sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mais uma da série: FOCINHO DE PORCO NÃO É TOMADA!!!

Companheir@s,
Com sentenças desta magnitude renovo minhas esperanças por um processo penal democrático.
A reportagem acostada aos autos foi ao ar na RBSTV, no Jornal do Almoço, do dia 09 de julho.
Explica-se as razões da defesa, cf. consta na sentença, a prisão ocorreu às 15h do dia 8/7, sendo que desde o final da tarde deste dia tentamos (o Mário foi persistente) cópia do APF, ou ao menos saber o teor dos depoimentos, o que só tivemos acesso após a conclusão do processo ao juiz natural, que ocorreu às 18h do dia 9/7.
A TV denunciou o caso, tendo o Repórter acesso ao APF, informações diretas pelo Delegado da 5ª DP, pelos Agentes de Polícia, bem como filmagens dos Indiciados (INCLUSIVE MOSTROU MEIA FACE DO MENOR APREENDIDO, CONTRADIZENDO SUA GRANDE POLÍTICA ÉTICA PELA PRESERVAÇÃO DO ECA!!!! Aproveito para parafasear ELIANE TAVARES, dizendo que o Menor não é o nosso, aí pode!!!), não tendo sido sequer dado vistas no cartório da Delegacia do que estava sendo apurado, sendo os dizeres da Escrivã: estamos montando o APF para encaminhar para o Fórum, por isso o Dr. Advogado precisa esperar.
Ainda, o APF chegou no Fórum (cf. certidão que colhemos no distribuidor) às 16h do dia 9/7.
QUESTIONA-SE: quem de fato obsta a construção de processos penais mais democráticos??? Os Advogados? O Poder Judiciário? 
Que lógica é essa, como dito pelo Dr. Alexandre, do Direito Penal do Espetáculo? Pra quem as Polícias trabalham? Qual a lógica da atuação policial hoje? Será a propaganda da boa imagem pela mídia?
Precisamos refletir sobre isso seriamente!
Abraços FeliXes após esta lúcida Decisão!


(leiam o inteiro teor da sentença, com as devidas supressões de nomes e meios de identificações)

Autos n° 023.10.XXXXX
Ação: Ação Penal - Ordinário/Comum
Autor: Ministério Público Estadual-4 ª Promotoria de Justiça
Acusados: X Y W Z M e D
(GRIFOS NOSSOS)

Vistos para sentença.
I – Relatório.
O representante do Ministério Público em exercício nesta Comarca ofereceu denúncia contra XXXXXXX, já qualificados nos autos, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 33 e 35 c/c art. 40, VI, todos da Lei n. 11.343/06 e art. 16, caput, da Lei n. 10826/03, tendo em vista dos atos delituosos assim narrados na peça acusatória:
"I – No dia 8 de julho de 2010, por volta das 15 horas, na Rua Antônio X Y W Z e M (nomes subtraídos da sentença) em uma casa roxa e branca, bairro Agronômica, nesta Comarca, depois de denúncias da comunidade, policiais civis e militares para lá se deslocaram e ali flagraram os denunciados X, Y, W, Z e M, juntos com o adolescente D, os quais mantinham guardados consigo, para fins de comércio e distribuição, 2 (dois) tabletes de maconha, sendo um grande outro menos, acondicionados em plástico azul, com peso total de 138,8 (cento e trinta e oito gramas e oito decigramas), confomre registra o Termo de Apreensão de fl. 14 do APF.
Conforme indicado pelos policiais, os denunciados eram alvos de investigações que perduraram cerca de 40 (quarenta) dias por praticarem o comércio ilegal de substâncias entorpecentes naquela localidade, sendo que, após a prisão em flagrante, foi constatado que mantinham um sistema de vigilância relativamente sofisticado, composto por três câmeras de vídeo instaladas junto ao muro da residência e conectadas a um aparelho de TV no interior do imóvel.
A substância apreendida foi submetida ao exame de constatação, verificando tratar-se, efetivamente, de 138,8 (cento e trinta e oito gramas e oito decigramas) de erca Cannabis sativa Lineu, popularmente conhecida como maconha, a qual tem o seu comércio e uso proscrito em todo o Território Nacional, nos termos da Portaria n. 344/98, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, atualizada pela RDC.N. 7/09.

II – Os denunciados X Y W Z e M, juntos com o adolescente D, estavam associados entre si, de foram eventual ou permanente, para a execução do comércio ilícito de substâncias entorpecentes, revelando verdadeira associação para o tráfico de drogas ilícitas.

III – Constatou-se, também, na mesma oportunidade que o denunciado X portava, sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar, uma arma de fogo de uso restrito, consistente na Pistola.45, marca COLT, n. 81618, municiado com 7 (sete) munições, conforme registra o Termo de Exibição e Apreensão da fl. 14".
Os indiciados X e W requeram liberdade provisória, alegando, ainda, a dificuldade de acesso dos advogados aos autos de Inquérito Policial.
O Ministério Público se manifestou e requereu diligências.
Os autos vieram conclusos.
É o breve relatório.

II – Fundamentação.
Não há como receber a denúncia dada as condições ilegais da prisão dos conduzidos, as quais se estenderam pela vedação de acesso ao APF, numa Democracia, aos defensores. Não se venha falar de ausência de prejuízo porque somente na ditadura não se dava acesso aos advogados. A divulgação das imagens dos indiciados, pela imprensa, em franca violação aos direitos individuais destes, transcende ao Direito de Informação. É o Direito Penal do Espetáculo; aos defensores se veda, mas os jornalistas circulam livremente na Delegacia de Polícia, com câmeras e tudo o mais, consoante o CD acostado.
No caso presente, consoante depoimento dos policiais que conduziram a prisão e lavraram o flagrante, "que, nesta data após encerramento de cumprimento de mandado de prisão, por volta das 15:00 horas, (mandado contra quem-, terceiros-, onde-) obtiveram denúncia que masculinos armados se encontravam na residência de OUTRO na rua Geral do Morro do Horácio; que, Policiais da PM e Civis se dirigiram ao local, onde se encontravam os conduzidos acima nominados, e ainda o menor D, sendo que todos já são conhecidos da Polícia, pela prática de tráfico no morro do Horário; que, todos os envolvidos se encontravam no interior da residência de OUTRO e ao perceber a presença dos Policiais tentaram fuga através dos fundos, cuja fuga somente não ocorreu pois a residência estava cercada pelos Policiais; que durante a fuga ouviu um barulho de algo sendo dispensado, sendo encontrado sob o corpo de X o qual estava deitado no chão, uma pistola .45; que, ainda foi encontrada uma arma de fogo com o menor, além de três tabletes de substância semelhante a maconha; que, os conduzidos não deram nenhuma declaração quanto à procedência das armas e da droga, sendo dado voz de prisão." (D – f. 02). Já, por sua vez, Renato Weber, disse: "Que, Policiias desta Delegacia há quarenta dias estão investigando a quadrilha organizada por OUTRO, vulgo 'OUTRO', de acordo com informações obtidas por Policiais da equipe de investigações desta Delegacia a quadrilha pratica tráfico de entorpecentes junto ao Morro do Horácio, beco próximo da Mercearia da OUTRA, uma casa de cor branca e a outra roxa; que, nesta data obtiveram denúncia que junto a residência de OUTRO havia integrantes portando e exibindo armas de fogo, mediante tais informações Policiais desta Delegacia juntamente com Policiais Militares se dirigiram ao endereço onde foi observada a movimentação no pátio das residências; que, cujos integrantes ao perceber a aproximação da Polícia tentaram se evadir do local pelos fundos das residências, não obtendo sucesso na fuga pois o local estava cercado; que, na abordagem de X foi encontrado embaixo de seu corpo uma pistola .45, sendo localizdo próximo a W, Y, Z e M dois tabletes de maconha, conforme descrito no termo de apreensão; que, entre os conduzidos se encotrava o menor D o qual portava uma pistola .9 mm; que, ainda foram encontrados próximo aos conduzidos três aparelhos de telefone celular e junto ao muro das residências três câmeras de vídeo de monitoramento, conectadas a um aparelho de TV que se encontrava no interior da residência;"(f. 03).
Com efeito, as versões policiais são no mínimo contraditórias. Nos autos não consta qualquerrelatório, memorando ou depoimento que ateste o conteúdo da investigação preliminar, reconhecida na denúncia ofertada (f. IV), salvo uma singela referência de que estavam os investigando. Não há filmagens, gravações, fotos, juntada de diligências, apreensões de usuários. Nada comprovado. O que se fez, então- No dia dos fatos, depois de cumprirem mandados de prisão, sem dizer quem nem onde, mas aceitando-se que era nas imediações do local, sem mais, diante de uma "denúncia anônima", cuja validade democrática é discutível, a casa dos agentes foi cercada por policiais, que entraram sem mandado. Não há como aceitar a versão policial, salvo se for acolhida uma hermenêutica da eficiência: se apreenderam armas e droga, então vale tudo! Anoto, ainda - e isto é importante - que embora agentes da Delegacia tenham investigado por 40 dias, as casas tenham sido cercadas, apenas dois policiais foram ouvidos no flagrante: o condutor mais um, situação, entretanto, que não é acolhida como nulidade (STJ, HC 116.174/ES, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/11/2008), mas é sintomática da ausência de elementos efetivos da prisão!
Assim é que para se aceitar a materialidade da ação penal detonada é preciso analisar as condições em que a arma e droga foram apreendidas. Primeiro se é verdade, como dizem os policiais, que os indiciados e em especial OUTRO estavam sendo investigados anteriormente, deveriam ir munidos de um mandado de Busca e Apreensão, o único meio idôneo para adentrar numa casa em qualquer lugar do país. Na de todos, salvo flagrante delito! Mas não havia flagrante. Acabaram de efetuar uma prisão – não se sabe de quem- - e com uma "denúncia anônima" se dirigiram às casas onde estavam os segregados. O que viram- O condutor (f. 02) se refere à arma somente depois de X estar no chão, pelo barulho, bem assim uma arma com o adolescente, sem explicitar como, enquanto o policial 1a testemunha (f. 03) fala que foi observada "movimentação no pátio das casas" e que somente na "abordagem de X foi encontrado embaixo de seu corpo uma arma pistola .45." A ação foi ilegal! Ninguém pode ir à casa de ninguém com base em denúncia anônima e achar que "limpou" a ilegalidade porque não havia prisão em flagrante a ser lavrada.
