terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Reflexões sobre o Haiti, por Camila Prando




A música contra o cinismo
O terremoto no Haiti foi mais um lugar propício aos espetáculos feitos de uma dose de cinismo e oportunismo. A dor e as perdas da população, que vive de modo quase irreparável o abalo sísmico de grau 7, dão lugar aos discursos políticos da caridade e aos arroubos aventureiros de alguns onguistas.
Por certo há em meio a tanto espetáculo o trabalho sério e comprometido, e a denúncia necessária. Mas é sempre mais fácil embarcar nas ondas de um conto feito de um só episódio: um terremoto. O episódio que destaca da história do país outros terremotos, que implicariam tantos outros sujeitos políticos.
Para não retroceder muito na história, basta tratar de duas situações recentes, lembradas por Almudena Grandes em um artigo publicado no EL País (http://www.elpais.com/articulo/ultima/Juan/Palomo/elpepiult/20100125elpepiult_1/Tes) : em 1995 o FMI obrigou a redução das tarifas para importação de arroz de 35% a 3%; enquanto as subvenções dos EUA possibilitaram que o arroz do Arkansas fosse mais barato que aquele produzido pelo próprio país. Três quartos do alimento básico consumido no Haiti provém de importações!
Pois os discursos de sujeitos políticos que buscam ocupar o lugar, nesse momento, de grandes humanitários, parece ser o cinismo tardio provocado pelo desejo de mais poder. Que a reconstrução do Haiti possa ser mais uma carta de compra da dependência aos novos colonizadores, não parece estranho.
Enquanto não se desfizer a moral do colonizador e do colonizado parece que essa relação tende a se refazer constantemente em cada um desses episódios em que se cria a oportunidade de exercer poder afirmando-se como o bem.
Olhar ao Haiti não como um país de um destino trágico. Como se o terremoto, por si, fosse o selo natural de um país sem sorte, que navega a esmo. O natural do terremoto parece oferecer à história desse país a versão mais simples e menos comprometedora aos sérios problemas que enfrentam. Parece não reconhecer nesse país o lugar da primeira república negra, da primeira revolta de negros que se fez vitoriosa. Entendê-lo como país que constrói sua história entrelaçada a todos os jogos que a sustentam. Olhá-lo sem a pena das caridades. Descobri-lo. Inventá-lo de outro modo de modo a descolar de nós mesmos essa moral colonizadora, da qual também somos vítimas.
A isso, um pouco de música haitiana. A conhecê-la!
"Dice John Berger, y su frase adquiere más fuerza que nunca, que toda música trata de la supervivencia." (http://blogs.rtve.es/cuandoloselefantes/posts)
 
 

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