meninas trocavam a escola pelo comércio do sexo não era prostituição, mas abuso sexual infantil. O estupro de vulneráveis descreve um crime de violação à dignidade individual posterior àquele que as retirou da casa e da escola para o comércio do sexo. O abuso sexual é o fim da linha de uma ordem social que ignora os direitos e as proteções devidas às meninas.

Meninas de 12 anos não são corpos desencarnados de suas histórias. As práticas sexuais a que se submeteram jamais poderiam ter sido descritas como escolhas autônomas - o bem jurídico tutelado não é a virgindade, mas a igualdade entre os sexos e a proteção da infância. Uma menina de 12 anos explorada sexualmente em uma praça, que cabula aulas para vender sua inocência e ingenuidade, aponta para uma realidade perversa que nos atravessa a existência. As razões que as conduziram a esse regime de abandono da vida, de invisibilidade existencial em uma praça, denunciam violações estruturais de seus direitos. A mesma mãe que contou sobre a troca da escola pela praça disse que as meninas o faziam em busca de dinheiro. Eram meninas pobres e homens com poder - não havia dois seres autônomos exercendo sua liberdade sexual, como falsamente pressupôs a ministra.

O encontro se deu entre meninas que vendiam sua juventude e inocência e homens que compravam um perverso prazer. Sem atenuantes, eram meninas exploradas sexualmente em troca de dinheiro.

Qualquer ordem política elege seus absolutos éticos. Um deles é que crianças não são seres plenamente autônomos para decidir sobre práticas que ameacem sua integridade. Por isso, o princípio ético absoluto de nosso dever de proteção às crianças. Meninas de 12 anos, com ou sem história prévia de violação sexual, são crianças. Jamais poderiam ser descritas como “garotas que já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”. Essa informação torna o cenário ainda mais perverso: a violação sexual não foi um instante, mas uma permanência desde muito cedo na infância. Proteger a integridade das meninas é um imperativo ético a que não queremos renunciar em nome do relativismo imposto pela desigualdade de gênero e de classe. O dado de realidade que deve importunar nossos magistrados em suas decisões não é sobre a autonomia de crianças para as práticas sexuais com adultos. Essa é uma injusta realidade e uma falsa pergunta. A realidade que importa - e nos angustia - é de que não somos capazes de proteger a ingenuidade e a inocência das meninas.

* Debora Diniz é professora da UNB e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
Fonte: http://www.feminismo.org.br/livre/index.php?option=com_content&view=article&id=99993156:nao-ha-meninas-prostitutas-diz-antropologa&catid=131:direitos-humanos&Itemid=538