domingo, 26 de setembro de 2010

Pior do que está fica

recebi na lista da RENAP e socializo aqui esta bela reflexão sobre a banalização do voto e os perigos das formações de massas de manobras.


 FERNANDA TORRES






A indiferença, na figura do voto nulo, é compreensível; grave mesmo é a descrença de quem dá poder ao Tiririca


HÁ ALGUM TEMPO, passei as festas de fim de ano no litoral sul do Rio de Janeiro. No dia de voltar, acordei com a notícia de que um conflito entre traficantes rivais havia fechado as vias de acesso à capital. O noticiário aconselhava a população a não retornar para casa.
Foi em uma peça baseada no livro de Luiz Eduardo Soares, secretário de Segurança na época do fatídico Réveillon, que fui apresentada à suposta gravidade maquiavélica dos bastidores daquela ação.
Não sei o quanto "Tropa de Elite 2" vai se basear no que assisti em cena. Segundo a ficção teatral, o personagem de Luiz Eduardo ordenou a ocupação da rendosa favela da Rocinha pelo Bope.
Para tirá-lo de lá, a própria chefia da polícia provocou uma guerra entre facções contrárias na região metropolitana do Grande Rio, obrigando a tropa de choque a se retirar do morro da zona sul para controlar a violência na periferia.
Sem a presença do Bope, o tráfico se restabeleceu na Rocinha e, junto com ele, o esquema de propina das delegacias cariocas. Existia fundamento naquela barbárie.
Toda vez que um pleito se aproxima, o Rio de Janeiro sofre uma abrupta onda de cólera e irracionalidade. Neste ano não foi diferente.
Arrastões e ataques de porte a postos policiais voltaram a nos deixar de orelha em pé.
Quando assisti as imagens da troca de tiros e granadas entre um bonde de mercenários ligados ao traficante Nem e policiais ação que culminou com a invasão do Hotel Intercontinental em São Conrado lembrei do incidente do Bope e me perguntei se não havia motivação política por trás da bestialidade.
O Rio deve reeleger um governo cujo secretário de segurança, José Mariano Beltrame, reduziu o território sob controle de traficantes armados.
Semear o pânico, entre outras utilidades, exibe poder, diminui os feitos do opositor, ou os liquida com simples atentados.
Marcelo Freixo, deputado empenhado na luta contra a insanidade bélica do Rio de Janeiro, tem grandes chances de não se reeleger.
Se isso acontecer, perderá a proteção oficial que já desbaratou cinco tentativas de assassinato contra ele e terá que deixar o país.
Já Tiririca será eleito com mais de 1 milhão de votos e ainda propiciará ao seu partido emplacar seis outros candidatos.
Tiririca é uma piada niilista do eleitor, é como votar no Macaco Tião. A diferença é que o Macaco Tião valia como voto nulo.
Tiririca, não. Esse vai bater ponto no Congresso sem compreender, como confessa, sua função de deputado. Tiririca e a Mulher Pêra, ambos, e muitos outros, servirão de massa de manobra para interesses que não dominam, enquanto Freixo é despachado para a fronteira mais próxima na clandestinidade.
A indiferença, na figura do voto nulo, é a maneira mais eficaz de evitar a angústia e se eximir da culpa da responsabilidade. É compreensível.
Grave mesmo é a descrença de quem dá poder ao Tiririca.
Pior que está fica.

FERNANDA TORRES é atriz


Folha de São Paulo, de 26 de setembro de 2010.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2609201013.htm

Nenhum comentário: