sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

... antes do apagar das luzes!

Recebi e divido com alegria esta notícia de sobre a extradição - NEGADA - de Cesare Battisti.
Bora torcer por Mainha em 2011!

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Brasília, 31 dez (EFE).- O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu negar nesta sexta-feira a extradição do italiano Césare Battisti, condenado à prisão perpétua em seu país por quatro assassinatos cometidos há 30 anos, quando integrava um grupo armado de extrema esquerda.

Lula, quem passará o cargo a presidente eleita, Dilma Rousseff, rejeitou a extradição pedida pela Itália e aprovada em novembro pelo Supremo Tribunal Federal, segundo disse o chanceler Celso Amorim, em breve declaração aos jornalistas.
Como explicou Amorim, quem deixará o cargo neste sábado, Lula outorgou a Battisti o status de "asilado político" e se apoiou em uma opinião da Advocacia Geral da União, que está de acordo com a Constituição, as convenções internacionais sobre direitos humanos e o tratado de extradição assinado com a Itália.
O caso, no entanto, deverá voltar ao Supremo, que está em recesso até fevereiro e avaliar se a decisão de Lula está ajustada ao direito.
Do Supremo depende que Battisti seja libertado da prisão em que está em Brasília ou que permaneça detido até a corte se pronunciar definitivamente sobre o assunto.
A decisão anunciada por Lula, quem já havia dado indícios de que tomaria uma decisão nessa atitude, foi rejeitada de antemão pela Itália, cujo ministro da Defesa, Ignazio La Russa, garantiu que "não estará isenta de consequências" políticas e diplomáticas.
Russa chegou a dizer que estaria disposto a promover um boicote contra os produtos brasileiros, e o Governo italiano, em nota oficial, anunciou que se reserva "o direito a considerar todas as medidas necessárias para obter o respeito do tratado bilateral de extradição" com o Brasil.
Battisti, de 55 anos e detido em uma prisão em Brasília, foi membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), um braço das Brigadas Vermelhas, o grupo armado mais ativo durante a onda de violência política que sacudiu à Itália há quatro décadas.
Em 1993, foi julgado à revelia por um tribunal italiano que considerou culpado dos assassinatos de dois policiais, um joalheiro e um açougueiro, cometidos entre 1977 e 1979.
Quando foi processado estava na França, onde havia conquistado status de refugiado político, mas fugiu em 2004, quando o Governo francês se dispunha a revogar essa condição para entregar à Itália.
Foi capturado em março de 2007 no Rio de Janeiro em uma operação conjunta feita por agentes do Brasil, Itália e França.
O Governo brasileiro outorgou um polêmico status de refugiado, apesar deste ter sido negado inicialmente pelo organismo oficial competente nessa matéria, o que levou à Itália a retirar seu embaixador no Brasil durante um mês como protesto.
O status de refugiado foi revogado em novembro de 2008 pelo STF, que autorizou a extradição do ex-ativista à Itália, embora tenha deixado a decisão final para Lula.
Desde que está no Brasil, ele recebeu apoio de organizações políticas de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores 
 
Fonte: Yahoo Notícias

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ainda sobre a interdição do CER São Lucas/SC

Companheir@s!
Segue a publicação no youtube do debate no Conversas Cruzadas (TVCom/SC), que foi ao ar dia 23/12/2010 e teve como pauta a INTERDIÇÃO DO SÃO LUCAS.
Com a apresentação de Renato Igor e a participação, além da minha (como anunciei antes, quase um  papagaio de pirata!!!), do Dr. Alessandro da Silva - AJD-SC, da Dra. Márcia Aguiar Arend - MPSC e do Dr. Valdir Mendes - A.ACRIMESC.
À diante e à luta!

Estamos às vésperas de 2011 e gostaria de agradecer @s leitor@s do Blog o prazer de suas ilustres companhias, mesmo que por vezes silenciosas, é justamente esta "visibilidade" dos meus escritos e das divulgações feitas aqui que demonstram a necessidade da continuidade da construção de espaços virtuais críticos! Abraços e bom início de ano a tod@s!

Parte 1

As outras partes podem ser vistas diretamente nos links oferecidos no youtube.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

[Artigo] QUASE DE VERDADE: DIREITOS HUMANOS E ECA, 18 ANOS DEPOIS.

ALEXANDRE MORAIS DA ROSA*
ANA CHRISTINA BRITO LOPES**




Dois mil e oito foi fadado a grandes comemorações voltadas para os direitos humanitários: primeiro os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, depois os 20 anos da Constituição da República que, de tão comprometida com os direitos fundamentais,  ficou conhecida como Constituição Cidadã. Mas o grande destaque comemorativo para os “heróis da resistência”, sem sombra de dúvidas, é o mais que emblemático “aniversário dos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente”.
É possível dizer que, nos três documentos comemorados, é tudo “quase de verdade”... Mas aqui cabenos apenas refletir sobre os dezoito anos do Estatuto e daí a propriedade do uso do título de história infantojuvenil de Clarice sobre o cachorro Ulisses, que late uma “história que até parece de mentira e até parece de verdade”. 
Foi a inspiração para falar do que no mundo real acontece com o aniversário do Estatuto que, ao ser lido e colocado em confronto com a realidade, também parece ora de mentira ora de verdade, talvez situado no meio termo de realidades singulares neste imenso país, muito decorrente de decisões individuais de aplicação efetiva do ECA.
Após grande luta pela redemocratização do País, eleita a Assembléia Nacional Constituinte, foi conquistado o artigo 227 da CR, fruto de grande mobilização social de segmentos diversos da sociedade envolvida e preocupada em transformar as vidas de crianças e adolescentes. 
Talvez, nenhum dos princípios seja mais “quase de verdade”.
O objetivo do Poder Legislativo era de que fosse possível reverter a dívida histórica com um atendimento marcado pela caridade e assistencialismo em detrimento da promoção de direitos humanos para a infância e juventude, que fazia com que o público infantojuvenil fosse alvo da atenção apenas no viés abandono-delinquência, objeto de ações repressivas e controladoras em sua maioria.
A urgente transformação de crianças e adolescentes em sujeitos (e não mais objetos) de direito, tinha que ter uma força tal que impedisse o esquecimento pelo mundo adulto das necessidades básicas e fundamentais de pessoas em desenvolvimento, e foi escolhida a expressão que pudesse destacar a importância das providências a serem urgentemente praticadas:  “prioridade absoluta” para as ações pertinentes à garantia e defesa dos direitos fundamentais elencados constitucionalmente: dois anos após, ratifica-se o artigo constitucional na Lei 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente. 
Alessandro Baratta (1998) anteviu a luta que seria travada: a reforma legal teria força suficiente para mudar a cultura? Seria possível trocar a lógica perversa da prática das políticas de repressão e emergenciais pelas políticas públicas básicas? O que temos hoje?
Hoje, com toda segurança, podemos afirmar que ele teve discernimento e clarividência suficientes para prever o grande desafio de concretizar a transmutação de crianças e adolescentes de objetos em sujeitos. Transformar as políticas públicas de emergenciais e repressivas em básicas, com ênfase no desenvolvimento de programas voltados para as necessidades comuns ao público-alvo, porque sabia que as prénoções que antecipam o sentido eram (e continuam, ainda) permeadas por um totalitarismo antidemocrático decorrente da “ignorância funcional” dos atores jurídicos, especialmente magistrados e promotores de justiça, os quais não conseguem compreender o giro copernicano avivado pelo ECA e a cultura dos Direitos Humanos.
E, de novo, a pergunta: o que temos hoje?
Em todos os segmentos da sociedade, indícios de vivermos uma “ilegalidade oficial”, diante da inobservância das leis: a prioridade absoluta, apesar de princípio constitucional, toma o perfil de “ficção jurídica”, bem como muitos dos direitos humanos de crianças e adolescentes inscritos no ordenamento jurídico especial, transformando esta área do direito em um verdadeiro “conto de fadas” que, parafraseando o famoso conto infantil, poderia se chamar “O ECA no País das Maravilhas”. Esta poderia ser uma das traduções do que se passa, embora o “Quase verdade” de Clarice forneça um significante mais adequado ao que pretendemos ou, ainda, muitos outros títulos de histórias infanto-juvenis, no Direito 
do Sítio do Pica-Pau Amarelo...
Quando refletimos sobre os avanços e desafios do Estatuto, marcado pelo princípio constitucional da prioridade absoluta, não devemos deixar de lado a dimensão do problema ao se fazer um balanço e perceber que avanços existiram, mas que ainda estão aquém, graças à violação ao princípio, que é nacional, e não regional, estadual ou municipal, mas direcionador da Democracia!
Mais uma vez, pensemos: o que temos hoje, em maior ou menor escala, em grande parte dos Municípios e Estados brasileiros?
 -  A não observância do artigo 4º do ECA, alíneas “d” e “e” não sendo priorizadas pelas políticas públicas na área e recursos nos orçamentos;
-  Uma proliferação de ONGs para tentar diminuir o abismo entre o que a política de atendimento prevê como direito a ser efetivado e o que temos como políticas públicas;

-  Adolescentes envolvidos com a prática de atos infracionais ainda em delegacias para adultos, ou em unidades de internação inadequadas e contrárias aos preceitos indicados pelos estudiosos com maior probabilidade de mudar a orientação deles para uma vida consoante às condutas socialmente aceitáveis;
-  Dificuldade em ter acesso à Justiça graças à inexistência de Defensoria Pública em alguns Estados e, assim, à Defesa Técnica obrigatória a que têm direito quando envolvidos, por exemplo, com a prática de um ato infracional;
 -  Conselhos Tutelares que, muitas vezes, independente da região em que se encontram, estão longe do que foi idealizado pelo ECA. Conselheiros despreparados para cumprir com a difícil missão de zelar pelos direitos de crianças e adolescentes simplesmente porque, em alguns casos, nem sequer leram o Estatuto antes de se elegerem e não podem garantir o que desconhecem;
-  Processo de eleição de Conselheiros Tutelares (quando existem) completamente “viciado” pelas mesmas mazelas das eleições para cargos políticos de vereadores, prefeitos, deputados... (ex.: compra de votos);
-  Conselhos de Direitos que ainda não têm clareza sobre quais são suas reais atribuições: controlar ações em todos os níveis e deliberar políticas públicas para a infância e juventude e, ainda, incorrendo no perigo de inverter a lógica do que é prioridade absoluta por ações, tais como:
.  Plenárias e Comissões que se transformam em “reunião de adultos” defendendo seus interesses institucionais ou dos órgãos que representam (se governamentais),  fi cando em último plano a vez e voz dos sujeitos que deram causa a todos estarem ali reunidos quinzenal ou mensalmente;
.  Conferências (Municipais, Estaduais e Nacional) que roubam os olhares e a atenção de todos durante o ano de suas realizações, com disputas acirradas e muita discussão sobre os que poderão participar das mesmas. Os temas escolhidos para serem debatidos, exaustivamente, muitas vezes não revertem nas políticas públicas que deveriam ser deliberadas, com base nas sínteses registradas nos Anais das Conferências pelos Conselhos;
.  Uma sociedade que, muitas vezes, “desorganizada” e desarticulada por interesses “confusos”, diversos 
dos que deveriam nortear as ações dos Conselheiros, desperdiça a conquista da mesma sociedade civil, quando mobilizada e organizada, em participar da deliberação de políticas públicas pelos Conselhos de Direitos e adiando a vitória destes espaços contrahegemônicos vitais para a transformação e efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes. 
-  Um universo de explorações, muitas vezes iniciada pelas mãos dos familiares (prática histórica e mundial), com viés mercantilista, seja da mão-de-obra, seja do corpo da criança e do adolescente. Crianças e adolescentes transformados em mercadoria de troca ou objeto de lucro (prostituição infantil, meninos vendidos como jogadores de futebol para o exterior, trabalho no lixo, nos canaviais, no tráfico etc.);
 -  Universidades cujos cursos de graduação em Direito não contemplam em suas grades curriculares a obrigatoriedade do ensino do direito da criança e do adolescente, muitas vezes, nem como opção livre e acarretando, como conseqüências: 
a)  Futuros operadores de direito que se transformarão em profissionais de carreira pública, como promotores, defensores públicos e juízes, que irão operar o sistema de garantia de direitos sem sequer conhecerem o texto básico legal (Estatuto), que não é o sufi ciente para trabalhar com as questões do universo infanto-juvenil, que exige conhecimentos interdisciplinares (psicologia, pedagogia, medicina, serviço social...); 
b)  Baixa capacidade de compreensão do ECA por magistrados e promotores, reiterando-se o espetáculo das derrapagens totalitárias, de gente que confunde proteção integral com sua opinião pessoal e tranforma o ECA num instrumento de opressão, especialmente porque assiste a “banda passar falando coisas de amor” e se acovarda diante de um Poder Público que se omite reiteradamente;
c)  Despreparo técnico de advogados para trabalhar na defesa da parcela mais vulnerável da sociedade, afastando a concretização da ampla defesa e dificultando o sucesso na garantia do direito a ser defendido. Temos centenas de advogados nas áreas cível, família, tributária, penal, trabalhista, mas um número ínfi mo de profi ssionais que conhecem e podem advogar no âmbito infanto-juvenil, com todas as especifi cidades nos seus procedimentos e que, quando resolvem atuar, acabam colocando em risco a defesa adequada daqueles por quem estão atuando. 
Este novo direito apresenta uma grande demanda de profissionais que possam operacionalizar e tirar do papel as conquistas da reforma legislativa. A Constituição da República de 1988, 20 anos atrás, ordenou que todos fossem responsáveis pelos direitos fundamentais de crianças e adolescentes: a família, a sociedade e o Estado. Não se pode tolerar, assim, gente que rasteja no campo da infância e juventude, negando-se a cumprir o caráter emancipatório do ECA. 
É hora de nova mobilização social, a exemplo do ocorrido na década de 80. Que 2008 seja um marco: a retomada, não mais para conquistar uma lei preponderantemente comprometida com os direitos humanos, mas pela efetivação desta, como já disse Norberto Bobbio. Alessandro Baratta, do alto do seu olhar visionário, indicou a difícil luta para a concretização do projeto de uma sociedade mais igualitária e mais justa necessária para a aplicação do novo direito da infância e da adolescência:  “(...) o caminho hoje no Brasil e em todo o mundo do capitalismo real é o das lutas pacíficas e tenazes, para se assegurar e impor que a Constituição e a lei sejam aplicadas em todas as áreas. Revolução social significa sinergia de todas as lutas pela defesa e plena realização dos direitos sancionados pelas leis, pelas constituições, 
pelas convenções internacionais, (...) Hoje, utopia concreta é a legalidade constitucional (...)”

Dez anos já haviam sido transcorridos da promulgação da Constituição da República à época em que ele escreveu estas palavras. Agora, vinte anos depois, é possível dizer, com toda segurança: ter a melhor lei nacional para crianças e adolescentes, ter uma Carta Magna que ordena a prioridade absoluta para a garantia e efetivação destes direitos, não é (foi) uma condição suficiente em todos estes anos para transformar a realidade, embora necessária.
No mundo do “faz-de-conta”, até utopia é diferente: o desejoé de alcançar a legalidade material que só foi alcançada até certo ponto. Há que se admitir que, felizmente, nem tudo se perdeu. 
Muitas conquistas existiram com base na lei predominantemente comprometida com a garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes, graças a um pequeno, porém perseverante, número de guerreiros pró-direitos de crianças e adolescentes.
O que nos move a continuar na luta e, por exemplo, escrever este artigo, é o desejo de termos uma sociedade na qual tenhamos leis que, quando lidas para os que ainda as desconhecem, não provoquem comentários jocosos e piadas quanto à sua veracidade. 
Queremos uma sociedade na qual o “faz-de-conta”, o “lúdico”, exista só nas brincadeiras e na literatura infantil, como a de Clarice, mas que, em especial, no que diz respeito ao consagrado e festejado “princípio da prioridade absoluta” – no que concerne à preferência na formulação e na execução das políticas sociais 
públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude – seja tudo de “verdade verdadeira”. Se para a consagrada autora, a verdade só é como tal no mundo de quem gosta de inventar, sejamos mais criativos que os que vêm sendo vitoriosos na arte de criar estratégias para continuar perpetuando o status quo de objetos, característico de crianças e adolescentes no Código de Menores, que insiste em se manter em vigor em vários aspectos, mesmo18 anos depois de ter sido revogado, principalmente na cabeça de gente com uma cultura jurídica mofada! Sem contar os “menoristas enrustidos”...
“Inventemos” mais e mais maneiras de criar mecanismos para superar a criatividade inspirada em uma lógica perversa dos que inventam para perpetuar a cultura de desprezo e exploração dos mais frágeis e vulneráveis. Talvez, com Clarice, possamos entender o caráter e a função de uma “quase verdade” na construção da cidadania infanto-juvenil, porque desde 1988 nem todos viveram felizes para sempre...

Fonte: http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com

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*ALEXANDRE MORAIS DA ROSA - Juiz de Direito da Infância e Juventude de Joinville (SC), Doutor em Direito (UFPR) e Professor do Programa de Mestrado/Doutorado da UNIVALI-SC.
**ANA CHRISTINA BRITO LOPES - Secretária da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR, Mestre em Ciências Penais,  Professora da PUCPR e Coordenadora do Curso de Especialização Panorama Interdisciplinar do Direito da Criança e do Adolescente da PUCPR.


Notas:
1  O Título “Quase de Verdade” foi inspirado no livro de literatura infanto-juvenil de Clarice Lispector, autora muito admirada pelos autores deste texto que, assim, ao mesmo tempo que usam tomam emprestado o título para desenvolver o tema 
por possibilitar provocar uma refl exão crítica por parte dos leitores, ainda possibilita uma justa homenagem à autora que tanto admiram e de quem são leitores vorazes.
2 Expressão escolhida para tentar defi nir aqueles que se dedicam a lutar pelos direitos humanos, apesar das críticas sempre sofridas que os rotulam, muitas vezes, como meros “defensores de bandidos”.
3 Criminólogo italiano, já falecido, considerado o grande ícone da Criminologia Crítica.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Entrevista concedida ao Centro de Mídia Independente - CMI

Entrevista com Daniela Felix - Advogados Sem Fronteira

 
Entrevista feita por e-mail pelo CMI Floripa com a advogada Daniela Felix, Vice-Presidente da Advogados Sem Fronteiras ? ASF-Brasil e Advogada da Rede de Juristas Populares Catarinas e da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP).
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CMI Floripa ? Gostaria que você falasse um pouco sobre o que é o Advogados Sem Fronteiras qual as atividades que estão desenvolvendo em Santa Catarina?

DF ? A Advogados Sem Fronteiras (ASF-Brasil) é uma organização da Sociedade Civil (OS) nacional, que tem uma atuação em rede (física e virtual) com todas as demais Organizações Advogados Sem Fronteiras espalhadas por três (03) continentes - na África, na Europa e nas Américas. A ASF, assim como outras Organizações Sem Fronteiras conhecidas, p. ex. a dos Médicos Sem Fronteiras, se estabeleceu como forma de intervenção e intermediação de conflitos que ferem substancialmente os Direitos Humanos elementares, inclusive no apoio a conflitos que transcendem os limites dos Estados Nacionais, motivo, inclusive, da importância da ASF-Brasil que, além de ser a primeira Organização da Língua Portuguesa, é a primeira base na América Latina, sendo uma de nossas responsabilidades a mobilização e auxílio para que outros países latinos se agreguem à Rede.
Atualmente, estamos ligados a 4 projetos: 1) Em defesa dos defensores, que auxilia Advogados e outros operadores do direito, sob grave ameaça ou perseguição em razão do exercício de suas atividades em prol da justiça e dos direitos humanos; 2) Acesso à justiça internacional; 3 ) Consultoria jurídica a organizações da sociedade civil; e, 4) Formação jurídica, em especial na área internacional e de direitos humanos.
Assim como todas as Organizações Não Governamentais, sobrevivemos das associações, apoios e projetos. Inclusive, semana passada foi realizada a Assembléia Anual ? e também a comemoração formal de 1 ano de atividade no Brasil, mas não pude ir à Porto Alegre participar, vez que ainda não temos orçamento para todas as despesas básicas da Organização. Sabemos que esta estruturação leva tempo, mas aproveitamos os espaços para pedir apoios! (risos!)

CMI Floripa ? Sobre o C.E.R São Lucas como a senhora avalia a interdição da instituição?

DF ? Pessoalmente foi um presente de Papai Noel!
Profissionalmente, um avanço às políticas públicas para a Segurança Pública e Medidas Socioeducativas para o Estado, que é bom lembrar, é um dos estados mais reacionários e desiguais do País. Sob o discurso elitista e xenófobo de desenvolvimento, subtraímos as maiores barbáries contra os excluídos dos pactos sociais.
Ingressei nesta luta, pessoal e profissionalmente, no início de dezembro de 2009, a pedido da então Promotora de Justiça da Comarca de São José/SC, Dra. Leda Maria Hermann, que face uma grave denúncia de ameaça e de tortura a um Adolescente, solicitou a minha nomeação como Defensora Dativa em um caso específico, todavia, ao tomar conhecimento da situação específica e do local onde Crianças e Adolescentes em conflito com a lei estavam sendo segregadas veio o choque, a revolta e o inconformismo.
Então, se tornou uma bandeira de luta, da militância, foi quando agreguei a minha função de Vice-Presidente da ASF-Brasil.
Ao ter o contato com esses adolescentes literalmente presos, o que contraria integralmente toda a legislação protetiva da infância e adolescência (que devem ser recolhidos não ao cárcere, mas a estabelecimentos socioeducativos), verifiquei a negligência dos poderes estatais (executivo, legislativo e judiciário) e a invisibilidade que sofrem por tod@s. São tratados como os futuros clientes das prisões e, para muitos, este de fato é o destino.
Além, saliento que ali não estão os filhos das classes médias e altas, mas somente o filhos da pobreza, o que há muito sinalizo a falta de debates estruturais no campo da Segurança Pública.

CMI Floripa - Quais outras intuições em Santa Catarina onde jovens cumprindo medidas socioeducativas possuem os mesmo problemas?

DF ? Tenho notícias que o Plantão Interinstitucional de Atendimento (Pliat), na Capital (bairro Agronômica), inclusive o Relatório do CNJ traz uma foto dos locais de isolamento e tortura de crianças e adolescentes. Todavia, acredito que nenhum estabelecimento dedicado às crianças e aos adolescentes cumpram as normas e finalidades estabelecidas pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).

CMI Floripa ? Foi recomendado pela Comissão Nacional de Justiça em novembro passado C.E.R São Lucas e o Pliat de Florianópolis em novembro passado que fossem fechados por indícios de tortura e pela precariedade das instalações, quais as medidas que o governo de Santa Catarina tomou?

DF ? Até onde acompanhei, nenhuma.
Houve somente esta interdição do CER São Lucas, já em debate muito antes da recomendação do CNJ.
Inclusive, é oportuno pontuar que foi pela atuação da Dra. Ana Cristina Borba Alves (Juíza da infância e juventude da Comarca de São José), com o apoio das Promotoras de Justiça, Dras. Leda Maria Hermann e Márcia Aguiar Arend, que o CNJ voltou os olhos e fez uma ?inspeção surpresa? nos estabelecimentos de medidas socioeducativas de Santa Catarina, pois até então o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) estava legitimando a atuação da Secretaria de Segurança Pública e do Ministério Público estadual (MPSC). Exemplo disso foi a cassação da liminar de interdição concedida pela Dra. Ana Cristina, que, claro, depois da intervenção do CNJ, tornou a decisão de 1º Grau definitiva.

CMI ? Como a senhora está vendo a atuação da Vara da Criança e da Juventude na questão?

DF ? Pra mim a Vara da Infância e da Juventude de São José, juntamente com as Promotoras de Justiça, tem feito um trabalho exemplar e fundamental. Em ambas as atividades, muito diferente do que reza o senso comum, o que está em jogo é a proteção pelo Estado às crianças e aos adolescentes. O que estamos vendo é aplicação de Direitos constitucionais fundamentais, que inverte a lógica de segregação e violências em que sofrem os ditos ?criminosos?, ainda, tido pra muitos como irrecuperáveis.
O dever do Estado não é o de aprisionamento e tortura, mas o de proteção aos Direitos e Garantias do Cidadãos e Cidadãs, INDISTINTAMENTE.
Todavia, os Juízes e Promotores que atuam sob essa lógica de reflexão (garantista), são tidos como críticos e não correspondem às exigências institucionais, tanto que são constantemente questionados pelos seus órgãos fiscalizatórios, por abuso de autoridade, desídia, etc.

CMI FLORIPA ? Acho que ano passado foi flagrado internos do São Lucas tomando banho de sol algemado pelas mãos e pés, qual foram as medidas tomadas pelo governo depois disso?

DF ? A lógica de atuação da Segurança Pública, o qual as medidas socioeducativas são subordinadas, é a de contenção dos ?criminosos? selecionados a ocupar as vagas dos sistemas de aprisionamento. Uma das medidas implementadas pelo então Secretário de Segurança Pública foi o ?fuga zero? (especialmente ao São Lucas pelo intenso holofote que a instituição atrai), o que se leva a crer que o uso de algemas no banho de sol, além de ser parte da política, deve ter sido o menos grave. Tomei conhecimento de muitas coisas e muito mais bárbaras do que o uso de algemas não vieram a conhecimento do senso comum (não posso falar por razões de sigilo profissional).
O que quero dizer é que no apagar das luzes os problemas são ainda maiores, as violências são ainda mais graves. O que vai pra mídia é somente a ponta do iceberg.

CMI ? Em entrevista para imprensa local a Juíza Ana Cristina Borba Alves afirma que há mortes não esclarecidas no São Lucas, a senhora poderia falar um pouco sobre o assunto?

DF ? Tais afirmações também foram expressas pela Promotora de Justiça, Dra. Márcia A. Arend (na mídia local esta semana).
Não tenho esses dados e sequer vi esses autos, todavia, acredito ser provável que as mortes (aqui não digo que todas) sejam de responsabilidade dos Monitores/Estado.
Quando se dá às Crianças e aos Adolescentes o mesmo tratamento dado aos presos, provisórios e condenados, do Sistema Prisional, tudo é possível. Para um monitor, que pelo que se verifica empiricamente parece ter fé pública, alegar em procedimentos investigatórios (sejam eles administrativos ou judiciais) a ocorrência de brigas entre internos para esconder sessões de torturas por parte da própria Instituição é muito fácil.
Diga-se de passagem, porque se levar em consideração a palavra dos internos que estão ali por cometimento de crime? Em quem acreditar?

CMI ? O gerente do São Lucas foi preso ao tentar impedir a entrada da imprensa no porão do São Lucas, o mesmo sujeito que a Juíza pediu o afastamento, porque ele está sendo mantido no cargo?

DF ? Porque a função autoritária e violenta é muito funcional para o Sistema (e para a lógica do Sistema Penal, Prisional e de Segurança Pública).
Frise-se, embora saiba somente de ?ouvir dizer?, que o Gerente do CER São Lucas possui (acho que foi arquivado), processos administrativos de tortura a adolescentes, enquanto Monitor e Gerente do Pliat.
Devolvo a pergunta: por que nomear como Gerente de um centro Educacional uma pessoa que tem indícios de prática de violência?
Ao meu ver, enquanto Criminóloga crítica e crítica às políticas criminais, é que ele exerce muito bem a sua função.

CMI ? Como a senhora avalia a situação da criança e do adolescente sobre restrição de liberdade ou liberdade assistida em Santa Catarina?

DF ? Sinto que os holofotes aos debates para estas questões podem ser um avanço significativo e um divisor de águas ao sistema de cumprimento das Leis e das políticas para a infância e adolescência.
Sabemos da situações de múltiplas violências e as Autoridades que estão conduzindo o processo são extremamente éticas, qualificadas e comprometidas com a efetivação dos Direito Humanos, por isso, penso que o que houve, longe de ser esquecido, deverá ser apurado e tratado na forma da lei.
Todavia, é o momento de prestarmos atenção nestes meninos e meninas em conflito com a lei e dizer a eles que queremos que eles façam parte dos nossos mundos, que eles tenham um futuro promissor, longe das situações violentas , que muitas vezes motivam o próprio ingresso na ?carreira? delitiva. Que eles tenham oportunidades e acessos à vida digna. Reflitam a respeito e agreguem à luta pelo resgate da infância!

Fonte: http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2010/12/482782.shtml

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Brasil de Lula: a naturalização da desigualdade

Para divilgação, reflexão e debate!
Abraços e feliX natal a tod@s @s leitores do Blog!
Daniela 

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ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO 
22-DEZ-2010


Nesta entrevista especial, o Correio da Cidadania conversou com o economista Nildo Ouriques, também membro do Instituto de Estudos Latinos-Americanos da UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina -, para fazer um balanço dos anos Lula e analisar as pré-condições, algumas já anunciadas, do governo Dilma. Para ele, a principal função exercida pelo governo foi a de "refuncionalizar o neoliberalismo". Ao mesmo tempo, desqualifica a suposta ascensão social do povo brasileiro, pois se baseia "nos critérios inaceitáveis do Banco Mundial".
Em sua opinião, o maior ‘legado’ deixado pelo último governo é a constatação de que não é possível alcançar mudanças profundas pelo atual modelo de democracia. Nildo não enxerga muitas possibilidades de o futuro Congresso e Executivo levarem adiante pautas mais progressistas, que garantam maior emancipação popular. Longe disso, devem prosseguir as políticas assistencialistas e a usurpação do Estado em favor das grandes indústrias agrícola e mineral. "Controle eleitoral e alienação política".
Apesar da falta de esperanças no novo governo, o economista espera que Dilma reforce laços com a esquerda latino-americana, abandonando os anseios sub-imperialistas que detecta em nossa política externa. Assim, antes de discutir qual a característica do capitalismo brasileiro, Nildo reclama pela reorganização de uma esquerda socialista e nacionalista, fazendo uma análise das condições de nosso país e pensando numa ‘revolução brasileira’, que inevitavelmente se diferencia das condições de outros processos tomados até hoje como referência.

A entrevista completa pode ser conferida a seguir.

Correio da Cidadania: Qual o seu balanço dos oito anos do governo Lula?
Nildo Ouriques: Uma refuncionalização do chamado neoliberalismo. Aplicou a consolidação do PT como partido de centro-direita, que detinha a legitimidade para falar sobre os pobres e, portanto, aplicar políticas de sensibilidade social. Mas no sentido de colocar os pobres em políticas caritativas, o que é o Bolsa família basicamente, apesar de sua importância. Este é o ponto fundamental. Não emancipa amplos setores dos trabalhadores, atende à questão social, diferenciando-se da direita clássica, mas sem emancipar politicamente. Controle eleitoral e alienação política. Eis o primeiro movimento.
Em segundo lugar, aceita o papel de potência regional dentro da política externa estadunidense, o que implica maiores graus de autonomia em relação à diplomacia do FHC, impulsionando uma política sub-imperialista do Brasil, que de fato tenta praticá-la. Especialmente num período em que o mercado interno se mostra restrito para as necessidades de acumulação de capital das burguesias brasileiras. De maneira que se forma uma combinação.
E, claro, politicamente produz outro fato importante: dentro do atual sistema político não é possível uma alternativa eleitoral. A domesticação do PT significa a caducidade do sistema político, que tinha sido caracterizado pela possibilidade de o PT, dentro das regras do jogo, impulsionar um governo democrático-popular, um mercado interno de massas e, portanto, iniciar o que Florestan Fernandes chamava de revolução democrática.
Dentro de todo esse contexto da política, a característica essencial do Lula neste governo foi a de jamais convocar o povo para uma luta importante. Jamais chamou o povo para enfrentar algum interesse majoritário da burguesia. Essa é a característica essencial.

Correio da Cidadania: Já há alguns anos, desde a chegada de Lula, nos deparamos com as estatísticas que apontam maiores índices de crescimento do PIB e do emprego, ao lado do maior valor dos rendimentos...
Nildo Ouriques: Como diria Álvaro Vieira Pinto – e pode escrever isso -, o que é o PIB? Construir e destruir uma casa entra no cálculo. O PIB diz muito pouco. Discutir se ele cresceu, baixou... Já está na hora de superarmos isso. Taxas de crescimento, taxas de acumulação de capital que ultrapassem 5%, 6%, 7%, taxas chinesas, num país tão desigual como o nosso não significam muita coisa.

Correio da Cidadania: No entanto, esses fatores citados, aliados aos maiores reajustes concedidos ao mínimo e ao incremento das políticas assistencialistas, como o Bolsa Família, respaldam várias análises sobre a redução da pobreza e da miséria e a ascensão à classe média de uma parte da população. Qual é o significado, ou o teor de verdade, dessas análises?
Nildo Ouriques: Bem, se continuarmos adotando como critério de pobreza o critério do Banco Mundial, de US$ 1,3 diário... Mas ninguém aí no Correio da Cidadania aceitaria para si próprio esse padrão. US$ 1,30 faz parte de uma metodologia do Banco Mundial. Ninguém da imprensa, ninguém que ler isso, toparia entrar na classe média nesses termos.
O fato é que 76% da População Economicamente Ativa ganha até 3 mínimos, 1500 reais. Significa que o poder de compra do mercado interno é limitado.
E essa onda, mais intensa até setembro de 2008, já começou a desaparecer em várias partes do globo, nos EUA, Europa, Ásia, Oriente Médio e também na América Latina. No Brasil, vai se manifestar tardiamente, mas não tenha dúvida de que o emprego vai se reduzir e inclusive os salários com carteira assinada de quem está sendo contratado agora estão em níveis mais baixos que aqueles anteriores.
De maneira que não podemos tomar esse momento absolutamente passageiro como uma tendência do capitalismo brasileiro. O que se confirma é o contrário: a super-exploração dos trabalhadores. Exatamente quando o período de acumulação foi mais intenso, com taxas de crescimento mais altas, a resistência à redução da concentração da renda também foi muito intensa.
Portanto, temos de sair desse imaginário católico – da exclusão, da pobreza – e do discurso tecnocrático que interessa tanto a Lula quanto a FHC, tanto a tucanos como a petistas, ou seja, ao consórcio petucano.

Correio da Cidadania: Então, toda essa cadeia de fatores mencionados como positivos aos quatro ventos pode ser desqualificada, uma vez que passou longe de reduzir as abissais desigualdades do país?
Nildo Ouriques: Dá pra desqualificar no sentido de que a pobreza está sendo reduzida, mas não está sendo enfrentada estruturalmente. Os programas de alcance e certa sensibilidade popular não reduzem a pobreza, ainda que tirem momentaneamente alguns da linha de pobreza e miséria - sob os critérios inaceitáveis do Banco Mundial.
Assim, todo esse crescimento foi não apenas abaixo do que se propagandeia, como também foi abaixo do que o país precisava para se tornar protagonista mundial e fazer um ajuste de contas com sua história.

Correio da Cidadania: Como você avalia o processo eleitoral que culminou na vitória de Dilma Rousseff?
Nildo Ouriques: Em primeiro lugar, a esquerda radical com a qual me alinho não existiu eleitoralmente. Em segundo lugar, precisamos de um amplo, que será lento, processo de reconstrução de uma esquerda socialista, nacionalista e revolucionária no Brasil. É um longo processo. Em terceiro, precisamos disputar tanto no meio social quanto no meio eleitoral. E em quarto, a hegemonia burguesa no processo eleitoral foi completa, porque, a rigor, as diferenças entre Dilma e Serra eram anedóticas, e não substanciais.
Desse modo, o processo eleitoral se caracterizou por não passar o país a limpo. O que significa que hoje, concretamente, o processo eleitoral não é um instrumento de mudança no Brasil, mas de manutenção da ordem.

Correio da Cidadania: A atuação da esquerda socialista nesta eleição, representada essencialmente pelo PSOL, PCB, PSTU e PCO, não existiu, a seu ver?
Nildo Ouriques: Eleitoralmente não existimos, não há como ter ilusões sobre isso. Mas acho que também se alimentou uma indiferença ao processo eleitoral. Nossa insignificância eleitoral mostra que temos escassos vínculos sociais com o que há de organizado no povo. Essa é a gravidade da situação.

Correio da Cidadania: A expressiva votação obtida por Marina deve ser encarada como um capital para que a candidata se confirme como força política de peso no país, carregando a bandeira da Terceira Via e do Ambientalismo, ou estamos diante de mais um fenômeno eleitoral que, como tantos, tende a, mais dia menos dia, se esgotar?
Nildo Ouriques: A candidatura da Marina foi uma fraude completa. No sentido de que ela é uma lulista, uma expressão do cinismo moderno na política. Fica sete anos como ministra do Lula e aparece na última hora se apresentando como alternativa.

Além disso, aparece com o discurso da cordialidade brasileira, querendo eliminar as pequeníssimas divergências do consórcio petucano.
Em terceiro, uma representante do discurso ecologista absolutamente dentro da ordem. Não tem anti-imperialismo e nem anti-capitalismo no discurso dela.
E além do mais, há um outro prejuízo notável: ela é expressão de evangelização da política, o fenômeno político mais nocivo que ocorreu no Brasil nos últimos anos. A República é laica, a política é laica, portanto: fora o discurso religioso, fora o crucifixo da sala de aula.

Correio da Cidadania: Ainda assim ela não pode se impulsionar no cenário político, mediante a votação que obteve esse ano e a clara falta de opções políticas nas disputas?
Nildo Ouriques: Espero que não. Não creio que ela vá se alavancar assim. Acho que o futuro será mais complicado para ela.

Correio da Cidadania: Qual a sua avaliação da nova composição ministerial, destacando-se as incisivas exigências do PMDB para aumentar a sua cota de participação...
Nildo Ouriques: Expressa a mesma composição social, a mesma priorização do Congresso, a mesma correlação de forças, o mesmo projeto. Continuidade completa. Os ministros hoje são absolutamente incapazes de assinalar algum rumo.
O ministro da Fazenda? Funciona com base no consenso formulado pela FEBRABAN, FIESP, latifúndio, Banco Mundial, FMI... Enfim, nenhum ministro se destaca em nada.

Correio da Cidadania: E quanto à troca de comando no Banco Central e a saída de Celso Amorim do Ministério das Relações Exteriores, considerado como um dos ministros que se mantiveram entre a ala progressista na Esplanada lulista, a despeito de críticas em contrário?
Nildo Ouriques: Acho que a passagem do Celso Amorim foi positiva no sentido de que começou a abandonar, ao menos em alguns casos, a clássica subalternidade do Itamaraty à embaixada de Washington. Mas estivemos longe de uma política externa independente, muito longe.

Correio da Cidadania: Além de ter externado preocupações com o alegado déficit da previdência, justificando ser impossível aumento dos benefícios acima do mínimo, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já apresentou uma proposta de política fiscal para o país, cuja essência é que as despesas correntes primárias cresçam menos que o Produto Interno Bruto (PIB). Sabendo-se que essas despesas incluem os salários do funcionalismo, a previdência e assistência social, podemos esperar medidas duras de restrições aos gastos sociais?
Nildo Ouriques: No primeiro ano, haverá um programa de ajuste fiscal óbvio para preparar o segundo ano, com as eleições para prefeito e criação dos futuros comitês municipais para as eleições de 2012. Em primeiro lugar, portanto, vem o calendário político.
Em segundo lugar, existe uma necessidade de sair da ordem de acumulação de capital em escala mundial. Mas não haverá um ajuste de magnitude, tal como o grego ou o irlandês, pois o reforço da condição de nosso país como exportador de produtos agrícolas e minerais, o que gerou este ano uma renda de quase 45 bilhões de dólares, criou um colchão que consolida uma estrutura de país tipicamente subdesenvolvido.
Portanto, o ajuste não precisa ser tão intenso quanto em outras circunstâncias seria. Se houver uma redução global dos preços das mercadorias, daí o ajuste tende a ser permanente. Não é, no entanto, o que está se desenhando.

Correio da Cidadania: O que pensa sobre a maioria parlamentar obtida pelo governo no Congresso a partir dessas eleições, considerando-se a bancada formada por PT, PMDB e demais partidos aliados, ao lado da regressão do PSDB e DEM? Será azeitado o percurso rumo ao desmonte de direitos sociais, ou há uma remota chance de esta maioria governista trabalhar em favor de algumas pautas progressistas, como reforma agrária, direitos sociais e de minorias?
Nildo Ouriques: Absolutamente normal a formação dessa maioria. Qual governo do Brasil não conseguiu uma maioria parlamentar? Os erros de campanha do PSDB e do DEM cobraram seu preço, mas não alteram em nada a República. O presidente sempre faz a maioria que quer.
E não vejo nenhuma possibilidade, longe disso, de tais pautas progressistas serem levadas adiante. A bancada é tão fiel ao governo quanto disciplinada no programa predominante.
O parlamento não tem capacidade de impor uma pauta ao Executivo nacional. E não o fará.

