sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Absolvição Sumária: crime de bagatela


Companheir@s,
Trago a decisão de 1° Grau, prolatada em 04 de setembro último, em que o juiz absolveu sumariamente o réu, denunciado pelo Ministério Público pela prática de tentativa de furto (art. 155 c/c 14, II, do CP) de 2 filtros solar.
Alguns Juízes Criminais da Comarca da Capital (Florianópolis/SC), têm, com bastante dedicação e persistência, conseguido fazer a diferença nas decisões penais, motivo que me leva a acreditar que podemos ter esperanças na abolição da criminalização de algumas condutas que ainda são pagas com penas de privação de liberdade. 
   
Neste caso específico, tem-se que o objeto do furto foi restituído no próprio estabelecimento comercial, sem qualquer prejuízo à vítima, motivo que sequer valesse a autuação do flagrante, quanto mais uma denúncia pelo MP.
Ainda, tratava-se de um catador de papelão, que veio para Capital em busca de trabalho, mas que não encontrou, além da atividade desumana, não tinha sequer moradia.
Penso que estamos num MOMENTO OPORTUNO à reflexão, por todos, mas principalmente  os Agentes da Segurança Pública e o Poder Judiciário, de revisão dos seus papéis  dentro da estrutura e quais suas pretensões com a aplicação exacerbada de certas condutas criminais.
Se o Direito Penal e processual, por meio das Delegacias, Presídios e Penitenciárias de fato educassem alguém ao não cometimento de crimes, não estaríamos precisando rediscutir a SP em nível nacional.
Além, a base de princípios no qual a nossa legislação se funda tem o direito penal como vingança do Estado? Cabe ao MP somente a acusação? Será que não é o contrário?
   


Segue a decisão na íntegra:

Vistos, etc.
I. Trata-se de ação penal aforada pelo Ministério Público em face de XX, dando-o como incurso nas sanções do artigo 155, caput, c/c o artigo 14, II, ambos do Código Penal. Foi juntado laudo pericial de avaliação indireta de material, concluindo-se pelo montante de R$64,80(sessenta e quatro reais e oitenta centavos), conforme fls. 30-31.
A denúncia foi recebida em 23/06/05 (fl. 33).
Citado por edital, o réu não se manifestou, razão pela qual foi o feito suspenso (fl. 61). O feito retomou a marcha processual (fl. 69), tendo o réu sido citado pessoalmente em fl. 74 e apresentado defesa prévia através de defensor nomeado, às fls. 83-87, alegando tratar-se de crime de bagatela, devendo-se aplicar o princípio da insignificância.
O Ministério Público opinou pelo prosseguimento do feito, tendo em vista os antecedentes criminais do acusado.
É o breve relato.
Decido.

II. Cuida-se de ação penal proposta em face de XX, em razão desse ter tentado furtar 2 protetores solares, perfazendo o valor de R$64,80(sessenta e quatro reais e oitenta centavos)
1. Dos antecedentes criminais do acusado - Em análise aos autos, constata-se que o acusado responde aos seguintes feitos criminais: 064.03.aaa, 033.00.bbb, 033.09.ccc. Em uma leitura detalhada denota-se que os autos n. 033.00.bbb tratam-se de procedimentos investigatórios, ou seja, o réu sequer foi denunciado por infração a qualquer crime em tais feitos, de modo que não podem ser considerados maus antecedentes, pois, do contrário, haveria grande violação do princípio da presunção de inocência.
Nesse diapasão, quanto aos feitos n. 064.03.aaa e 033.09.ccc, os quais encontram-se tramitando, tem-se que sob o império de uma nova ordem constitucional e constitucionalizando o Direito Penal, quaisquer investigações preliminares, processos criminais em andamento, ou mesmo em fase recursal, não podem ser valorados como maus antecedentes.
Inclusive, destaca-se:
"Impossibilidade de considerar-se como maus antecedentes a existência de processos criminais pendentes de julgamento, com o conseqüente aumento da pena-base." (RHC 83.493, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 4-11-03, 1ª Turma, DJ de 13-2-04)
"Reconhecimento, pelo magistrado sentenciante, de que a existência de referido inquérito policial legitima a formulação de juízo negativo de maus antecedentes (...) A mera sujeição de alguém a simples investigações policiais (arquivadas ou não), ou a persecuções criminais ainda em curso, não basta, só por si – ante a inexistência, em tais situações, de condenação penal transitada em julgado –, para justificar o reconhecimento de que o réu não possui bons antecedentes. Somente a condenação penal transitada em julgado pode justificar a exacerbação da pena, pois, com o trânsito em julgado, descaracteriza-se a presunção juris tantum de não-culpabilidade do réu, que passa, então, a ostentar o status jurídico-penal de
condenado, com todas as conseqüências legais daí decorrentes. Precedentes. Doutrina." (HC 69.298, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 9-6-92, 1ª Turma, DJ de 15-12-06) (destacou-se).

