quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Entrevista: VERA MALAGUTI BATISTA



Vera Malaguti Batista e Vera Regina Pereira de Andrade, Rio de Janeiro, Junho de 2009, no Seminário de Políticas Criminais Contemporâneas, promovido pelo Instituto Carioca de Criminologia - ICC (por Dani Felix)


Esta entrevista é dá continuidade à matéria especial "Entre o Amor e as Grades", que reproduzi aqui no Blog no post REVISTA ÍNTIMA: a pena às não condenadas  (10 de jan. 2010). Boas Leituras Criminológicas! Beijos!




Caráter punitivo e seletivo do sistema prisional

Por Nina Fideles
Revista Fórum, Ed. 81
Janeiro de 2010

 O que as famílias de presos passam não está separado do que os presos vivem. Como estas próprias mulheres dizem, elas estão “pagando cadeia” junto com os seus maridos, namorados e filhos. Para falar mais sobre esta política de Estado que envolve todo o sistema prisional, Fórum conversou com a socióloga e membro do Instituto Carioca de Criminologia, Vera Malaguti.
 
Fórum – Como definir a atual política de Estado que deposita no sistema penitenciário a solução para o problema da segurança?
 Vera Malaguti – Acho que nem sempre foi assim. Este é um modelo norteamericano que chegou depois da democratização, a partir dos anos 80, e veio junto com a política econômica neoliberal. Houve momentos na história do Brasil em que se prendeu muito menos. Toda a teoria marxista sobre a questão criminal vai trabalhar a prisão como um dispositivo complementar à fabrica, como um disciplinamento da mão de obra do exército industrial de reserva. Nesta fase do capitalismo, com a intensificação da revolução tecnológica, com a precariedade do trabalho, a flexibilidade, o fim da ilusão do pleno emprego, a prisão alcançou níveis inéditos.
 
Nos EUA, por exemplo, existem dois milhões de presos fechados, cerca de seis milhões em penas alternativas e 55 milhões de trabalhadores fichados no sistema criminal. Grande parte deste pessoal é ou afrodescendente ou latinoamericano. A prisão é um organismo seletivo. A função de punir seletivamente existe desde quando ela foi inventada na revolução industrial. E tudo isso é costurado pela cultura punitiva, que está sempre pedindo penas mais rigorosas. Estamos vivendo um período democrático no Brasil, em que nunca se prendeu tanto, um Estado nunca matou tanto, e nunca se torturou tanto. Agora, existem setores que lucram muito com isso, como a indústria de armas, a indústria das prisões... A indústria do controle do crime vai desde os investimentos milionários em polícias, armamentos, carros, blindagem, alarmes, vigilância eletrônica, tornozeleiras.
 
Fórum – E neste tempo, o que a esquerda elaborou sobre o assunto?
 Malaguti – Parte da esquerda tem dois problemas com relação à questão criminal: ela caiu na armadilha do discurso moral e, em segundo lugar, tem um histórico problema com relação ao lúmpen. Na minha modesta opinião, como a classe trabalhadora brasileira é um pouco recrutada entre os escombros da escravidão e do extermínio das civilizações indígenas, ela não tem, digamos, as feições do marxismo clássico. Por estas duas razões, e também por uma falta de conhecimento da literatura marxista sobre a questão criminal. Por exemplo, na questão ambiental a gente pede pena, as grandes mineradoras têm capacidade de se defender do sistema penal e quem acaba preso é o agricultor do MST ou então o caçador de passarinho.
 
Nenhum movimento revolucionário se deu por meio do sistema penal, pelo contrário, eles se dão contra as prisões. Acho que a gente ainda não conseguiu entender a passagem que existe entre o crime político e o crime comum. Ficamos com medo de que a imagem de defender bandidos caia sobre nós. Ninguém tem coragem de tocar neste assunto.
 
Fórum – Como fica a situação das famílias destes presos considerando o caráter seletivo do sistema?
 Malaguti – Este modelo que aposta no emparedamento em vida, na incomunicabilidade, nas penas mais longas, produz um sofrimento adicional. Além do impacto econômico, porque não existe possibilidade de defesa, e na maioria dos casos as mulheres têm que se virar para pagar o advogado. As famílias são criminalizadas também e são punidas adicionalmente, pela dificuldade de ver seus filhos, pelo caráter seletivo e classista de juízes, da justiça.
 
Quem está sendo preso? A juventude popular. Uma geração inteira, 500 mil pessoas que estão principalmente na faixa dos 18 aos 25 anos, tendo seus problemas tratados por este sistema que tem uma dinâmica do Carandiru, mas sonha em ser Guantánamo. Uma prisão completamente incomunicável, em um território de difícil acesso. Não consigo ver como isso vai ajudar em alguma coisa. Apostar nos vínculos e no acesso às pessoas é a única maneira da gente produzir esperança.
 
Fórum – O que pode ser feito para resolver este problema?
 Malaguti – Tínhamos que produzir uma pauta sobre este assunto coletivamente. Acho que a gente tinha que prender menos, soltar mais, sair do modelo de Estado policial, trabalhar a nossa polícia muito mais no sentido de defesa civil do que punitivo, rediscutir a questão de drogas por um olhar latinoamericano e não um olhar norteamericano. Acho que tinha que abrir a comunicação da prisão, amparar os familiares de presos e ter a coragem de discutir a questão criminal sem reproduzir a pauta da direita e da terceira via, da social democracia. A gente tinha que ter uma pauta que não é a mesma do capitalismo. O que é isso? O papel da esquerda é ajudar a disciplinar a mão de obra para o capitalismo de barbárie? Não é possível que a gente não tenha um outro diagnóstico sobre isso.
 Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum 81. Nas bancas. 
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