Correio da Cidadania: O historiador Mário Maestri relata que o atual momento eleitoral retrata ‘Derrota Histórica do Mundo do Trabalho’, algo que já estaria inscrito na primeira eleição de Lula à presidência, uma vez que a liquidação da autonomia política dos movimentos sociais foi a condição imposta pela burguesia para a entrega do governo a Lula. O que pensa disto?
Nildo Ouriques: Acho que há aí um pouco de uma leitura saudosista do que foi o Lula. Em segundo lugar, mundo do trabalho é uma expressão muito cara a Jose Marti, que a usou em 1883, quando falava sobre a morte de Marx. Mas a chamada derrota dos trabalhadores teria de ser discutida mais longamente.
O chamado novo sindicalismo nunca aceitou uma análise do subdesenvolvimento e da dependência. Quero dizer que o novo sindicalismo sempre duvidou que o capitalismo no Brasil fosse incapaz de atender as maiorias. E o Lula, ainda que combativo naquelas épocas, era mais expressão de uma revolta contra a super-exploração do trabalho, tal como formulou Rui Mauro Marini em Dialética da Dependência, do que de um projeto socialista.
Portanto, isso precisa ser melhor avaliado em termos históricos.

Correio da Cidadania: Qual a sua avaliação da atual conjuntura internacional e nacional, no que se refere à crise financeira que explodiu em 2008? A despeito do caráter mais estrutural da crise, a conjuntura econômica estabilizou-se realmente, ainda que países europeus mais fragilizados, como Irlanda, pareçam ser a bola da vez?
Nildo Ouriques: A atual conjuntura internacional é favorável aos trabalhadores. Desde setembro de 2008 mudou a conjuntura mundial. O encanto do capitalismo foi quebrado por uma crise que causou a perda de 50 milhões de empregos, colocando uma quantidade impressionante, mais de 40 milhões, abaixo da linha de pobreza.
A crise não terminou e nem vai terminar. Significa que esse capítulo segue em aberto. Os trabalhadores estão observando que vêm pagando um preço violentíssimo. Por isso haverá resposta, como já está havendo na Europa, EUA, e mesmo na China, Japão e América Latina.

Correio da Cidadania: Então o que ocorreu com a Irlanda é uma tendência que ainda será seguida por outros em breve?
Nildo Ouriques: É claro. Itália, França... A crise está abrindo um novo capítulo da luta de classes européia.

Correio da Cidadania: Como o Brasil, nas mãos de Dilma, enfrentaria uma crise econômica, caso ela venha a bater em nossas portas, como ocorreu em 2008? A situação ficaria mais difícil de ser contornada sem Lula, vez que estamos diante de uma personalidade sem a mesma experiência e predicados políticos?
Nildo Ouriques: Não sei. É difícil fazer prognóstico. Na periferia capitalista, sempre é difícil contornar. E se for necessário apertar os trabalhadores, não deixará de fazê-lo, como já mostrou.

Correio da Cidadania: O sociólogo Francisco de Oliveira, em entrevista ao Correio, declarou que o governo petista pode ser tomado como mais privatista que o governo FHC. Não propriamente em função das privatizações sorrateiras através das várias Parcerias Público-Privadas efetivadas sob Lula, mas na medida em que ele consolidou o capitalismo monopolista de Estado. O que pensa disto e como deve caminhar o governo Dilma neste sentido?
Nildo Ouriques: O que ele quer dizer com isso? Não há nenhuma novidade. O capitalismo monopolista de Estado é uma teoria que o Chico de Oliveira requenta. O fundamental não está aí. O Brasil é um país dependente e periférico, subdesenvolvido. E essa é a questão. O Chico de Oliveira tem um problema em enfrentar o tema do desenvolvimento.
Ele andou muito lá no CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento); portanto, ficou contaminado por isso, e nunca aceitou o tema do subdesenvolvimento. Passa longe do horizonte intelectual dele. Não é isso que está em questão. O Brasil deixou de ser um capitalismo periférico, e agora é capitalismo monopolista de Estado: qual a vantagem analítica desse enfoque? Não vejo.

Correio da Cidadania: No caso, seria ressaltar a consolidação de parcerias entre o governo e os principais agentes privados em setores estratégicos e rentáveis, conformando nova modalidade de transferência de patrimônio e riquezas públicas e sociais para mãos particulares.
Nildo Ouriques: Essa teorização toda é uma bobagem. Qual a natureza do Estado aqui? Capitalista. Isso até a sociologia do Octavio Ianni já havia descoberto lá atrás: é a ditadura do grande capital. Na periferia capitalista seria diferente por quê?

Correio da Cidadania: Ainda assim, em linha direta de oposição a esta constatação da linha privatista sob Lula, governo, apoiadores e até mesmo uma parte da grande mídia – mesmo que a partir de interesses divergentes - têm incisivo discurso sobre a ‘retomada’ do papel gerenciador e referenciador do Estado na economia, do que o PAC seria forte evidência. O que pensa disto?
Nildo Ouriques: Bobagem. Capitalismo não existe sem Estado. Se ficarmos discutindo aqui que houve um período neoliberal a ser sucedido por outro desenvolvimentista, vamos aceitar que o grande antagonismo na sociedade brasileira é entre tucanos e petistas.
Os capitalistas sabem que quando era pra privatizar contaram com o FHC. Quando era pra controlar e repassar a poupança nacional do BNDES pra salvar os grandes lucros, contaram com o Lula. Não há diferença nenhuma. Se os tucanos estivessem no poder provavelmente teriam feito tudo igual, a negociação do Antonio Ermírio, da saúde, da Votorantim, como fez o Lula. É da natureza do Estado.
Há muito tempo a sociologia brasileira deixou de estudar o Estado. Está mais interessada em políticas públicas. É um desastre analítico. O resultado tem sido apenas uma tentativa do mundo universitário de buscar acomodação nas verbas do governo, mas não tem oferecido mais lucidez analítica.
Ora, o Estado vai continuar intervindo, privatizando, colocando essa imensa poupança nacional a serviço do fortalecimento de grupos industriais de natureza agrícola e mineral. É um desastre deixar de fazer tais análises!

Correio da Cidadania: Como deverá caminhar a diplomacia de Dilma no que se refere ao relacionamento político e econômico com os demais países da América Latina, especialmente aqueles que carregam as pautas mais progressistas, e polêmicas, como Venezuela e Bolívia? Haverá, em sua opinião, mudanças significativas relativamente à gestão Lula?
Nildo Ouriques: Não diria que são polêmicos as pautas dos países citados. A Venezuela tem um horizonte socialista. Não podemos reforçar esses estigmas. Espero que o governo tenha uma linha de atuação muito mais próxima aos países progressistas da América Latina, porque sem ela o Brasil fica muito mais fraco. O Brasil precisa ter aliança com a esquerda latino-americana.
Em segundo lugar, é preciso avançar para além das limitações que a nossa política externa vem sofrendo. Abandonar a política sub-imperialista, ter uma melhor idéia de integração, atuar numa linha mais claramente anti-Washington, sem a qual não há avanço diplomático, econômico, político e cultural.
Não é só isso. Precisamos criar uma política cultural que varra a indústria cultural estadunidense de nossas vidas, desde a infância, de todos nós. É necessária uma mudança radical na política cultural, que precisa ser claramente antiimperialista.
Não acredito que a presidente vá fazer isso, mas gostaria.

Correio da Cidadania: E também reforçar mecanismos e instituições regionais...
Nildo Ouriques: Precisa ver se vão se concretizar Unasul, Banco do Sul, Conselho de Defesa... De toda forma, a Avenida Paulista vê tudo isso com muita restrição.

Correio da Cidadania: Quais são as perspectivas da Esquerda? Acredita que deva ser reconstituída uma frente de esquerda?
Nildo Ouriques: A esquerda no Brasil, em primeiro lugar, tem que pensar a revolução brasileira, e o seu programa. Para isso, precisa ser uma esquerda nacional, o que até hoje ela se recusa a ser. Uma anomalia incrível. A esquerda russa é russa, a esquerda cubana é cubana, a chinesa é chinesa, portanto, a esquerda brasileira precisa ser brasileira. Tem de discutir a teoria do capitalismo aqui, discutir uma revolução brasileira, que precisa ser nacional, além de socialista.
Mas, se nossa esquerda continuar eurocêntrica, prosseguirá isolada do povo, não dará um passo à frente. Mais do que crer e rediscutir os atuais partidos, é preciso rever e aprofundar os vínculos orgânicos com o povo e repensar teoricamente o programa da revolução brasileira.

Correio da Cidadania: E quanto aos movimentos sociais, especialmente o MST, como devem seguir no governo Dilma a seu ver?
Nildo Ouriques: O movimento social está, digamos assim, de crista baixa. Espero que o MST mantenha-se combativo, coloque o tema da Reforma Agrária sempre em evidência e que não sucumba ao governismo, entenda que o melhor que pode passar ao movimento, e a todos nós, é a manutenção da independência. E, sobretudo, que compreenda que, se não mantiver essa autonomia, vai, necessariamente, recuar em termos de luta política. E a direita avançará.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Conversas Cruzadas

Pesso@l!

Noticio, a quem interessar, que hoje às 22h (ao vivo) no Conversas Cruzadas da TVCOM/SC, com a apresentação de Renato Igor, será debatida a Interdição do São Lucas e as Medidas Socioeducativas em Santa Catarina.
Contará com a participação, além da minha como "papagaio de pirata"(!), da Dra. Márcia Aguiar Arend (Promotora de Justiça da Vara de Infância e Juventude da Comarca de São José/SC, Mestre e Doutora em Criminologia Crítica pelo CPGD/UFSC), Dr. Alessandro da Silva (Associação de Juizes para Democracia) e Dr. Valdir Mendes (Presidente do Comitê Catarinense de Combate a tortura).

Assistam e participem!
TV por assinatura: Canal 36 da NET e Viamax


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

[CER São Lucas] O depoimento lúcido da Promotora de Justiça, Dra. Márcia Aguiar Arend

Pessoas assim como Márcia A. Arend e Leda Hermann me fazem pensar que ainda há esperanças para o MPSC. Da mesma forma que a Ana Cristina B. Alves, o Alexandre Morais da Rosa e a Brigitte May,  também são as minhas apostas no TJSC!

Obrigada pelo ano, permeados de lutas e desafios.
Obrigada, em nome dos tantos "Réus Dativos" e suas causas, que atuei como Defensora, segura de que acesso à justiça é um direito elementar e deve ser de boa qualidade.
Obrigada @os que encontraram em vocês TOD@S a resposta rápida e certeira de que "ser criminoso" não se trata de uma carreira, muito menos uma questão ontológica (lombrosiana), mas reflexos das políticas criminais e legislativas que pesam sob os menos favorecidos.
Obrigada, ainda, por me fazerem acreditar que ainda é possível fazer diferente!

Final de ano com muitas surpresas e recompensas no campo dos Direitos Humanos! 

  

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

[CER São Lucas] Prisão em flagrante do Gerente, Venício

Matéria veiculada no Jornal do Almoço (RBSTV/SC), de hoje, dia 20/12/2010, em que Dra. Márcia Aguiar Arend (Minha Querida Companheira de Jornada Criminológica Crítica!) dá voz de prisão ao Venício - (ex) Gerente do São Lucas, por desacato à autoridade (dela e da Dra. Ana Cristina Borba Alves), que autorizaram a reportagem no interior do Centro Educacional.
Penso que mais que desacato, ele e toda a Secretaria de Segurança Pública (a quem o Centro Educacional é subordinado) deveriam ser denunciados por tortura e maus tratos aos adolescentes sob sua tutela.
Revolta-me, cada dia mais, esse empodeiramento do Estado opressor, que viola todos os direitos à integridade física e mental de seus pares, sob o discurso da ordem. 
Parafraseando Nilo Batista, é sob a bandeira de lei e ordem que o Mundo assistiu e assiste os maiores genocídios no transcurso da história.
Como disse no post anterior, sinto-me dignificada, e mais, reconheço-me nesta luta... uma vitória significativa aos Direitos Humanos.  
    




*A título de informação, o Sr. Venício foi solto no decorrer da tarde, cf. noticiou o RBS Notícias (da mesma emissora)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

+ de 1 ano de luta incansável...

Comp@s,
depois de mais de 1 ano de luta direta, pela dignidade no cumprimento das medidas socioeducativas no Centro Educacional São Lucas (CERSL), hoje as portas foram cerradas e os Meninos soltos.
Deixo a minha homenagem @os lutador@s incansáveis, dos quais tenho a honra de conhecer e militar, especialmente às Dras. ANA CRISTINA BORBA ALVES, LEDA MARIA HERMANN e MÁRCIA AGUIAR AREND.
Sinto-me dignificada com esta decisão, que eu sei o quão sofrida foi.
Abraços e à luta,
Dani Felix 






O Centro Educacional São Lucas, em São José, foi interditado na tarde desta sexta-feira. Segundo o auto de interdição divulgado pela Vara da Infância e Juventude de São José, entre os motivos do fechamento estão as condições insalubres do prédio, denúncias de maus tratos contra os adolescentes e o não cumprimento das determinações de melhorias, ferindo o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente. 
Dos 32 adolescentes internados no São Lucas, apenas 10 permaneciam no local no momento da interdição. Eles foram encaminhados às comarcas de suas respectivas cidades. Os demais já haviam sido liberados durante a semana, alguns foram levados para suas comarcas e outros passaram a cumprir novas medidas socioeducativas.
A juíza Ana Cristina Borba Alves da Vara da Infância e Juventude de São José já havia recebido um comunicado da Diretoria de Vigilância Sanitária de Santa Catarina determinando a interdição do São Lucas. Entre os motivos, o documento apontava as péssimas condições higiênico-sanitárias que foram constatadas na instituição, como rede de esgoto sanitário inadequado e sem condições de funcionamento, cheiro forte de esgoto e privadas entupidas. 
Além da interdição, a juíza determinou ainda o afastamento do gerente da instituição, Venício Machado Pereira Neto, e mais dois monitores. Um processo administrativo deve ser instaurado nos próximos 90 dias para apurar os fatos. O descumprimento da decisão implicará em multa diária de R$ 3 mil. A Justiça deu um prazo de 15 dias para que a situação do São Lucas seja regularizada. 


Fonte: DIARIO.COM.BR

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Nota de falecimento: LUÍS ALBERTO WARAT



Lamentamos informar que Luis Alberto Warat no está más con nosotros.

16/12/2010

Casa velatoria: Malabia 1662 - Palermo Ciudad de Buenos Aires
A partir de las 19 hs. de hoy jueves 16/12.


Familia Warat

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

[ARTIGO CIENTÍFICO] Esse é meu serviço, eu sei que é proibido: Mulheres aprisionadas por tráfico de drogas



Gabriela Jacinto, Cláudia Mangrich e Mario Davi Barbosa 

Gabriela Jacinto: É graduada em Direito pelo CESUSC. atua nas áreas de direito penal, criminologia crítica, direitos humanos, intolerância e preconceito. É membro e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Preconceito e Intolerância - NEPI/CESUSC e do projeto de Extensão Universidade Sem Muros (UFSC/CNPq). 
Cláudia Souza Mangrich: Graduada em Direito pelo CESUSC; é especialista em DH pela universidade Pablo de Olavide na Espanha e pós-graduada em Ciências Criminais pelo CESUSC; é professora de Direito Constitucional e de Filosofia do colégio Cruz e Sousa.
Mario Davi Barbosa: Graduado em Direito pelo CESUSC (2009), atua nas áreas de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia Crítica, Direitos Humanos e Sociologia Jurídica. É membro e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Preconceito e Intolerância - NEPI/CESUSC e do projeto de Extensão Universidade Sem Muros da Universidade (UFSC/CNPq).


RESUMO: Este artigo é resultado de uma pesquisa científica realizada no Presídio Feminino de Florianópolis, cujo objetivo é abordar a criminalização da mulher por tráfico de drogas. Os discursos apresentados pelas criminalizadas transcorrem realidades intramuros e extramuros, acompanhando as desigualdades sociais, além dos entraves que se constitui na execução penal. O PFF é uma instituição que abriga um numero muito superior que sua capacidade, quando voltado às criminalizações a predominância é o tráfico de drogas, sendo que esta instituição “abriga” indivíduos em condições peculiares, num ambiente que envolve amor, ódio, sofrimento e desejos, observa-se um ciclo de violência e disciplina, uma nua vida.

ABSTRACT: This article is the result of a scientific research conducted at the Female House Arrest in Florianopolis (PFF), whose focus is to board the criminalization of women for drug trafficking. The speeches made by criminalized elapses internal and external realities, following social inequality, beyond the barriers that constitutes the criminal enforcement. The PFF is an institution that shelters a number that far exceeds its capacity, this institution homes individuals in the peculiar conditions in an environment involving love, hate, suffering and wishes, there is a cycle of violence and discipline.
Keywords: Criminalization. Traffick drug. Violence
Palavras-chave: Criminalização da Mulher. Tráfico de drogas. Sistema Prisional.

INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto de uma pesquisa acadêmica, realizada pelo Núcleo de Estudos Sobre Preconceito e Intolerância (NEPI) no Presídio Feminino de Florianópolis, entre os anos de 2006 até 2008. Buscamos ampliar o olhar empírico e acadêmico, no que diz respeito à criminalização do gênero feminino, uma vez que o mundo da mulher encarcerada é quase desconhecido e pouco visualizado, não se dando muita ênfase a mulher/presidiária e fazendo-as esquecidas em muitos aspectos, pois encontramos poucos estudos que abordam a prisão feminina e suas particularidades, especificamente numa visão mais critica ao sistema penal.
Para se adentrar por este mundo quase que intocável, é necessário se despir de preconceitos, julgamentos e cargas ideológicas decorrentes de um senso comum criminalizador - mídia e discurso punitivo - para entender as peculiaridades que envolvem um presídio feminino, buscando um outro olhar deste lugar e da situação que as mulheres criminalizadas vivem. Queremos salientar que no decorrer da pesquisa os relatos foram expostos de forma muito natural, misturados com lágrimas e sorrisos. Ressaltando que os nomes das entrevistadas serão trocados, a fim de preservar as identidades das frases utilizadas neste.
O tema proposto deste artigo nasceu da angustia de constatar que a grande maioria das mulheres criminalizadas estavam aprisionadas por suposto envolvimento com o tráfico de drogas, fato este que superlota o Presídio Feminino de Florianópolis.
Levando em consideração a construção histórica na qual se formou uma ideologia de domesticação da mulher é necessário, sem dúvida, entender a condição da mulher em determinado espaço social, fazendo um paralelo com o tratamento sócio punitivo e toda carga valorativa voltada à mulher em virtude do encarceramento. O tratamento penal frente a figura feminina está ligado intimamente com os valores morais e sociais de determinados tempos e espaços.
1. MULHERES E TRÁFICO DE DROGAS
No inicio da pesquisa no Presídio Feminino de Florianópolis (agosto/2006) existiam encarceradas um total de 146 mulheres, condenadas e não condenadas[1] . As faixas etárias alcançavam idades variadas, desde mulheres com 18 anos até 60 anos. Trabalhamos especificamente com as mulheres condenadas, das quais buscamos informações. As conversas se davam a partir de um roteiro elaborado em forma de questionário com perguntas objetivas e subjetivas, além de informações externas, como o colhimento de dados da ficha cadastral e entrevistas extras (delegada, policial e ex-presidiárias).
Iniciamos as entrevistas seguindo os nomes registrados no Boletim Mensal de Informações do próprio presídio, que continham 66 nomes de mulheres processadas e condenadas, com as quais trabalhamos. Logo de inicio nos deparamos com uma imensa quantidade de criminalizadas[2] (já condenadas) pelo Art.12 da Lei 6.368/76 (tráfico ilícito de drogas)[3] , chegando a uma porcentagem de aproximadamente 71%.
Com o decorrer das visitas ao presídio, questões que envolvem criminalizações por tráfico de drogas tornaram-se cada vez mais acentuadas, uma vez que as fichas de dados, os processos e as próprias entrevistas, basicamente giravam em torno deste crime; o qual ajudava de forma significativa a povoar o referido presídio.
A partir de então surgiu a necessidade de entender o processo de criminalização feminina por tráfico de drogas. Porém, no decorrer das entrevistas, as indagações foram dando lugar às respostas, levando-nos a reflexões sobre a realidade social em que viviam, quem eram, e de onde vieram, além do tratamento jurídico que lhes foi destinado.
É possível fazer uma análise do último decênio em relação à massa carcerária e o tráfico de entorpecentes - especificamente no Presídio Feminino de Florianópolis - que é o bojo da nossa pesquisa, a partir de alguns trabalhos científicos que expõem dados sobre o tema. Estes ilustram a evolução da criminalização e o aumento do número de encarceradas.
Em 1996 encontravam-se presas no Presídio Feminino de Florianópolis 40 mulheres, sendo quase 62% por tráfico (SILVA, 1998, p.56). Já no ano de 2007 quase dez anos após, existiam cerca de 150[4] mulheres encarceradas, destas 66 foram julgadas e condenadas, chegando a um percentual de 71% por tráfico de drogas. O percentual de criminalizadas por tráfico tem acompanhado a porcentagem do último decênio, quando fala-se nos mais altos índices de encarceramento por este crime.
Entrevistamos um Policial Militar[5] que nos disse que a mulher está envolvida no tráfico hoje, muito mais que cinco anos atrás, e que a maioria das ocorrências estão envolvidas com o tráfico, tudo gira em torno do tráfico. É perceptível que, com o passar dos anos, desenvolveu-se uma ampliação da criminalização secundária quanto às condutas de tráfico de drogas envolvendo mulheres, passando a serem estigmatizadas, alcançadas, e selecionadas pelo sistema punitivo, de forma freqüente.
1.1 O alcance da Legislação
A intensificação na repressão ao narcotráfico - que trata o problema das drogas como um problema criminal - se deu há alguns anos. A tendência legislativa contra as drogas aconteceu em grande parte dos países e, inclusive no Brasil, por influências norte-americanas. Rosa Del Olmo (1990, p.27) elucida que a luta contra o tráfico de drogas se tornou uma guerra mundial. Como resultado as experiências dos Estados Unidos se tornaram mais importantes para os outros países como lições para o futuro (grifo do autor).
Diante disso os traficantes se tornaram inimigos numero um, seres com representatividade altamente perigosa, que corrompiam as/os meninas/os de bem, vendendo a famosa “erva assassina”. Temas como “cocaína e a maconha, em sua produção-distribuição, alcançaram dimensões demoníacas na maior parte dos países da América do Sul(DEL OLMO, 1990, p. /13), intensificaram-se cada vez mais a caça aos supostos traficantes.
No Brasil o combate às drogas tomou dimensões legislativas concretas quando em 1976 foi publicada a Lei 6.368, criminalizando usuário (art.16) e traficante (art.12) de entorpecentes, penalizando este último com pena de 3 (três) à 15 (quinze) anos. Com o passar dos anos, a guerra ao tráfico se intensificou. Muito contribuiu o movimento de Lei e Ordem, que clamava pela ampliação da repressão, ou seja, esse movimento necessitava “criminalizar mais, penalizar mais, aumentar os aparatos policiais, judiciários, e penitenciários. É necessário incrementar mais e mais a engenharia e a cultura punitiva, fechar cada vez mais a prisão, e suprimir as garantias penais (ANDRADE, 2005, p.15).
Este talvez seja um dos fatores que contribuiu para surgir uma nova lei em agosto 2006, Lei 11.343, determinando tratamentos diferentes quanto ao usuário/as e o/a traficante. A Lei que antes penalizava os dois (uso e tráfico), com a mudança passou a não mais penalizar os/as usuários/as de entorpecentes e passou a penalizar com mais rigidez os/as traficantes.
A Lei 11.343/06 veda liberdade provisória às/os criminalizadas/os por crime de tráfico (art.33); a pena mínima é de cinco anos (quase a pena mínima de um homicídio), e a máxima de 15 anos; o tratamento penal alcança um ciclo de 18 verbos (importar, transportar, remeter, preparar...); a progressão de regime[6] para ré/réu primária/o é de 2/5 e reincidente 3/5 da pena. Importante salientar que o aumento da pena mínima impossibilitou a conversão/substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Por outro lado, seoficializou mais uma imunidade para a classe hegemônica, pois a nova Lei não trata mais a/o usuária/o da mesma forma em que identifica os considerados traficantes – culminado-lhes uma pena. Sabemos que a imagem típica do traficante, para nos atermos no básico, será a do jovem de classe pobre, preferencialmente negro ou mulato, fazendo ressurgir o discurso médico-sanitário:
O pequeno distribuidor, seria visto como o incitador ao consumo, o chamado Pusher ou revendedor de rua. Este indivíduo geralmente provinha dos guetos, razão pela qual era fácil qualificá-lo de “delinqüente”. O consumidor, em troca, como era condição social distinta, seria classificado de “doente” graças à difusão do estereotipo da dependência, de acordo com o discurso médico que apresentava o já bem consolidado modelo médico-sanitário. (DEL OLMO, 1997)
A lei 11.343/06 aplicará ao usuário que se enquadrar num dos cinco verbos nucleares (adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar e trazer consigo) a advertência sobre os efeitos da droga; prestação de serviços a comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Assim, a nova lei busca controlar os inimigos (pobres), criminalizando quem vende (droga), e concede um tratamento curativo aos que compram (classe média/alta) essas drogas ilícitas, certamente enquanto anestesiam-se uns, metralham-se outros (MALAGUTI, 2003, p. 87).
Toda essa busca incessante àqueles que vendem drogas ilícitas, parece não ligar para o gênero, tanto que o numero de mulheres encarceradas por tráfico de drogas, no Presídio Feminino de Florianópolis e em muitos outros Presídios e Penitenciarias Femininas pelo Brasil ilustram o quanto elas comportam uma massa significante de encarceramento, como em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 86% das detentas estão presas por venda de drogas[7] no ano de 2008. Já em todo território nacional em 2006 se chegou a uma estimativa de 10 mil mulheres presas por tráfico de drogas[8] .
Thiago Rodrigues explica que a proibição da droga interessa a muita gente, alguns faturam muito com o mercado ilícito de drogas, como a indústria farmacêutica (que evita a concorrência das drogas ilegais com seus narcóticos e euforizantes patenteados), a indústria bélica (que também ganha muito com a proibição), além do sistema financeiro internacional (que depende de bilhões de dólares provenientes do negócio ilegal – com parceria no tráfico de armas) e a “indústria do controle do crime”, que vende seus sistemas de segurança e vigilância, cercas elétricas, etc. (RODRIGUES, 2007, p.266). Portanto, os interesses políticos e econômicos ligados a permanência da tendência quanto a repressão ao tráfico de drogas parece ainda ter um longo caminho.