A função do Poder Judiciário é o de garantir Direitos Fundamentais do sujeito em face do Estado (PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Direito Penal e Estado Democrático de Direito: uma abordagem a partir do garantismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006), a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam se houver uma relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes. Por isto, para se investigar alguém, numa democracia, não se pode iniciar com o "denuncismo anônimo" contemporâneo em que a polícia recebe a denúncia anônima e se dá por satisfeita. Tanto assim que agora se fomenta programas denuncistas como o do "Informante Cidadão". É preciso que as investigações aconteçam no limite da legalidade. O processo da inquisição acontecia com testemunhas sem rosto, sem face, sem nome, num denuncismo sem limites. Para isto a Constituição da República em vigor há mais de VINTE ANOS, estabeleceu claramente no art.5º, IV: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.". Paulo (A Linguagem pelo Avesso: a Denúncia Anônima como causa (i)legitimadora da Instauração de Investigação Criminal: Inconstitucionalidade e Irracionalidade. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (orgs). Processo Penal e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 477-494), promotor de Justiça no Rio de Janeiro, sem aceitar investigar a qualquer preço, pontua: "Pensamos que autoridade que determinar a instauração do procedimento criminal ou administrativo, tendo como base a denúncia anônima, ficaria sujeita, em tese, à responsabilidade criminal, nos exatos limites do art. 339 do CP. O denunciante anônimo se esconde atrás das vestes da impunidade, pois, se sua denúncia for falsa, ele não será responsabilizado. (...) O 'denunciado' tem o direito de demonstrar os motivos pelos quais quem o denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito, falta do que fazer etc. Sendo anônima a denúncia, não há como reagir contra o denunciante. Ele fica refém." Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 218) sustenta: "se o nosso CP erigiu à categoria de crime a conduta de todo aquele que dá causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os 'denunciados' chamar à responsabilidade o autor da delatio criminis, se esta pudesse ser anônima- A vingar entendimento diverso, será muito cômodo para os salteadores da honra alheia vomitarem, na calada da noite, à porta das Delegacias, seus informes pérfidos e ignominiosos, de maneira atrevida, seguros, absolutamente seguros da impunidade. Se se admitisse a delatio anônima, à semelhança do que ocorria em Veneza, ao tempo da inquisitio extraordinem, quando se permitia ao povo jogasse nas famosas 'Bocas dos Leões' suas denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade viveria em constante sobressalto, uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro sentimento subalterno." Decidiu-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: "INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA ANÔNIMA.: Trata-se de habeas corpus em que se busca o trancamento de inquérito policial instaurado contra o paciente, visto que tal procedimento iniciou-se com a interceptação telefônica fundada exclusivamente em denúncia anônima. A Turma, por maioria, entendeu que, embora apta para justificar a instauração do inquérito
policial, a denúncia anônima não é suficiente a ensejar a quebra de sigilo telefônico (art. 2º, I, da Lei n. 9.296/1996). A delação apócrifa não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária; é mera notícia vinda de pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do CP). Assim, as gravações levadas a efeito contra o paciente, por terem sido produzidas mediante interceptação telefônica autorizada em desconformidade com os requisitos legais, bem como todas as demais provas delas decorrentes, abrangidas em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada, adotada pelo STF, são ilícitas e, conforme o disposto no art. 5º, LVI, da CF/1988, inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação. Contudo, entendeu-se que é temerário fulminar o inquérito policial tão-somente em virtude da ilicitude da primeira diligência realizada. Isso porque, no transcurso do inquérito, é possível que tenha ocorrido a coleta de alguma prova nova e independente levada por pessoa estranha, ou seja, sem conhecimento do teor das escutas telefônicas. Realizar a correlação das provas posteriormente produzidas com aquela que constitui a raiz viciada implica dilação probatória inviável em sede de habeas corpus e a autoridade policial pode recomeçar as averiguações por outra linha de investigação, independente da que motivou a instauração do inquérito, ou seja, a denúncia anônima, tendo em vista que o procedimento ainda não foi encerrado, quer por indiciamento quer por arquivamento. Com esses fundamentos, concedeu-se parcialmente a ordem de habeas corpus. Precedentes citados do STF: Pet-AgR 2.805-DF, DJ 13/11/2002; RHC 90.376-RJ, DJ 18/05/2007; do STJ: HC 44.649-SP, DJ 8/10/2007; HC 38.093-AM, DJ 17/12/2004, e HC 67.433-RJ, DJ 7/5/2007." (HC 64.096-PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 27/5/2008).
Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida,  a priori, como verdade, nem justifica qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação preliminar e, se for o caso, requerer-se ao Juízo competente o respectivo mandado de busca e apreensão, apresentando-se as investigações preliminares. Claro que se verificar alguma das hipóteses do art. 302, I ou II, do CPP, estará autorizada a agir. Mas esta ação precisa estar autorizada anteriormente, ou seja, o flagrante não pode ser pressuposto, mas deve estar posto, a saber, não se pode "achar" que há droga e se adentrar. É preciso que a droga e/ou arma tenha sido vista anteriormente ou sua entrega ou mesmo a venda, situação diversa da presente.