No entanto, ainda que assim não o fosse, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido: PENAL - HABEAS CORPUS - FURTO DE UM BONÉ – VALOR DE R$ 50,00 – OBJETO RESTITUÍDO À VÍTIMA - REINCIDÊNCIA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA – POSSIBILIDADE – IRRELEVÂNCIA DA REINCIDÊNCIA E DOS MAUS ANTECEDENTES. PRINCÍPIO DA NECESSARIEDADE DA PENA – ORDEM CONCEDIDA PARA RECONHECER A ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1- Se o bem tutelado nem mesmo chegou a ser ofendido, nem há relevância na conduta praticada, o princípio da insignificância deve ser aplicado, afastando-se a tipicidade. 2- A aplicação dos princípios da necessariedade e da suficiência afasta a fixação de pena que se mostra excessiva para reprimir conduta irrelevante. 3- Maus antecedentes e reincidência não impedem a aplicação do princípio da bagatela. 4- Ordem concedida para absolver o paciente pelo reconhecimento da atipicidade de sua conduta. Expedido alvará de soltura, salvo prisão por outro motivo. (HC 96.929/MS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe 25/08/2008) (grifo meu).

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. FURTO SIMPLES TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. OCORRÊNCIA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância é imprescindível à distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica, eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada à mínima gravidade).2. In casu, a res furtiva se enquadra no conceito de bagatela, pois a interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto no caso concreto. 3. Circunstâncias de caráter eminentemente pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não interferem no reconhecimento do princípio da insignificância. 4. Agravo a que se nega provimento. (AgRg no REsp 922.863/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 08/09/2008) (grifo meu).

Ainda, do Supremo Tribunal Federal:
"Recorrente condenado pela infração do artigo 334, caput, do Código Penal (descaminho). Princípio da insignificância reconhecido pelo Tribunal de origem, em razão da pouca expressão econômica do valor dos tributos iludidos, mas não aplicado ao caso em exame porque o réu, ora apelante, possuía registro de antecedentes criminais. Habeas corpus de ofício. Para a incidência do princípio da insignificância só devem ser considerados aspectos objetivos da infração praticada. Reconhecer a existência de bagatela no fato praticado significa dizer que o fato não tem relevância para o Direito Penal. Circunstâncias de ordem
subjetiva, como a existência de registro de antecedentes criminais, não podem obstar ao julgador a aplicação do instituto." (RE 514.531, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 21-10-08, 2ª Turma, DJE de 6-3-09). No mesmo sentido: HC 96.309, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24-3-09, 1ª Turma, DJE 24-4-09; HC 93.482, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-10-08, 2ª Turma, DJE de 6-3-09) (destacou-se).

Assim, os antecedentes criminais do acusado não são capazes de impedir a aplicação do princípio da insignificância.

2. Do tipo
Para a configuração do delito de tentativa de furto significante é necessária a relevância da materialidade, ou seja, ser intenso o grau da lesão produzida. In casu, o valor da res furtiva é ínfimo, desprezível, não merecendo a tipicidade material.
Nesse ínterim, tem-se que:

"É necessária uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Freqüentemente, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado. A insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem jurídico atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida. A insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica [...]" (Tratado de Direito Penal, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2, p. 223).

