segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

[Código Fux, o Novo CPC] O VESTIDO DE EMÍLIA

Companheir@s,
Coloquei-me o desafio de participar da Blogagem Coletiva da Blogsfera Jurídica e, para tanto, seria necessário escrever algo (decente) sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil [Código Fux], Então, segue o post  como participação na postagem coletiva proposta.
Saliento que é uma reflexão pessoal sobre questões que orbitam o tema do princípio da eficiência, que, confesso, tem sido um motivo de preocupação muito grande de minha parte.
Embora faça algumas referências, dando a ideia de um artigo científico, não me impus este objetivo e, portanto, não foram seguidos quaisquer parâmetros metodológicos.
É isso aí... sei que minha fala é crítica e enseja discussões, em razão disso estarei à disposição para contra argumentar meus posicionamentos!
Desafio posto, aceito e cumprido!
Abraços!



O VESTIDO DE EMÍLIA
Daniela Felix[1]
 

 
Sim, Emília aquela de vestido remendado do Sítio do Pica-Pau Amarelo que GIL[2] canta:

 
Marmelada de banana, bananada de goiab/Goiabada de marmelo/Sítio do Pica-Pau amarelo/Sítio do Pica-Pau amarelo/Boneca de pano é gente, sabugo de milho é gente/O sol nascente é tão belo/Sítio do Pica-Pau amarelo/Sítio do Pica-Pau amarelo/Rios de prata, pirata/Vôo sideral na mata, universo paralelo/Sítio do Pica-Pau amarelo/Sítio do Pica-Pau amarelo/No país da fantasia, num estado de euforia/Cidade polichinelo/Sítio do Pica-Pau amarelo.

 
Este é o retrato do Projeto de CPC em fase de debate, o chamado Código FUX, em razão da Presidência da Comissão ser de Luiz Fux[3].
Digo isso, pois, percebe-se claramente na cultura jurídica brasileira a imensa dificuldade de se reconhecer que o que se tem, não serve mais, mas a raiz positivista é algo tão rígido que a simples ideia de se rasgar os velhos códigos, e neste caso, o velho código instrumental civil, sequer entra na pauta para um debate, pois isto seria uma revolução jurídica – e revolução é coisa de comunista que come criancinhas -, logo, perpetuaremos o que ANDRADE chama de "A Ilusão da Segurança Jurídica"[4].
A segurança jurídica no Brasil é claramente mensurada pela quantidade de dinheiro que se tem, ou seja, a estrutura legislativa é, desde a sua concepção jus-positivista, de base patrimonial e elitista, em que os acessos elementares de direitos e de cidadania medem-se pela quantidade de riqueza acumulada, não diferente se comporta na matéria civil, ao contrário, é na instrumentalidade do direito privado que se evidencia concretamente a base de proteção ao direito dos possuidores de bens e meios de produção.
Não obstante, a proposta de reformulação de mecanismos obsoletos constantes no Projeto de Reforma do Código de Processo Civil, tendem, mais uma vez, à supressão de direitos e garantias elementares e, o mais grave, a precarização do acesso à justiça. Neste sentido verifica-se supressões de instâncias e de mecanismos que tutelam direitos coletivos, bem como a padronização da compreensão das matérias dadas pelos tribunais superiores, o que, diga-se de passagem, já vigora no nosso ordenamento por meio das súmulas vinculantes e dos recursos repetitivos.
Vejamos:

 
A Comissão, por seu turno, não se descurou da simplificação do código e de seus novéis instrumentos, instituindo procedimento único para o processo de sentença, adaptável pelo juiz em face do caso concreto, reorganizando o próprio código conquanto conjunto de normas, (...). A Força da Jurisprudência restou deveras prestigiada em todos os graus de jurisdição, viabilizando a criação de filtros em relação às demandas ab origine, autorizando o juiz a julgar a causa de plano consoante a jurisprudência sumulada e oriunda das teses emanadas dos recursos repetitivos, sem prejuízo de tornar obrigatório para os tribunais das unidades estaduais e federais, a adoção das teses firmadas nos recursos representativos das controvérsias, previstos, hodiernamente no artigo 543-C do CPC, evitando a desnecessária duplicação de julgamentos, além de manter a higidez de uma das funções dos Tribunais Superiores, que é a de uniformizar a jurisprudência do país.[5]