1.2 Mudanças na Legislação: Crime Hediondo
Houve, durante a pesquisa no Presídio Feminino de Florianópolis, uma grande agitação e curiosidade por parte das mulheres criminalizadas em virtude de uma mudança da Lei no que concerne a progressão de regime para crimes hediondos. Como a mídia transmitiu este fato de uma maneira ambígua para elas, a ansiedade em saber o que estava acontecendo era imensa, pois a grande maioria estava encarcerada por tráfico (equiparado a crime hediondo).
Visto que, para os crimes desta natureza existia o dispositivo da Lei 8.072/90 (crimes hediondos) que impedia a progressão de regime aos condenados pelos delitos considerados como tais, o STF (Habeas Corpus 82959/2006) no inicio de 2006, declarou inconstitucional a vedação de progressão de regime nos casos de crimes hediondos. A partir daí, os Tribunais iniciaram a concessão de progressão de regime àqueles/as que já teriam completado 1/6 da pena (primária) e ¼ da pena (reincidente) a esses delitos e a grande maioria das apenadas (art. 12, de lei 6.368/76) passou a gozar do direito à saída temporária (“sete dias”), visto que já haviam alcançado o tempo determinado para tanto.
Em contraposição, a entrada em vigor da Lei 11.464/2007 mudou o sistema de progressão de regime estabelecido pela LEP, passando a cominar novo prazo para a concessão do benefício aos presos por crimes hediondos e equiparados. Assim, conforme a nova redação do art. 2° da Lei de Crimes Hediondos (8.072/90): “a progressão de regime no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente”. Como conseqüência disso, aquelas que haviam progredido, tiveram medo de regredir de regime, por conta das informações que tinham obtido através da televisão. De início, criou-se até uma discussão no meio jurídico acerca do entendimento se a nova Lei (11.464/2007) seria mais benéfica ou se a antiga disposição (com os efeitos dados pela decisão do STF) poderia ser interpretada para favorecer os apenados.
Para resolver a angústia da maioria, era necessário esperar um pouco, para ver algumas decisões sobre o tema, ou até mesmo se cogitar da possibilidade de se impetrar um habeas corpus[9]. Porém, o que as impossibilitou de utilizar estes instrumentos de garantia contra a restrição da liberdade,foi a falta de advogado constituído. Este é um fato fundamental para o entendimento da realidade daquele universo prisional feminino, uma vez muitas não possuem um advogado contratado por não terem condições financeiras para arcar com os honorários. O Estado fornece advogado dativo[10] - ou deveria fornecer -, este deveria atuar na causa até o termino da pena. Entretanto, muitos desses advogados tornam-se praticamente fantasmas e assim o abandono em que às encarceradas ficam submetidas torna-se um fato bastante visível e concreto. Uma entrevistada criminalizada por tráfico de drogas nos disse que “tive um advogado até ser condenada, depois não sei...[11].
Neste sentido, convivemos intensamente com os dramas em decorrência de questões formais da execução penal, onde o desespero de viver num sistema que é negligenciado revela aquilo que na teoria se legitimaria pela função correcional, mas que funciona, na prática, como a cristalização e estigmatização do incorrigível.

1.3 Quadro de encarceramento do PFF

“Porque cadeia só tem pra pobre, pra rico não tem, se tivesse era castelo!”

(Laura, Tráfico de drogas)

As mulheres que fazem parte do quadro de encarceradas do Presídio Feminino por tráfico de drogas geralmente são oriundas de localidades marginalizadas, não que esta seja uma causa do crime, mas, pelo contrário, essas mulheres são presas fáceis da seleção do sistema punitivo. A população marginalizada e excluída do mercado de trabalho, do consumo e da sociedade, tendo no sistema punitivo o funcionamento de uma “instituição total[12] para fazer com que “as prisões sejam máquinas de exclusão[13]. Zaffaroni e Pierangeli desenvolvem a idéia de que o sistema penal seleciona pessoas ou ações, como também criminaliza certas pessoas segundo sua classe social(2007, p. 69).
Chamou-nos atenção o local de residência das mulheres criminalizadas no PFF, uma vez que, em suas fichas de dados, era comum o local de domicilio ser situado em morros de Florianópolis, como Morro do 25, Morro do Mocotó, Morro da Penitenciária, Morro da Bina, dentre outras localidades em situações de vulnerabilidades, reforçando a idéia da seletividade do sistema penal. Esses espaços costumam ser mais “policiados, tendo esta uma atuação muito forte quanto à repressão daqueles moradores de favelas ou morros da Capital.
Toda essa busca da repressão aos estranhos[14]pode ser compreendida em virtude da necessidade de disseminar o medo, incidindo a culpa sobre aqueles que causam uma ameaça pelo seu estereótipo ou rótulo prontamente estabelecido, reiterando a necessidade da força punitiva e do poder constituído. Os perseguidos, em sua maioria empobrecidos, distante da sociedade de “bem”, produtora e consumidora, devem estar contidos e circunscritos em espaços subalternos, socialmente demarcados. Vera Malaguti Batista argumenta que,
O sistema de justiça criminal da sociedade capitalista serve para disciplinar despossuídos, para constrangê-los a aceitar a “moral do trabalho” que lhes é imposta pela posição subalterna na divisão de trabalho e na distribuição da riqueza socialmente produzida. Por isso, o sistema criminal se direciona constantemente às camadas mais frágeis e vulneráveis da população: para mantê-la - o mais dócil possível – nos guetos da marginalidade social ou para contribuir para sua destruição física. Assim fazendo, o sistema sinaliza uma advertência para todos os que estão nos confins da exclusão social. (BATISTA, 2003a, p. 15)
Podemos afirmar que o presídio acaba se tornando uma extensão da favela[15], uma vez que abarca todos/as aqueles/as estigmatizados e ideologicamente tratados como perigosos. A classe menos favorecida sobrevive de alguma forma, diante dos espaços que as esmagam e as tornam escravas do trabalho servil, passando a viver muitas vezes, do mercado informal, que acaba por criminalizar pessoas não-qualificadas para o mercado formal, como o tráfico de drogas, por exemplo.
Um fator relevante observado na análise dos dados é a constatação da precária escolaridade das mulheres entrevistadas no PFF. Identificamos que 23% não completaram o ensino primário, 27% não completaram o ensino fundamental e 30% não completaram o ensino médio. Ao falar dos fatores socioeconômicos e educacionais, numa perspectiva de criminalização concentrada em determinados indivíduos, Zaccone afirma que
Os criminosos autuados e presos pela conduta descrita como tráfico de drogas são constituídos por homens e mulheres extremamente pobres, com baixa escolaridade e, na grande maioria dos casos, detidos sem portar nenhuma arma (ZACCONE, 2007, p.11)
Constatamos através da pesquisa no PFF que, para além das ilicitudes cometidas, as mulheres que ali estavam eram pessoas selecionadas por um sistema punitivo desigual e estigmatizador. Como diria Vera Malaguti Batista, os consumidores falhos são os novos demônios, isolados em guetos criminalizados e clientes potenciais do poder (2003b, p.73).
Houve somente dois casos durante as entrevistas que se tratava de mulheres respectivamente criminalizadas por tráfico de drogas, mas que sua condição financeira condizia com a classe média/alta; casos esses, portanto, incomuns. A maioria das entrevistadas relatou outra condição social de vida e quando perguntamos as outras duas sobre como e porque da participação delas no tráfico, responderam que: eu trafiquei 10 anos, trabalhei fora do país honestamente, tenho uma família estruturada, de educação boa. Acho que foi ‘sem-vergonhice’[16] e a segunda: fui presa em Minas, em uma cadeia grande, morei na Alemanha, falo e leio italiano, alemão e aqui convivo com um monte de gente que mal sabe ler e escrever[17].
Antagônicas as duas exceções descritas acima, as mulheres que se encontram encarceradas no Presídio Feminino de Florianópolis continham em suas fichas de dados[18] extraídos do PFF profissões cujos salários eram extremamente baixos. Vejamos a tabela,
Tabela 1 – Profissões das mulheres presas do Presídio Feminino de Florianópolis (2006-2007)

Profissões Quantidade
Do lar
16
Doméstica
6
Vendedora
6
Aux. de cozinha
5
Estudante
5
Comerciante
5
Diarista
4
Costureira
3
Manicure
2
Babá
2
Balconista
2
Desempregada
1
Camelô
1
Empresária
1
Artesã
1
Frentista
1
Telefonista
1
Não consta
4
Total
66

A partir desses dados, podemos inferir que a clientela do sistema prisional feminino de Florianópolis é claríssima, possível de visualizar nos dados levantados, pois são aquelas socialmente controladas, vigiadas e rotuladas, que se encontram fora do mercado de trabalho formal, advindas de localidades marginalizadas, os bodes expiatórios. Muitas das mulheres presas neste período (2006-2007) no PFF, não estavam trabalhando formalmente, ou exercendo a profissão que declararam, por estarem desempregadas. Segundo Malaguti (2003b, p.102) “Estas massas urbanas empobrecidas num quadro de redução de classe operária, de pobreza absoluta, sem um projeto educacional, sem condições sanitárias, sem moradia, são a clientela de um sistema penal através do aumento de presos.

1.4 O tratamento penal: vítima e criminalizada
Para entendermos toda a estrutura atual em face da criminalização feminina, é indispensável atentarmos que a mulher detenta é vista como tendo transgredido a ordem em dois níveis: a) a ordem da sociedade; b) a ordem da família, abandonando seu papel de mãe e esposa (LEMGRUBER, 1983, p.86). Essas mulheres são criminalizadas por sua conduta ilícita e também estigmatizadas pela violação do comportamento socialmente esperado, ou seja, sofrem também um ônus da coação moral social.
A clientela do Sistema Punitivo é historicamente constituída consideravelmente por homens[19] . As Mulheres foram sempre tratadas e visualizadas como vitimas de crimes, e não como autoras de crimes, certamente pelo fato de o sistema penal ter fortes resquícios patriarcais, pois na seleção de autores e condutas tipificadas se dirige a parcela masculina e não fortemente a feminina, justamente em virtude também da imagem construída da mulher vinculado-a sempre ao papel de esposa, mãe, organizadora do lar, guardiã do mundo privado, cabendo ao homem o espaço público (ALCOLUMBRE, 2009), e ao lugar projetado a ela (esfera privada).
O resultado disso é que a mulher criminosa passa a ser vista como agente de uma transgressão ainda maior, pois a ação criminosa deveria fazer parte do mundo masculino e a mulher que assume esse papel acaba por se transformar numa espécie de monstro, realizando uma dupla transgressão. Michel Foucault procura entender a figura do monstro em nossa sociedade moderna, definindo-a como sendo essencialmente uma noção jurídica. Desta forma, o monstro seria aquele que combina o impossível com o proibido (FOUCAULT,2002, p. 70).
Ainda, quanto à relação de vitimação da mulher, Andrade acentua que o estereótipo da mulher passiva (...) na construção social do gênero, divisão que a mantém no espaço privado (doméstico), é o correspondente exato do estereótipo da vítima no sistema penal (ANDRADE, 2003, p.175). Tal estereótipo pode nascer muitas vezes de uma seletividade sutil, até mesmo pela criminalização secundária[20] , onde o olhar selecionador do policial é voltado à figura masculina ideologicamente mais propensa a cometer crimes. Já quanto à mulher, esta não é vista como criminosa, sua imagem social está ligada à imagem da passividade e fragilidade, pela ideologia de ser seu lugar o local privado e por estar resguardada na intimidade, onde o sistema penal não opera intensamente, como opera no âmbito público.
Quando selecionadas pelo Sistema Penal, as mulheres são muitas beneficiadas por este, recebendo certo privilégio por sua condição feminina, como a exculpante de um estado especial (puerperal, menstrual, hormonal, emocional) e à sua espera os manicômios, antes da prisão” (ANDRADE, 2003).
Definiu-se ao longo da história determinadas atribuições, papéis e lugares, que homens e mulheres têm em uma determinada sociedade. Segundo Margareth Rago (2004, p.32), no século XIX a mulher foi projetada para o âmbito privado (Lar), ao contrário dos homens que tinham seus lugares na esfera pública (trabalho). A ideologia da domesticidade e incapacidade vai se configurando para as mulheres, devendo elas submeter-se à autoridade masculina em casa e fora dela, (...) sob pena de serem olhadas como anormalidades ou monstruosidades (RAGO, 2004, p.34).
Aquela mulher que resolveu adentrar na esfera pública/masculinizada foi estigmatizada moralmente no senso comum, passou a ser vista como desonesta ou prostituta, podendo até mesmo ser encarcerada e ainda taxada moralmente como uma figura diabólica, passando a ser inimiga da moral e dos bons costumes. Essa mulher (pública) estava fora dos padrões morais, e essa moral era guiada pela religião, fazendo de um suposto pecado um delito.
Existem crimes destinados mais especificamente às mulheres, tanto no papel de criminosas (abortivas) como de vitimas (estupro[21] , violência domestica), no caso do aborto não é comum a criminalização. Para o sistema punitivo a figura feminina não é tão visada, simplesmente por estar associada a esfera preservada, e este recinto privado é ideologicamente dotado de submissão e disciplinamento.
Zaffaroni[22] (2008) argumenta que cada vez que na história é inventado um inimigo, volta-se à forma da inquisição, pois eles (inimigos) têm um enorme poder, portanto têm que ser combatidos. O discurso de combate aos inimigos tem como argumento a salvação da humanidade, assim não se pode ter limites na ação, ou seja, a cada construção de um inimigo muitas pessoas morreram ou foram aprisionadas.
Fazendo uma ponte dos fatos, é possível perceber o quão presente estão as delimitações dos espaços sociais e punitivos para mulher (vitima ou criminalizada) como a verificação da sua colocação nos dois espaços já apresentados – público e privado.