Com efeito, não basta que o agente estatal afirme que alguém denunciou..., sem que indique quem fez a denúncia, bem como que "acharam" que havia droga e armas. É preciso que hajam evidências ex ante. Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional por violação do domicílio dos indiciados. Embora seja uma prática rotineira a violação da casa, não se pode continuar tolerando a arbitrariedade (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Tráfico e flagrante: apreensão da droga sem mandado. Uma prática (in)tolerável- In: PINHO, Ana Cláudia Bastos de; GOMES, Marcus Alan de Melo. Direito Penal & Democracia. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2010, p. 69-77.). Desde há muito se sabe – e os policiais não podem desconhecer a lei – que não se pode entrar na casa de ninguém – pobre ou rico – sem mandado judicial, salvo na hipótese de flagrante próprio, o qual não existe com denúncia anônima, nem sem a antevisão dos fatos. Nem se diga que depois se verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia contaminação pela entrada inconstitucional no domicílio. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (Processo Penal e Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 92) aponta: "Em conclusão, só é possível o ingresso em domicílio alheio nas circunstâncias seguintes: à noite ou de dia, sem mandado judicial, em caso de flagrante próprio (CPP, art. 302, I e II), desastre ou prestação de socorro; e durante o dia, com mandado judicial, em todas as outras hipóteses de flagrante (CPP, art. 302, III e IV). Reconheço que a falta de estrutura do sistema investigatório brasileiro, tornando inviável o contato próximo e a tempo com a autoridade judiciária, possa fazer com que o entendimento exposto se transforme em mais um entrave burocrático à persecução penal. Não é essa a intenção, mas não se pode aceitar que a doutrina fique à mercê da boa-vontade dos governantes para dotarem a polícia dos recursos técnicos e humanos necessários para o desempenho da função." Assim é que não se pode  tolerar violações de Direitos Fundamentais em nome do resultado, pois pelo mesmo argumento seria legítima a "tortura", a qual, no fundo não é tão diferente da ação iniciada exclusivamente por "denúncia anônima", à margem da legalidade e com franca violação dos Direitos Fundamentais. Qualquer um agora pode plantar droga em quem quiser e depois ligar para polícia denunciando anonimamente o depósito de drogas no terreno e a polícia, sem mais, vai até o local, sem mandado, e prende o proprietário. Não dá para tolerar isto! Não há verossimilhança, ainda mais com a constante acolhimento jurisdicional desta prática, mormente em se tratando de crime permanente, como de tráfico. A prevalecer esta lógica, a garantia do cidadão resta fenecida. Ana Maria Campos Tôrres (A busca e apreensão e o devido processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 153-154) sustenta: "Ora, sabendo que alguém tem em depósito drogas, vende droga, ou outras situações de permanência é que pode, conforme a Constituição, penetrar em domicílio sem o consentimento do morador. Sabe, logo tem indícios que permitam solicitar ao juiz o mandado, imprescindível contra o abuso. Não basta a mera desconfiança, pois corre o risco de responder por descumprimento da lei, logo, impossível considerar válida a apreensão nesses casos, sem ordem judicial. Seria, como o é de fato, fazer vista grossa aos abusos policiais (...) Como entender urgente o que se protrai no tempo- É possível, graças à presença diuturna do judiciário guardião da lei, requerer e ser atendido em pouco tempo, o direito constitucionalmente previsto de entrar em domicílio. A facilidade do arguir-se urgência é forma espúria de desconhecer direitos, é subterfúgio para o exercício de força, é descumprimento do dever de acatar as diretrizes políticas assumidas pelo Estado. Impossível legalizar o ilícito. Deve, nestes crimes chamados permanentes, especificamente por durarem, não se reconhecer a urgência do flagrante próprio, pois nem se evita sua consumação, nem se impede maiores consequências, e, sobretudo, arrisca-se sequer determinar a autoria, interesse maior nesses casos. O argumento de urgência deve fundamentar pedido à autoridade judiciária, inclusive, modos legais de realização. Nada impede o respeito à intimidade nessa hipótese. (...) No caso do flagrante em crime permanente, vê-se com muita frequência não só o descumprimento da lei, mais que isto, um caminho perigoso a permitir retornem as más autoridade o modelo inquisitorial, buscando provar a qualquer custo, não se preocupando com mais nada, senão com a punição pela punição."