Sob o argumento da necessidade de implementação do princípio da eficiência, que virou moda nos últimos anos, compreende-se que esta eficiência a que se referiu o poder constituinte, embora sua definição só tenha sido estabelecida pela EC n° 19/98[6], entendeu a eficiência como atributo de qualidade das atividades e prestações dos serviços públicos, salientando MORAES que "A idéia de defesa do bem comum enquanto finalidade básica da atuação da administração pública decorre da própria razão de existência do Estado e está prevista implicitamente em todos os ordenamentos jurídicos"[7].
Adverte, antemão, MORAIS DA ROSA sobre o significado do princípio da eficiência como "Uma palavra vedete que veio, por seu vazio, seu buraco negro, dar sentido, como sempre, ao que se quer depois, desde antes. A mão invisível (ideológica e eficiente) do Mercado, assumiu, no contexto do Direito, a proeminência a partir do Princípio da Eficiência, inserido como significante primeiro de que qualquer compreensão jurídica, ao preço da democracia"[8].
Assim, estabeleceu-se que a eficiência da Administração Pública com vistas à concretização deste bem comum sustenta-se nos critérios da eficácia, neutralidade, imparcialidade, transparência, impessoalidade, participação e aproximação social, desburocratização e qualidade. Ainda, a revisão dos atos administrativos e a devida responsabilização pelo poder público por parte do agente público.[9]
Ou seja, a EC n° 19/98, por via de suas alterações, tratou de dar substância aos princípios da Administração Pública, já estabelecidos no art. 37 caput da CRFB/88.
Com muita pertinência MARCELINO JR., define o propósito da inserção do princípio da eficiência na esfera da Administração Pública no contexto neoliberal como a "principal marca e base de sua ideologia: a ação eficiente"[10].
Não diferente da lógica e tendência neoliberal legislativa preleciona o Projeto de Código:

 
A Comissão privilegiou a conciliação incluindo-a como o primeiro ato de convocação do réu a juízo, porquanto nesse momento o desgaste pessoal e patrimonial das partes é diminuto e encoraja as concessões, mercê de otimizar o relacionamento social com larga margem de eficiência em relação a à prestação jurisdicional, mantendo a lei esparsa da arbitragem em texto próprio. Em suma. Exmo. Sr. Presidente José Sarney, a Comissão concluiu nas diversas proposições que seguem em anexo,que se impunha dotar o processo, e a fortiori, o Poder Judiciário, de instrumentos capazes , não de enfrentar centenas de milhares de processos, mas antes, de obstar a ocorrência desse volume de demandas, com o que, a um só tempo, salvo melhor juízo, sem violação de qualquer comando constitucional, visou tornar efetivamente alcançável a duração razoável dos processos, promessa constitucional e ideário de todas as declarações fundamentais dos direitos do homem e de todas as épocas e continentes, mercê de propiciar maior qualificação da resposta judicial, realizando o que Hans Kelsen expressou ser o mais formoso sonho da humanidade, o sonho de justiça.[11]


 
Tais modificações importaram na progressiva alteração do papel do Estado, do Judiciário e das agências legislativas, que desde sempre estiveram ligadas ao positivismo e às classes dominantes.
As supressões de acesso à justiça, privilegiar a conciliação, supressão de recursos e de instâncias, dificuldade de acesso às demandas cautelares, suprimem-se em razão da obrigação de prestar um serviço de qualidade, célere e efetivo.
Com base nesses equívocos, salienta-se o que MORAES chama de eficiência, dizendo que "não se trata da consagração da tecnocracia"[12].
Diferentemente do sentido jurídico dado à eficiência[13], a compreensão tem se centrado nos conceitos de produtividade, planejamento e controle de resultados e trazem ao contexto da administração pública fundamentos ligados à ciência da administração, lógica essa, direcionada à contabilização de resultados e ao estabelecimento de mérito nas atividades, com vistas à obtenção de cumprimento das metas positivadas e, em alguns casos, meio de viabilizar a execução de projetos de políticas a serem implementados, como p. ex., pesquisas estatísticas da produtividade de um determinado órgão público, ou, ainda, as baixas estatísticas (leia-se Meta 1, Meta 2, Meta 3, etc.).[14]
Como alude a Exposição de Motivos do Projeto do Código de Processo Civil:

 
A ideologia norteadora dos trabalhos da Comissão foi a de conferir maior celeridade à prestação da justiça, por isso que, à luz desse ideário maior, foram criados novéis institutos e abolidos outros que se revelaram ineficientes ao longo do tempo, mercê da inclusão de ônus financeiro aptos a desencorajar as aventuras judiciais que abarrotam as Cortes Judiciais do nosso país.
A Comissão, atenta à sólida lição da doutrina de que sempre há bons materiais a serem aproveitados da legislação anterior, bem como firme na crença de que a tarefa não se realiza através do mimetismo que se compraz em apenas repetir erros de outrora, empenhou-se na criação de um novo código erigindo instrumentos capazes de reduzir o número de demandas e recursos que tramitam pelo Poder Judiciário.
Esse desígnio restou perseguido, resultando do mesmo a instituição de um incidente de coletivização dos denominados litígios de massa, o qual evitará a multiplicação das demanda, na medida em que suscitado o mesmo pelo juiz diante, numa causa representativa de milhares de outras idênticas quanto à pretensão nelas encartada, imporá a suspensão de todas, habilitando o magistrado na ação coletiva, dotada de amplíssima defesa, com todos os recursos previstos nas leis processuais, proferir uma decisão com amplo espectro, definindo o direito controvertido de tantos quantos se encontram na mesma situação jurídica, plasmando uma decisão consagradora do principio da isonomia constitucional.
A redução dos números de recursos hodiernamente existentes, como a eliminação dos embargos infringentes e o agravo, como regra, adotando-se no primeiro grau de jurisdição uma única impugnação da sentença final, oportunidade em que a parte poderá manifestar todas as suas irresignações quanto aos atos decisórios proferidos no curso do processo, ressalvada a tutela de urgência impugnável de imediato por agravo de instrumento, coadjuvarão o sistema no alcance dessa almejada celeridade, sem a violação das clausulas que compõem o novo processo civil constitucional.[15]


 
Como exemplificado, a eficiência traz ao contexto da atividade estatal os parâmetros técnicos ligados às novas tecnologias de informação e de sistemas, operando-se, assim, a tendência da subtração do serviço humano em detrimento da máquina, principalmente o aparato computacional, não diferente tem sido o comportamento do judiciário.
A eficiência merece, ainda, ser diferenciada da efetividade,
vez "que grande parte da sociedade sempre pensou, com a expressão eficiência, estar falando em efetividade estatal, no sentido de efetividade social, de melhoria da qualidade e ampliação dos serviços públicos, de garantia e implementação de Direitos Fundamentais".[16]
Por isso, diz-se que a legislação pátria, e também a legislação processual civil, carece de uma revolução, no sentido mais puro, ou seja, precisamos rasgar os velhos códigos, elitistas, patrimonialistas e ultrapassados, e começar um processo de elaboração de um novo ordenamento jurídico no Brasil, elaborando-se códigos includentes, emancipatórios e que contemplem de maneira equilibrada questões patrimoniais e realização de diretos humanos, sociais e acesso à cidadania.
Não esqueçam:

 
Marmelada deve ser de marmelo, bananada de banana e goiabada de goiaba.
Boneca de pano não é gente, sabugo de milho não é gente.
Mas o sol nascente é tão belo!!!
 
 

 

 
______
[1] Advogada OAB/SC. Mestre em Direito CPGD/UFSC. Membro do Projeto Universidade Sem Muros (UFSC). Vice-Presidente da Advogados Sem Fronteiras – ASF-Brasil.
[2] GIL, Gilberto. Sítio do Pica-pau Amarelo (letra de música). Disponível em: <http://letras.terra.com.br/gilberto-gil/46244/>. Acesso em 14 fev. 2010.
[3] A íntegra do Texto: PROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/senado/novocpc/pdf/Comiss_Juristas_Novo_CPC.pdf>. Acesso em 14 fev. 2010.
[4] ANDRADE, Vera R. P. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 336 p.
[5] Exposição de Motivos. PROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/senado/novocpc/pdf/Comiss_Juristas_Novo_CPC.pdf>. Acesso em 14 fev. 2010.
[6] Que alterou a redação do art. 37 caput da CRFB/1988: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência" (sem grifo no original) – Emenda Constitucional n° 19/1998.
[7] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 301.
[8] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Apresentação, com gosto. In: MARCELINO JR. Princípio constitucional da eficiência administrativa, p. 15.
[9] Cf. art. 37 da CRFB/1988 (alt. EC n°19/1998).
[10] MARCELINO JR. Princípio constitucional da eficiência administrativa, p. 183.
[11] Exposição de Motivos. PROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/senado/novocpc/pdf/Comiss_Juristas_Novo_CPC.pdf>. Acesso em 14 fev. 2010.
[12] Por tecnocrata AULETE define: "Aquele que governa, administra ou executa funções valorizando apenas soluções técnicas para os problemas, sem levar em conta aspectos humanos e sociais" - AULETE, Caldas.
[13] Que também pode ser compreendida como eficácia, todavia, numa compreensão diferente do estabelecido no âmbito jurídico (que é a vigência de lei), que representa, cf. seu sentido dicionário, a "Qualidade do que é eficaz, capacidade de produzir o efeito desejado ou esperado (...) [ou a] Capacidade de realização de tarefas com eficiência, com bons resultados" (AULETE, Caldas.).
[14] Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo, p. 37-38.
[15] Exposição de Motivos. PROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/senado/novocpc/pdf/Comiss_Juristas_Novo_CPC.pdf>. Acesso em 14 fev. 2010.
[16] MARCELINO JR. Princípio constitucional da eficiência administrativa, p. 188.

 

 

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