domingo, 13 de fevereiro de 2011

Relaxamento de prisão em flagrante fundado no princípio da dignidade humana: um exemplo ao Judiciário brasileiro

Comp@s,
recebi pelas listas da RENAP e Confederação do Equador e publico aqui no blog, uma porque toda e qualquer conquista pela dignidade humana é um avanço nas decisões judiciais, outra, que a decisão é proveniente de um juízo de primeiro grau do TJSC, que merece aplausos pela coragem, pois está enfrentando uma das Cortes mais reacionárias do Brasil.
Aliás, poucos são os Juízes do TJSC que tenho notícias que conseguem sair da visão de senso comum de criminalidade e pensar no contexto de garantias de direitos - gerais e indistintos.
A esses meus cumprimentos!
Dani Felix 




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Autos n° 038.11.006032-3 
Ação: Auto de Prisão Em Flagrante 
Autuado: J.L.E.

Os juízes não são juízes porque combatem a criminalidade, ou porque, intrépidos como mocinhos do faroeste, enfrentam e duelam com os bandidos, os malvados e os maltrapidos. Os juízes – e a lição é tão antiga quanto eles próprios! – são juízes simplesmente porque dizem publicamente o direito. E dizer o direito hoje é, antes de mais nada, pregar a Constituição, suas garantias, seus fundamentos, seus princípios e suas liberdades. Feito isso, feito apenas isso, os juízes cumprem e bem cumprem o que deles se reclama ( Editorial do Boletim da Associação Juízes Para a Democracia – ano 6, n.29)

Vistos.

De acordo com o já observado no despacho anterior, a Portaria n. 04/2010 interditou o Presídio Regional de Joinville, limitando o número de presos em 800 masculinos e 100 femininas. Nestes autos, quando da homologação do flagrante foi verificado que o autuado J.L.E. permanecia da Central de Polícia aguardando vaga no Presídio. Requisitado então à DEAP e à Delegacia o imediato encaminhamento do autuado para uma unidade prisional, a autoridade policial informou que em contato com o diretor do presídio de Joinville, foi relatado "que no momento não há vagas naquele esgástulo público, razão pela qual não pode receber o preso JACSON LUIS ERBS, permanecendo este na precária carceragem da Central de Polícia de Joinville, com outras pessoas presas nestas data" (fls.)(sublinhou-se). 
Ora, é fato notório, amplamente difundido na imprensa local, que a Central de Polícia de Joinville não possui as mínimas condições sanitárias e de segurança para manter pessoas detidas. Neste aspecto aliás, é de clareza solar que delegacias de polícia não são locais permitidos para permanência de presos, sejam condenados ou provisórios. Tanto é que por isso, por manter presos em delegacias, as mais variadas unidades da Federação, incluindo Santa Catarina, vem sendo sistematicamente denunciadas por organismos nacionais e internacionais de direitos humanos. 
Por outro lado, conforme os comandos constitucionais é direito do preso ter sua integridade física e moral respeitadas (art.5º, XLIX). E ainda, não cabe à polícia civil fazer as vezes de agente carcerário, a ela cabendo exclusivamente exercer as funções da polícia judiciária (art.144, §4º, da CF). 
O principal porém é que a persistir esta situação, o autuado, preso em flagrante, estará nitidamente tendo sua dignidade constitucionalmente prevista violada. E este Juízo, que mantem a custódia, sob sua responsabilidade, não compactuará com violações desta natureza, jamais. Mesmo porque trata-se de prisão provisória, ou seja, sem julgamento e sentença condenatória transitada em julgado e delito em tese imputado que, muito embora cometido com grave ameaça contra pessoa, não extravasou a mera tipicidade legal. 
Sempre é bom repetir que o Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), já suficientemente solidificado, precisa ser respeitado. E neste ponto, segundo os ensinamentos do Ministro Celso de Melo a dignidade da pessoa humana "representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art.1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência" (HC n. 85.988, 2ª Turma, j.04.05.10, v.u., DJU 28.05.10). 
Ou seja, como já mencionado em decisões outras deste Juízo, nesta quadra da história e padrão de civilidade, numa sociedade que tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF) e objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e marginalização, reduzindo-se as desigualdades sociais (art.3º, I e III, da CF), não é razoável e muito menos proporcional manter um indivíduo preso por suposto envolvimento em tentativa de furto, sem violência contra pessoa e sem periculosidade, numa Central de Polícia desprovida legal e factualmente de capacidade de encarceramento.

Ex positis:
Em obediência ao Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), com base na garantia de respeito à integridade física e moral aos presos (art.5ª, XLIX, da CF) e na vedação da polícia civil em fazer as vezes de agente carcerário, a ela cabendo exclusivamente exercer as funções da polícia judiciária (art.144, §4º, da CF), RELAXO A PRISÃO de J.L.E. (art.5º, LXV, da CF). Expeça-se o r. Alvará de Soltura, se por al não estiver preso.
Cientifique-se a autoridade policial sobre esta decisão.
Intime-se o Ministério Público.
Aguardem-se as demais peças do auto.
Joinville (SC), 10 de fevereiro de 2011.

João Marcos Buch
Juiz de Direito

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