2. A OCULTA FACE DO SISTEMA PENAL

“O mesmo sistema de poder que fabrica a pobreza é o que declara guerra sem quartel aos desesperados que gera”
Eduardo Galeano

O tráfico de drogas é visto como uma prática essencialmente masculina, com a preponderância de figuras masculinas, tanto no consumo como no tráfico. Constatamos através das entrevistas, sentenças analisadas e nos dados das presas preenchidos pela administração do PFF que a participação da mulher no tráfico de drogas é de forma secundária e vinculada.
A primeira diz respeito ao papel passivo das mulheres no tráfico de drogas, à não ocupação da mesma posição que o homem, a não ser em situações excepcionais, e a segunda, em virtude da forma de vinculação delas com pessoas que traficam, gerando uma espécie de ciclo vicioso. Pimentel (2008, p.23) entende que na complexa rede de sociabilidade do tráfico de drogas, as mulheres, que não ocupam os mesmos lugares que os homens, acabam por reproduzir práticas de assujeitamento nas relações de afeto que vivem com os traficantes .
Tal aspecto se mostra também em relação ao flagrante delito, os quais diversas vezes acontecem no próprio Lar ou próximo dele, na mesma rua ou no mesmo bairro. Para ilustrar esta afirmação mencionamos duas partes de sentenças distintas: MARINA permitiu a entrada dos policias em sua residência, (...), onde foram encontrados além de vários outros objetos de procedência ilícita: 01 (um) pote plástico contendo 14,7g (quatorze gramas e sete decigramas de ‘cocaína)”’[23] , ou ainda, (...) no morro da caixa, Bairro estreito, nesta Comarca, a denunciada C.G.A.P mantinha em depósito em sua residência, para fins de comércio, 2 (dois) pacotes de substancia vulgarmente conhecida como maconha”[24]
O discurso preponderante das criminalizadas sobre a participação no tráfico de drogas girou em torno da figura masculina, ou seja, a sua efetiva participação aconteceu a partir da união com alguém que trafica. Não queremos afirmar que a mulher trafica somente por influencia dos homens, mesmo sendo este um fato que prepondera no discurso das criminalizadas do Presídio Feminino de Florianópolis, porém há, sem dúvida, mulheres que participam do tráfico de drogas independente de se relacionarem com homens[25] . Falas como estas se destacam: sou primária e co- autora, não fui pega com as drogas. Só estava acompanhando o meu marido”[26] e, ainda, “eu estava envolvida com o namorado e ele era viciado[27].
Percebemos ainda que as mulheres criminalizadas por tráfico de drogas apresentavam um discurso muito parecido durante as entrevistas. Os motivos eram semelhantes quanto à entrada delas no tráfico de drogas. Na grande maioria das vezes explicavam que se envolveram com o tráfico através da relação de afeto com uma figura masculina, sendo este marido/companheiro, filho, irmão ou primo, fato também vinculado a outros fatores como a necessidade financeira. Conforme relatos: “Estava apaixonada e quando fui ver, estava presa [havia saído de um casamento recentemente]. A cabeça não pensa o corpo que paga[28] , e: “Entrei no tráfico por desespero, pedi empréstimo no banco Itaú e Lozango, não consegui pagar, nem as dividas do comércio, e nem o empréstimo”[29] .
Estes são alguns discursos que condizem com a relação afetiva existente antes da prisão, não descartando outras influências discursivas que elas internalizam dentro da prisão. Relações de afeto. Esse foi um fator que preponderou nos discursos das criminalizadas, uma vez que justificam, em alguns casos, a sua prática de traficar, na sua relação afetiva, ou seja, praticavam o ato de traficância por se envolver com alguém que comete o mesmo ato. Tal aspecto pode ser visualizado na fala da criminalizada Mª Odete[30] , que diz ter se envolvido com o tráfico de drogas em virtude do envolvimento prévio de seu filho: Mataram meu filho, e por uma dívida de R$ 200,00 reais, de uma balancinha, o traficante disse que eu tinha que pagar, fui vender umas pedras e aí fui pega, não tinha passagem nem nada. Tal relato vai ao encontro do entendimento de Bill e Athayde,
[...] algumas mães que também estão nessa vida e ajudam os filhos no ‘trabalho’ deles. No inicio são contra isso, mais depois, com o tempo, vão se tornando mais vulneráveis, corroídas pela necessidade ou mesmo pela sensação que seus filhos nunca mais vão sair dessa vida, restando-lhe duas alternativas: denunciá-los ou entende-los. (BILL e ATHAYDE, 2007, p.75 )
Essas mulheres não são, em muitos casos, protagonistas de suas próprias histórias, por estarem atreladas a questões de submissão construídas culturalmente à figura feminina. A resistência dos homens em permitir que as mulheres adentrem no seu âmbito é muito grande, e o mesmo acontece no tráfico, que é um mundo constituído por muitos homens e algumas mulheres, cujos papéis são secundários, com participação restrita e coadjuvante.
A trajetória constante dos relatos expostos pelas criminalizadas centrava-se no fato de que, com a morte ou a prisão de seu companheiro/marido, elas passaram a “ocupar” seu lugar, como consta no relato de uma das criminalizadas: meu marido foi morto, eu ganho 1 (um) salário mínimo e precisava dar uma condição digna para seus filhos, foi tudo pensando neles [filhos][31]. Tal fato mencionado está de acordo com a visão do Policial Civil Irineu[32] , o qual percebeu ao longo da sua atuação que:
A mulher começa a ter vida “boa” por causa do marido traficante, e quando ele vai [preso], ela não quer baixar o nível de vida, porque tem que pagar advogado, sustentar os filhos. Ela tem que continuar com o tráfico, assumindo a posição do marido.
Ainda nesta visão da mulher envolvida com trafico de drogas e sua “troca de papel”, em razão da ausência da figura precursora, Athayde e Bill (2007, p.75) entendem que muitas mulheres que estão envolvidas com tráfico nem sempre trabalham para ele; algumas delas são mães cujos filhos estão traficando, tomando conta das bocas ou trabalhando para o tráfico de outras maneiras”, e o que se torna muito comum é a mulher suprindo o papel do marido ou filho no tráfico de drogas, por conta da prisão ou morte deles.
Já no que tange à criminalização familiar em massa, o tráfico de drogas é um caso típico, pois havia casos no Presídio Feminino de Florianópolis de membros da família ocuparem esse mesmo presídio ou mais precisamente a mesma cela, como no caso da Valda[33] , que relatou: Foi presa eu, minha mãe, minha irmã, meu marido, e meu cunhado. As três encontravam-se presas no presídio, e os dois homens também estavam cumprindo pena noutro estabelecimento. Casos como estes fazem parte do cenário das tramas reais de criminalizações de pessoas do mesmo núcleo familiar, conforme observado nos relatos de uma senhora entrevistada por nós e condenada por tráfico de drogas. Junto a ela no presídio estava presa também sua filha, pelo mesmo crime.
Casos mais comuns também se mostraram presentes no presídio Feminino de Florianópolis, quando se observou a prisão simultânea da mulher e de seu companheiro/marido pelo crime de tráfico de drogas. Conforme relato, “Meu marido está preso em São Pedro de Alcântara. Minha família é de Laguna”. [34]
Para algumas criminalizadas do Presídio Feminino de Florianópolis, o tráfico de drogas ilícitas é uma forma de trabalho mesmo sendo ele informal/ilegal[35] . Também há casos em que trocam outro trabalho (legal e lícito) pelo tráfico, como Taciane[36] , que relatou: “Entrei no tráfico porque estava passando necessidade, um serviço de trinta reais não dava para sustentar meu filho, e comecei a vender [drogas]. Deste modo, MV BILL (2007, p.121) acrescenta que é normal conhecer mulheres que trabalham no tráfico por causa da falta de dinheiro.
Dentre outros fatores que as atraem para o tráfico de drogas, destacamos, através dos discursos que nortearam as falas das entrevistadas no PFF, o relacionamento com alguém que trafica e as necessidades financeiras. Samira[37] diz fazer parte do tráfico de drogas por falta de oportunidades, e disse ainda que: Como lá fora não tem oportunidade, eu vou acabar cometendo crimes novamente para sobreviver”.
Ao contrário do discurso difundido nos meios de comunicação e no senso comum, o tráfico de drogas do ponto de vista dos relatos das criminalizadas, pareceu-nos não ser tão cômodo quanto fazem parecer. Para quem trabalha com isso, dois caminhos se apresentam: a criminalização ou a morte, situação que se transforma em difíceis ganhos fáceis, nos quais a todo o momento se joga com tais “opções”.

2.1 Ritual punitivo: execução penal
A mulher ao ser encarcerada tem iniciado o seu castigo, só o fato de permanecer sem a sua liberdade já caracteriza a retribuição pelo suposto mal causado por ela. Além disso, restam-lhes ainda alguns outros direitos a serem respeitados. Mas o curioso é que elas acabam por serem castigadas diversas vezes, principalmente durante a execução penal.
Ao ingressar no PFF a mulher passa por aquilo que Baratta chama de cerimônia de degradação, onde o “encarcerado é despojado até de seus símbolos exteriores da própria autonomia (vestuários e objetos pessoais). É possível verificar tal cerimônia desde o primeiro momento em que as criminalizadas chegam ao Presídio Feminino de Florianópolis.
O ritual punitivo se inicia com famoso e temido “zero”[38] (nomeado “triagem” pela administração), segundo relatos é um local por onde todas passam e ficam quatro dias (rés primárias) e as reincidentes ficam dez dias. Também permanecem no “zero” aquelas que recebem castigos por brigarem entre si, ou ainda, por desacatarem os agentes prisionais. Nesses casos, permanecem sete dias no local e, em todos esses casos, ficam sem receber visitas, além de apenas uma refeição por dia, e com a roupa do corpo que estava no momento da entrada.
O zero o espaço extremamente restrito, um “cubículo” insalubre, com beliches de concreto, uma bica que saia água - local onde tomam banho -, tem ainda um buraco (Boi), para fazer as necessidades, e tem uma janela pequena com grades. Segundo um agente prisional[39] , se num dia entram cinco, todas ficam juntas no zero, porém muitas vezes já ficaram de dez a vinte pessoas neste local.
No momento em que entramos no “zero”, durante a pesquisa no Presídio Feminino de Florianópolis, visualizamos que as paredes estavam semi-limpas. Segundo o agente prisional, eles mesmos as fizeram pintar tudo, e falou ainda que: eu não sei como elas riscam, escreve esse monte de coisas, isso porque elas não têm caneta e nem lápis aqui para escrever. Como descreve Odete Maria de Oliveira, a prisioneira não tem nenhuma possibilidade de escolha ou opção. A obediência é cega. Não permite manifestar opinião, externar vontade ou interesse (2002, p.165). Na parede pudemos ler alguns escritos que ainda estavam visíveis, tinha uma televisão desenhada na parede com dizeres dentro dela que dizia “Assistam agora o espetáculo do horror: Presídio Feminino de Florianópolis”.
Ao ser encarcerada a mulher sofre um ônus muito grande, porque, segregada do convívio social, seus filhos muitas vezes ficam desamparados, visto que em muitos casos narrados pelas próprias entrevistadas, antes da sua própria prisão, vem a do seu companheiro ou simultaneamente. Além da possibilidade de muitas vezes ele (companheiro) nem existir mais, assim, geralmente seus filhos ficam na casa de algum parente até obtenção de sua liberdade. Segundo Odete Mª de Oliveira (2002, p.164)
A privação de liberdade é o pior sofrimento que se pode impor ao ser humano. Para mulher representa um peso duplo e ainda mais grave que para o homem. Alem do rompimento com seus familiares e companheiro, impõe o afastamento de seus filhos e do recinto privativo de seu lar. É a privação, via de regra, mais difícil de ser superada. (grifo do autor)
O discurso do Sistema Penal baseia-se na idéia de reeducar a condenada, para reinseri-la no convívio social. Mas a perspectiva de vida de algumas condenadas por tráfico de drogas do PFF se mostrou nula ou quase nula. Jucélia[] nos relatou que Ás vezes acho que vou sair daqui e traficar, é só isso o que tem. Para quem está encarcerada existe a preocupação com o estigma que estará voltado a si quando do retorno ao convívio social. Sem dúvida, a não profissionalização, juntamente com a dor e a violência propagada na execução penal não permitem que a criminalizada se dispa do manto que a estigmatiza e irá rotulá-la por muito tempo, pois além da pena cumprida, permanece com o tempo de reincidência, que são exatamente 5 (cinco) anos, e a rotulação eterna de ser uma ex-presidiária. Deste modo, quando perguntamos sobre a reeducação discursada pelo Direito Penal a criminalizada Elizabeth nos relatou: “Acho que é pouco trabalho, eles deveriam reeducar as presas, eles jogam a gente aqui, não existe reeducação, cursos, trabalho”.
Desta forma, Baratta (1993, p.50) sustenta que em geral, sabemos que as intervenções penais estigmatizantes (como a prisão) produzem efeitos contrários à denominada ressocialização do condenado”. Este entendimento interliga com os relatos e situações peculiares do Presídio Feminino de Florianópolis, explicitadas até então.
Ainda sobre a reeducação algumas criminalizadas sustentaram que, Para algumas pessoas sim [reeduca], para outras não, porque sai daqui bem revoltadas, eu acho que por um lado sim e outro não, enquanto eu to aqui teve meninas que já passaram por aqui 4 ou 5 vezes[41]. Deste modo, boa parte das criminalizadas entrevistadas disse que pretendem nunca mais voltar para o presídio. Insistimos que este pensamento e desejo estão vinculados ao sofrimento e a dor, em virtude tanto de aspectos subjetivos (falta dos entes, liberdade, solidão) quanto de objetivos (dificuldades encontradas na execução penal). Segundo Alessandro Baratta,
Os institutos de detenção produzem efeitos contrários à reeducação e á reinserção do condenado, e favoráveis á sua estável inserção na população criminosa. O cárcere é contrário a todo modelo ideal educativo. (...). A educação promove o sentimento de liberdade e de espontaneidade do indivíduo: a vida no cárcere, como universo disciplinar, tem um caráter repressivo e uniformizante. (BARATTA, 2002, p.183-184)
Algumas mulheres que se encontram encarceradas no Presídio Feminino de Florianópolis traçam planos para o momento em que obtiverem a liberdade. Não descartaram, porém, os empecilhos que serão encontrados no momento da liberdade. A criminalizada Vânia nos conta que Sei que vai ter preconceito quando eu procurar um emprego, porque quando tu ta aqui que vai parar pra pensar, que vai ficar com isso aqui sempre”. Nesse relato fica visível a preocupação com o estigma permanente de quem passa pela prisão, inclusive, a difícil aceitação de uma ex-presidiária num cargo de emprego, além da proposta e desejo de recuperar o tempo que considera “perdido” dentro da prisão.
Contudo, o sistema penal acaba por não cumprir com suas funções declaradas, passando a cumprir outras funções (não-declaradas), ou seja, ocorre a eficácia invertida uma vez que o sistema penal não é capaz de cumprir com suas promessas. Segundo Vera Andrade o Sistema Penal:
É, portanto, estruturalmente incapaz de cumprir as funções que legitimam sua existência, a saber, proteger os bens jurídicos, combater e prevenir a criminalidade, através das funções da pena (intimidando potenciais criminosos, castigando e ressocializando os condenados, fornecendo segurança jurídica aos acusados e segurança pública à sociedade. E não pode porque sua função real é construir seletivamente a criminalidade e a função real da prisão ( violência institucional) é “fabricar os criminosos”. (2008, p. 8)
Algumas mulheres criminalizadas reforçaram a idéia de que a prisão pode piorar a situação da pessoa, oportunizando-as ao aprendizado de diferentes atos criminais, como afirma uma criminalizada por tráfico de drogas no PFF: o sistema não reeduca, pelo contrário, aqui dentro tu aprende muito mais do crime[42].
Assim, a pena passa a ter um caráter contrário à ideologia da ressocialização, revelando a sua verdadeira face seletiva, pois verificamos que as funções declaradas não se efetivam, ou se efetivavam por vias negativas[43] . Ana, condenada por tráfico de drogas, cumprindo pena no PFF relata que: “agora que passei por todo sofrimento, sei lá, acabou com a minha família, se eu ficar aqui muito tempo, os meus seis filhos vão pegar a minha coroa, são tudo adolescentes, me reeduquei sofrendo na pele. Deste modo, Baratta expõe que:
O sistema de justiça punitivo se apresenta como uma forma institucional e ritual de vingança. Tal como a vingança ele intervém com a pena, em forma de violências para compensar simbolicamente um ato de violência. ( 1993, p.50).
A massa de encarceradas por tráfico de drogas experimenta o caos da execução penal, pois algumas condenadas já haviam cumprido o tempo para liberdade. Porém, a falta de defensor, ajudava a permanecerem presas, uma vez que não havia quem fizesse o pedido formal para o judiciário. A extensa maioria dos pedidos judiciais era feita pela própria Administração do Presídio Feminino, uma vez que tinham que lidar com a super lotação.
Diante desses fatos, a criminalização por tráfico de drogas parece crescer cada vez mais, de forma massiva, contribuindo para o funcionamento da esfera punitiva, que legitima o braço repressor da execução penal. Parece-nos que o interesse de repensar os espaços e suas respectivas situações degradantes do sistema punitivo, em virtude do papel que ele vem cumprindo até agora, está longe de acontecer. Então, como nos disse uma mulher que cumpre pena por tráfico de drogas no PFF: “Estou aqui à espera de um milagre”.

3. CONCLUSÃO
Neste trabalho falamos sobre as mulheres condenadas por tráfico de drogas, que cumpriram pena no Presídio Feminino de Florianópolis (período de 2006 a 2008). O nosso intuito maior foi retratar um pouco da realidade dessas mulheres, compreendendo como são vistas pelo olhar “de fora” e como elas próprias se observam dentro do ambiente prisional. Claro está que essas mulheres ressaltam de forma muito comum os motivos que as levam a traficar, quais sejam, principalmente, a relação afetiva com alguém que já traficava ou/e em virtude de necessidades financeiras.
Percebemos, através da nossa pesquisa que essas mulheres mostraram ter um vinculo muito forte com o âmbito familiar, a preocupação com os seus próximos e como serão vistas dali para frente, o estigma que irão carregar será ficará marcado para toda a vida.
Dentre as questões abordadas ao longo deste artigo, verificamos o olhar delas sobre o sistema prisional, bem como as oscilações e antagonismos entre as falas referentes à reeducação, constituindo-se como um verdadeiro discurso legitimador do sistema penal, mas que, entretanto, resume-se numa falácia que visa escamotear as reais funções do sistema penal. As presas estão à própria sorte, e quando a reeducação mostra, nas suas raras vezes, “eficácia” - quando elas dão um sentido positivo a esta proposta e a prática -, essa se demonstra meramente conquistada pela dor e sofrimento que causam nessas mulheres e que estão no âmago da execução penal.
Embora tenhamos percebido que os relatos e motivos da entrada da mulher no tráfico de drogas eram muito parecidos e apontam para um denominador comum, cada mulher que entrevistamos é singular, com sua própria história, seus próprios anseios e desejos e que, por fim, precisam de olhares que possam atravessar os muros que as mantêm distantes e invisíveis, para compreende-las e tomar conhecimento do que se esconde atrás de um nome qualquer.
Procuramos encarar a o processo de execução penal no PFF não como uma parte do fim de muitas histórias contadas e vividas por aquelas mulheres, mas, e sobretudo, como o início para se propor a questionar o modo como vem se desenvolvendo os novos filtros seletivos do sistema punitivo atual globalizado e eficientista. Sim, entendemos que, de certa forma, a mulher está sutilmente sendo empurrada a adentrar ao mundo subterrâneo do sistema punitivo brasileiro e que a forma que o tratamento penal é dispensado a elas tem suas peculiaridades e estas precisam ser consideradas no momento da análise.
Como a ponta de um iciberg, o Presídio Feminino de Florianópolis representa o resultante de um processo em curso e que não está sendo devidamente observado, seja pela sociedade em que está inserto, seja pelos responsáveis pelo tratamento penal e pela construção teórica sobre o tema. Se é difícil admitir que uma das conseqüências da emancipação feminina e da tomada do espaço público, relegado historicamente à figura masculina, é uma nova forma de criminalização que causa estranhamento e desconforto, precisamos, em contrapartida, abrir nosso olhares (e aqui temos a consciência de que o enfoque jurídico é insuficiente) para perceber, constatar e questionar tal processo.
O ambiente do PFF, à despeito de todas as dificuldades lá encontradas, consegue demonstrar muito bem as suas reais funções. De fato, as mulheres criminalizadas são, em regra, mulheres excluídas do mercado de trabalho e que, contestando toda uma ideologia proibicionista e genocida, admitem viverem do e com o tráfico como um meio de sustentação e de trabalho. Dentro de uma lógica perversa de vida e de morte, parece que o que não é proibido para elas são as aceitações resignadas de um modo de subvida oferecido pelas atuais condições sociais e econômicas. Com isso, compreende-se as práticas dos maridos, namorados, irmãos e filhos, mas sempre a partir de uma ética do cuidado que, surpreendentemente, dá um tom diferente – menos violento - à própria atividade proibida.


REFERÊNCIAS
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[1] Não condenadas seriam aquelas mulheres que estão aguardando julgamento, sendo que a maioria tem decretada prisão preventiva, geralmente na modalidade do art.312 do Código de Processo Penal, que dispõe da prisão provisória.
[2] Iremos nos referir as mulheres que cumprem pena de prisão no presídio feminino de Florianópolis, como criminalizadas e não criminosas, pois não temos a concepção de criminalidade e sim de criminalizações, a partir dos estudos da criminologia critica sobre o processo de criminalização. Alessandro Baratta (2002, p. 161) ensina que, o processo de criminalização, em que “o mecanismo da produção das normas (criminalização primária), o mecanismo da aplicação das normas, isto é, o processo penal, compreendendo a ação dos órgãos de investigação e culminando com o juízo (criminalização secundária), e enfim, o mecanismo da execução da pena” (grifo nosso)
[3] Neste mesmo mês (Agosto/2006) foi publicada a Lei 11.343/06, alterando a legislação voltada ao tóxico, e o tratamento voltado aos/as traficantes e ao usuário de entorpecentes, portanto, ao longo da pesquisa haviam algumas criminalizadas pelo art. 12 da Lei 6.368/76 e outras pelo art. 33 da Lei 11.343/06.
[4] Informação retirada do Boletim Mensal de Informações do Presídio Feminino de Florianópolis – Agosto de 2007.
[5] A entrevista foi feita no dia 25 de abril de 2008, e o entrevistado disse estar há 12 anos exercendo a função de policial. A entrevista, feita por Gabriela Jacinto e Álvaro G. Andreucci, ocorreu num posto policial situado dentro de uma favela em Florianópolis.
[6] O Código Penal brasileiro prevê em sua Parte Geral– As penas privativas de liberdade-, no Art. 33 ss. Irá se ater nos modos de progressão de regime, sendo eles fechado; semi-aberto; aberto.
[7] Tal reportagem pode ser visualizada em: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL751552-15605,00.html. Acesso em 8 de setembro de 2008.
[9] O Habeas Corpus é um instrumento de garantia constitucional que qualquer pessoa pode utilizar no momento em que acha violada a sua liberdade, está previsto na Constituição Federal, em seu art. 5° LXVIII e no Código de Processo Penal no Art. 647 seguintes. O habeas corpus pode ser feito e enviado para o Juiz até por elas mesmas, mas para quem vive aquela realidade sabe que a coisa não é assim tão fácil, muitas não sabem escrever, existe ainda a dificuldade de um documento como este chegar às mãos do judiciário, etc.
[10] Florianópolis é a única Capital que não possui Defensoria Pública, no lugar temos a Defensoria Dativa.
[11] Fala da entrevistada Natália, cumprindo pena privativa de liberdade por tráfico de drogas.
[12] As Instituições Totais, segundo Goffman, podem ser definidas como um local que comporta um grande numero de indivíduos em situação semelhante, segregados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levando uma vida fechada e formalmente administrada, seu caráter total simbólico pela barreira à relação social com mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico, com portas fechadas, paredes altas, arame farpado, etc. (GOFFMAN, 2003, p. 11 - 16).
[13] Expressão utilizada por Vera Malaguti Batista (BATISTA, 2003 ,p. ).
[14] Estranhos são aqueles que possuem estereótipos construídos no imaginário social, que seria o diferente, o que está fora dos parâmetros ditos idealmente sociais e de consumo. Vera Malaguti diz que ao chegar um “estranho” estremece a segurança cotidiana, seria o estranho a síntese da “sujeira” automática, é por isso que as sociedades lutam por classificar, separar, confinar, exilar ou aniquilar os estranhos. (BATISTA, 2003,p. 78) .
[15] Frase utilizada por MV Bill e Celso Athayde (2007, p.88).
[16] Entrevista de Joana, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[17] Entrevista de Marta, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[18] Dados retirados do registro de presas do Presídio Feminino de Florianópolis. As profissões são declaradas pelas próprias presas, que geralmente exerciam antes de serem presas, ou que consideram como sua profissão. Mesmo não a exercendo naquele momento ou antes de ser presa.
[19] Com relação a grande massa carcerária composta por homens, segundo dados oficiais do Departamento Penitenciário Nacional, no ano de 2005 existiam presos em regime fechado 4.470 homens e 294 mulheres no Estado de Santa Catarina.
[20] Conforme acentua Baratta os processos de criminalização secundária acentuam o caráter seletivo do sistema penal, guiados por preconceitos e estereótipos, para atuação dos órgãos de investigação e órgãos judicantes (2002, p.176).
[21] A redação do Código Penal vigente, dizia ser estupro - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça, onde somente mulheres poderia ser vítima deste delito, mas com a Lei nº 12.015/2009, houve a alteração da especificidade mulher para alguém.
[22] Curso Criminologia e Poder Punitivo na América Latina, ministrado pelo professor Eugênio Raul Zaffaroni dia 21/10/2008 no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina.
[23] Autos nº 023.07.002509-9.
[24] Autos nº 082.05.000784-1.
[25] Elaine Cristina Pimentel Costa, descreve em seu Livro “Amor Bandido” (2008), uma pesquisa de campo com presidiárias em Alagoas, que também trata da questão da mulher no tráfico de drogas, ressaltando a mesma lógica de pensamento e percepção descrita.
[26] Entrevista de Cristiane, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[27] Entrevista de Edna, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[28] Entrevista de Suzana, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[29] Entrevista de Fábia, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[30] Foi condenada por Tráfico de Drogas no ano de 2006, estava no momento da entrevista (Agosto de 2006) em regime fechado.
[31] Entrevista de Maria Odete, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[32] O nome dado ao Policial Civil é fictício, uma vez que resguardamos sua verdadeira identidade.
[33] Valda foi condenada por Tráfico de drogas, juntamente com sua mãe e sua irmã, no ano de 2006, cumprindo pena no PFF.
[34] Fala da entrevistada Vivian, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[35] Prefiro tratar disso da mesma forma que Saffioti (2004, p.45) trata, “não concordo com esta nomenclatura: setores formais e informais do trabalho. Prefiro atividades especificamente capitalistas, assalariadas, e atividades desenvolvidas fora do modo de produção capitalista”.
[36] Taciane, também condenada por tráfico de drogas no ano de 2006, cumprindo a execução da pena no PFF.
[37] Samira, foi condenada por tráfico de drogas também no ano de 2006, cumprindo pena no PFF.
[38] O zero é uma espécie de calabouço, apresentado a ingressante no Presídio Feminino de Florianópolis deste o primeiro momento de sua chegada. Após o termino da pesquisa tivemos a oportunidade de voltar ao Presídio e entrar em todos os cômodos, e em cada um desses cômodos o agente que nos guiava comentava sobre o local, e ao comentar sobre o zero, nos disse que “todas passam pelo zero, antes eram todas, mas como houve muitas reclamações, as grávidas não passam mais, o zero é um momento que elas têm para pensar no que cometeram, para acalmá-las, não tem como elas não passarem por aqui, senão vira bagunça”
[39] Agente Prisional lotado no Presídio Feminino de Florianópolis.
[40] Condenada por tráfico de drogas, reclusa no PFF.
[41] Entrevista de Luciane, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[42] Fala da entrevistada Antônia, cumprindo pena privativa de liberdade no PFF por tráfico de drogas.
[43] Queremos nos referir as vias negativas algumas reflexões sobre os discursos das criminalizadas em face da reinserção, reeducação e ressocialização, pois verificamos que muitas dizem que o sistema melhora a pessoa, sendo que esse “melhorar” se deu através da dor, castigo e punição, ao longo de todo o ritual punitivo, desde o momento da prisão, passando pelo processo penal, até a execução penal.