Assim, é cediço que a concepção de aplicabilidade da reprovação penal no contexto atual não mais se restringe a subsunção de fato delitivo à norma incriminadora insculpida, mas também a necessária presença de uma terceira condicionante, a lesividade da conduta para vítima.
Dispõe Maurício Antônio Ribeiro Lopes:

"(...) o princípio da insignificância é que erige uma hermenêutica dinâmica projetada sobre o direito Penal já construído, buscando atualizar e materializar a tipicidade e a ilicitude em função do resultado concreto da ação ou do móvel inspirador do comportamento" (in Princípio da Insignificância no Direito Penal. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2ª ed., pág. 82). 

Esta orientação justifica-se, ainda mais, quando se observa que o tipo penal resta composto por três elementos, quais sejam: a ação, o resultado e o nexo causal.
A existência de crime e eventual sanção conseqüente exige destarte, ao par da ação e do nexo causal, a configuração de um resultado, que, na realidade, traduz-se na lesão a bem juridicamente protegido. Ou seja, ausente o resultado, não há conduta típica. Ao passo de todos estes fundamentos, resta salientar finalmente que exurge-se dispendiosa e improfícua a movimentação da máquina estatal para apuração de delitos de menor significância, como é o caso. Na mesma proporção, verifica-se salutar o direcionamento destes recursos no combate aos delitos que merecem de fato a reprovação penal.
Com efeito, antecipando-se a adoção do princípio da insignificância como fundamento para prolação de eventual sentença absolutória pela atipicidade da conduta, alguns Tribunais, em recentes julgados, vem abarcando este princípio, inclusive para efeito de rejeição de denúncia, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:

"JUSTA CAUSA. INSIGNIFICÂNCIA DA ATO APONTADO COMO DELITUOSO. Uma vez verificada a insignificância jurídica do ato apontado como delituoso, impõe-se o trancamento da ação penal por falta de justa causa. A isto direcionam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Consubstancia ato insignificante a contratação isolada de mão-de-obra, visando à atividade de gari, por município, considerando período diminuto, vindo o pedido formulado em reclamação trabalhista a ser julgado improcedente, ante a nulidade da relação jurídica por ausência do concurso público" (HC-77003/PE, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 16.06.1998, DJ 11.09.1998, p.5).

Ainda, colhe-se da referida Corte:

HABEAS CORPUS. CRIME DE TENTATIVA DE FURTO (CAPUT DO ART. 155, COMBINADO COM O INCISO II DO ART. 14, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). OBJETOS QUE NÃO SUPERAM O VALOR DE R$ 52,00 (CINQUENTA E DOIS REAIS). ALEGADA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
PENAL E CRIME IMPOSSÍVEL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA, POR SE TRATAR DE UM INDIFERENTE PENAL. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. ANÁLISE OBJETIVA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Os objetos que supostamente se tentou subtrair não ultrapassam o valor de R$ 52,00 (cinqüenta e dois reais): dois shampoos, quatro desodorantes e um isqueiro. Objetos que foram restituídos integralmente à vítima, sendo certo que o acusado não praticou nenhum ato de violência. 2. Para que se dê a incidência da norma penal não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo legal. É preciso que a conduta delituosa se contraponha, em substância, ao tipo em causa. Pena de se provocar a desnecessária mobilização de u'a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 3. A inexpressividade financeira dos objetos que se tentou furtar salta aos olhos. A revelar a extrema carência material do ora paciente. Risco de um desfalque praticamente nulo no patrimônio da suposta vítima, que, por isso mesmo, nenhum sentimento de impunidade experimentará com o reconhecimento da atipicidade da conduta do agente. Análise objetiva que torna irrelevante a existência de registros criminais em curso contra o paciente. Precedentes: AI 559.904-QO, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; e HC 88.393, da relatoria do ministro Cezar Peluso. 4. Habeas corpus deferido para determinar o trancamento da ação penal, com a adoção do princípio da insignificância penal.(HC 94427 -RS. Rel. Min. CARLOS BRITTO, julgado em 14/10/2008)
.

No mesmo sentido, decidiu o Tribunal de Justiça Catarinense:
HABEAS CORPUS - PRETENDIDO O TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - CRIME DE FURTO TENTADO - RES FURTIVA VALORADA EM R$80,00 (OITENTA REAIS) - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - CAUSA SUPRALEGAL - DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE - APLICABILIDADE - AUSÊNCIA DE EFETIVA LESÃO AO PATRIMÔNIO ALHEIO - ORDEM CONCEDIDA (Habeas Corpus n. 2009.017142-3, da Capital, relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, 3ª Câmara Criminal, j. em:05/05/09).

Inclusive, tem-se que o valor da res furtiva é ínfimo utilizando-se como parâmetro para tal os valores da execução fiscal estadual. Há necessidade de se aferir a elevada despesa desencadeada por processos de ação penal, conjugando os princípios da celeridade e da razoável duração do processo, que só podem ser efetivados com apropriado juízo de admissibilidade. Na execução fiscal estadual, a Lei 14.266 de 21.12.2007, dispõe sobre o cumprimento do princípio constitucional da economicidade e da suspensão dos processos de
valor inferior a um salário mínimo.
Tal lei foi regulamentada pela Resolução n. 02/2008 do Conselho da Magistratura, que explicita:

"Enquadram-se nessa hipótese as execuções que não ultrapassarem o valor do salário mínimo na data de sua propositura ou em qualquer fase processual, observados os artigos 4º desta Resolução e 6º, § 4º, da Lei Federal n. 6.830, de 22 de setembro de 1980¹.

Na esfera federal, existe edição de lei semelhante, só que o patamar, na execução fiscal da União, é que não são ajuizados valores inferiores a R$10.000, "ex vi" artigos. 18 e 20 da lei 10.522/022. O critério valorativo da Lei Federal é inclusive utilizado como parâmetro pelo Supremo Tribunal Federal para aplicar o princípio da insignificância ao crime de descaminho, sustentando que a conduta não pode ter relevância criminal, invocando princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal, bem como da inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.
Inclusive, construções jurídicas referentes a inexistência de justa causa para a ação penal são tecidas no Supremo Tribunal Federal no caso de crime de descaminho³, utilizando-se as premissas de que as condutas são irrelevantes criminalmente. Se escoram, ainda, nos princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal, aliada a inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado4.
Os legisladores, estadual e federal, fizeram uma opção legislativa e o STF utilizou a hermenêutica. Da mesma forma, o juiz de primeiro grau, sopesando os princípios da celeridade, eficiência, conveniência (art. 37 da Constituição Federal) e os princípios constitucionais penais, se socorre na hermenêutica, a qual é vista por José Lamego(5) nos seguintes termos:
"A hermenêutica rompe o hermetismo do universo dos signos, abrindo o texto e o discurso ao 'mundo'. Para a Hermenêutica, o interprete não 'descodifica' apenas um sistema de signos, mas 'interpreta' um texto. Subjacente a este conjunto de idéias está a rejeição pela Hermenêutica de uma concepção de linguagem com função meramente instrumental - a linguagem como 'signo' ou mera 'forma simbólica'- considerando-a, ao invés, como uma 'instituição social' complexa. As expressões têm sentido apenas no contexto dos distintos jogos de linguagem, que são complexos de discurso e de ação. A aprendizagem de uma linguagem 'natural' implica a participação em práticas e a comparticipação de critérios que regem o seu desempenho. A 'gramática' da linguagem só poderá ser elucidada de 'dentro', a partir do conhecimento das regras constitutivas do 'jogo' e não mediante apelo a 'metalinguagens'." 

Lamego(6), citando GADAMER, menciona que:
"a interpretação do texto eqüivale a um diálogo entre o autor e o intérprete sobre aquilo que no texto é mencionado. Nesse diálogo o intérprete apropria-se do discurso expresso no texto e prossegue a elaboração intelectiva do objecto feita pelo autor. Ao retomar a noção da hermenêutica de applicatio, GADAMER tem em vista a interpretação que constitui um aditamento (...)".

Tal digressão tem como corolário não apenas e tão somente uma "política judiciária", como parece crer, mas na verdade encontra amparo em uma "individualização judiciária" e no princípio constitucional do interesse público e da Finalidade da Pena.
Para Luiz Vicente Cernicchiaro tal postulado determina que a intervenção do Estado na esfera privada de liberdade do particular só pode ocorrer se houver efetivo interesse público nessa intervenção. Sustenta que o legislador deverá levar em consideração, no momento de criminalizar uma conduta, não só a relevância desta e o bem jurídico que está sendo tutelado, como também o interesse social efetivo em promover esta intervenção.(7)
E, outros autores, mencionam ser decorrente do princípio da humanidade e do interesse público, o princípio da subsidiariedade do direito penal e o da insignificância.

Aliado ao exposto, tem-se a redação do art. 386, III, do Código de Processo Penal, o qual autoriza a absolvição do acusado quando o fato narrado não constituir crime.
Desta feita, em se tratando a res subtraída tão-somente de 2 protetores solar no valor total de R$64,80(sessenta e quatro reais e oitenta centavos), cujo valor presume-se ser despiciendo, mormente face às condições da vítima, estabelecimento comercial de grande porte, o caminho mais judicioso é o reconhecimento da insignificância da conduta perpetrada e isto porque, face o irrisório valor atribuído a res, não se vislumbra expressividade na conduta enveredada pelo(a) acusado(a).
Inclusive, tomando por parâmetro o valor do salário mínimo, denota-se que o valor da res furtiva não ultrapassa o referido montante que equivalia à época a R$260,00 (duzentos e sessenta reais).
Ademais, o bem foi devolvido à vítima, não restando qualquer prejuízo (fl. 14).
Assim, embasada nos princípios da celeridade, eficiência, conveniência (desproporção entre a despesa pública e a movimentação de processos), "ex vi" art. 37 da Constituição Federal, aliado ao princípio da individualidade (situação econômica do réu), interesse público e finalidade da pena, ou seja, o efetivo interesse público na intervenção, a absolvição sumária do(a) acusado(a) pelo crime descrito no art. 155, caput, c/c art. 14, II, CP é medida que se impõe.


III. Ante o exposto, JULGO IMPROCENTE A DENÚNCIA para ABSOLVER o(a) acusado(a) XX da acusação que lhe fora feita, com fulcro no art. 386, inciso III do Código de Processo Penal.
...