Cabe destacar julgado relatado pelo Des. Geraldo Prado, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Criminal n. 2009.050.07372, uma verdadeira aula de como se deve proceder na garantia de Direitos Fundamentais:"EMENTA: APELAÇÃO. PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. ARTIGOS 171, § 2.º, INCISO V, NA FORMA DO ARTIGO 14, INCISO II, 299 E 340, TODOS DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. PROVA ILÍCITA. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO, INTIMIDADE, VIDA PRIVADA E DIREITO AO SILÊNCIO. CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO. Apelantes condenadas pela prática dos crimes definidos nos artigos 171, § 2.º, inciso V, na forma do artigo 14, inciso II, 299 e 340, todos do Código Penal. Prova ilícita. Ingresso indevido no quarto de hospedagem das acusadas. Inviolabilidade de domicílio, da intimidade e da vida privada (artigo 5.º, incisos X e XI, da Constituição da República). Rés que não foram informadas de seu direito ao silêncio (artigo 5.º, inciso LXIII, da Constituição da República). Apreensão dos bens falsamente furtados, portanto, ilícita. Prova oral que, decorrente exclusivamente dessa apreensão, também se revela ilícita. Desaparecimento da materialidade do crime. Absolvição. RECURSOS PROVIDOS." Consta do voto: "O ingresso não pode decorrer de um estado de ânimo do agente estatal no exercício do poder de polícia. Ao revés, é necessário que fique demonstrada a fundada – e não simplesmente íntima – suspeita de que um crime esteja sendo praticado no interior da casa em que se pretende ingressar e que o ingresso tenha justamente o propósito de evitar que esse crime se consume. Se assim não fosse, seria permitido ingressar nas casas alheias, de forma aleatória, até encontrar substrato fático, consistente em flagrante delito, capaz de ensejar a formal instauração de procedimento investigatório criminal. Mais que isso, seria incentivar que a autoridade policial assim fizesse e, com a intenção de se livrar de uma eventual imputação de abuso de autoridade, "encontrasse" à força o estado de flagrância no domicílio indevidamente violado."
Desta feita, diante das condições em que a droga/arma continua sendo apreendida neste país, em franca violação dos direitos fundamentais, a prova deve ser declarada ilícita, especialmente nos casos de ilegal denúncia anônima, bem assim quando a atuação dos policiais acontece sem mandado judicial, implicando, pois, na ilegalidade da apreensão da droga/armas e, por via de consequência, da ausência de materialidade. Agora não se pode é se acovardar em nome do resultado. A função do Judiciário é de garantia! No caso presente, pois, declaro ilegal a apreensão e rejeito a denúncia, por ausência de materialidade constitucionalmente válida. 
III – Dispositivo.
Por tais razões, REJEITO a denúncia de f. II-V, ofertada em face de X Y W Z M e D, já qualificados, nos termos do art. 395, III, do CPP. Sem custas.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Expeçam-se alvarás de soltura se por al não estiverem presos.
Dê-se a destinação legal à droga e armas referenciadas nestes autos, após o trânsito em julgado.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Florianópolis (SC), 15 de julho de 2010.
Alexandre Morais da Rosa
Juiz de Direito


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