Florianópolis (SC), 04 de setembro de 2009.
Juiz de Direito


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1 Art. 1º Serão suspensas, por despacho declaratório, as execuções fiscais de valorinexpressivo ou de cobrança judicial antieconômica, cujo crédito seja inferior a 1 (um) salário mínimo, e intimar-se-á pessoalmente o Procurador do Estado ou do Município para manifestação(...)§ 2º As intimações do mesmo ente público, no caso de pluralidade de processos, poderão ser feitas pelo Oficial de Justiça por único mandado, certificando-se nos diversos autos das demais execuções fiscais.rt. 2º Intimada, a Fazenda Pública poderá, no prazo de 30 (trinta) dias:I – incidindo a hipótese do artigo 28 da Lei Federal n. 6.830, de 1980, requerer a reunião das ações de mesmo devedor;II – reconhecida a falta de interesse de agir, diante dos princípios da razoabilidade e economicidade, requerer a extinção do processo sem resolução do mérito (artigo 267, inciso VI, da Lei Federal n. 5.869, de 1973); eIII – manifestar o interesse no prosseguimento da execução fiscal, independentemente do valor executado.§ 1º Na hipótese do inciso III deste artigo, caberá ao ente público oimediato adiantamento das despesas com diligências de Oficial de Justiça, intimações e publicações de editais, e a responsabilidade pela satisfação das custas finais.§ 2º Somente será deferida a petição inicial nas execuções fiscais de valor inexpressivo se atendida a exigência do pagamento das despesas processuais.§ 3º Transcorrido o prazo, sem manifestação do credor, o processo será extinto pela falta de interesse de agir.§ 4º Extinta a execução fiscal, no caso do inciso II, a certidão de dívida ativa, a pedido do credor, ser-lhe-á restituída, e poderá ele reapresentá-la dentro do prazo prescricional em conjunto com outros créditos para viabilizar nova demanda executiva.Art. 3º Da decisão que extinguir o processo sem resolução do mérito, nos casos do artigo 34 da Lei n. 6.830 de 1980, caberão, somente no primeiro grau, os recursos de embargos de declaração e embargos infringentes..."
2 § 1o Ficam cancelados os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 100,00 (cem reais) § 2o Os autos das execuções fiscais dos débitos de que trata este artigo serão arquivados mediante despacho do juiz, ciente o Procurador da Fazenda Nacional, salvo a existência de valor remanescente relativo a débitos legalmente exigíveis(...)Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
3 AÇÃO PENAL. PACIENTE PROCESSADO PELA INFRAÇÃO DO ART. 334, CAPUT, DO CÓDIGOPENAL (DESCAMINHO). ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. EXISTÊNCIA DE PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FAVORÁVEL À TESE DA IMPETRAÇÃO.HABEAS CORPUS CONCEDIDO PARA DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. O descaminho praticado pelo Paciente não resultou em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. Tal fato não tem importância relevante na seara penal, pois, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal, incide, na espécie, o princípio da insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, porconseqüência, torna atípico o fato denunciado. 2. A análise quanto à incidência, ou não, do  princípio da insignificância na espécie deve considerar o valor objetivamente fixado pela Administração Pública para o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das ações fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União (art. 20 da Lei n. 10.522/02), que hoje eqüivale à quantia de R$ 10.000,00, e não o valor relativo ao cancelamento do crédito fiscal (art. 18 da Lei n. 10.522/02), equivalente a R$ 100,00. 3. É manifesta a ausência dejusta causa para a propositura da ação penal contra o ora Paciente. Não há se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos. 4. Ordem concedida.( HC 96309 / RS ABEAS CORPUSRelator(a): Min. CÁRMEN LÚCIAJulgamento: 24/03/2009 Órgão Julgador: Primeira Turma.

4 " HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. MONTANTE DOS IMPOSTOS NÃO PAGOS. DISPENSA LEGALDE COBRANÇA EM AUTOS DE EXECUÇÃO FISCAL. LEI N° 10.522/02, ART. 20. IRRELEVÂNCIA ADMINISTRATIVA DA CONDUTA. INOBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITOPENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA. 1. De acordo com o artigo 20 da Lei n° 10.522/02, na redação dada pela Lei n° 11.033/04, os autos das execuções fiscais de débitos inferiores a dez mil reais serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador d Fazenda Nacional, em ato administrativo vinculado, regido pelo princípio da legalidade. 2. O montante de impostos supostamente devido pelo paciente é inferior ao mínimo legalmente estabelecido para a execução fiscal, não constando da denúncia a referência a outros débitos em seu desfavor, em possível continuidade delitiva. 3. Ausência, na hipótese, de justa causa para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não pode ter relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. 4. O afastamento, pelo órgão fracionário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da incidência de norma prevista em lei federal aplicável à hipótese concreta, com base no art. 37 da Constituição da República, viola a cláusula de reserva de plenário. Súmula Vinculante n° 10 do Supremo Tribunal Federal. 5. Ordem concedida, para determinar o trancamento da ação penal." HC 92438/PR HABEAS CORPUSRelator(a): Min. JOAQUIM BARBOSAJulgamento: 19/08/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma
5 LAMEGO, José. Hermeneutica e Jurisprudência. Lisboa, Fragmentos, 1990 citado por MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios constitucionais e interpretaçãoconstitucional. In: Jus Navigandi, n. 13. http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp-id=87Capturado 2002.

6 LAMEGO, José. Hermenêutica e Jurisprudência, ob. cit. pp. 181-182. 
7 CERNICCHIARO, Luiz Vicente; e COSTA JR., Paulo José. Direito penal na constituição. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995., p.124.

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