Hoje lendo as edições digitais da Carta Maior, me chamou atenção o artigo do José Luís Fiori, intitulado "Giovanni Arrighi".
Interessada, fui ler o que dizia (esperando encontrar algumas de suas reflexões extremanente lúcidas, pois embora não tenha lido muitas coisas dele, tudo que li sempre me adicionou novas reflexões ou me responderam dúvidas das quais buscava uma compreensão plausível ou justificável. Os diálogos Dele com Immanuel Wallerstein também são muito proveitosos em termos de evolução dos pensamentos neoliberais, além de emancipatório. BOAVENTURA os têm como referência em várias obras), foi quando tive a notícia de seu falecimento, em 19 de junho... Como não soube antes? Não li em lugar algum...
É pra mim um momento de grande pesar. É a perda de um teórico de muita relevância no campo reflexivo-crítico das Ciências Sociais e Econômicas, que, sem dúvida, fará muita falta em termos de qualidade de produção e de iluminação às perspectivas otimistas de futuro.
Sua imortalidade fica registrada nas suas obras, de grade valia científica e humanitária.
Aos que não conhecem, indico a leitura!
Segue a excelente matéria de Fiori, da Carta Maior, que sintetiza o seu caminho teórico.
Giovanni Arrighi - Morreu nos Estados Unidos, dia 19 de junho de 2009, na cidade de Baltimore, o economista italiano Giovanni Arrighi, que foi professor na Universidade Johns Hopkins nos últimos anos de sua vida. Arrighi nasceu em Milão, em 1937, estudou na Universidade de Bocconi, e na década de 1960 participou da geração de cientistas sociais europeus e norteamericanos que trabalharam na África e se dedicaram ao estudo do desenvolvimento econômico nos países da periferia capitalista. De volta à Itália, na década dos 70, e depois nos Estados Unidos, a partir dos anos 80, Giovanni Arrighi dedicou quase três décadas de sua vida intelectual ao estudo da “crise da hegemonia norteamericana” dos anos 70, e das transformações econômicas e políticas mundiais das décadas seguintes, que passaram pela expansão vertiginosa da China e de grande parte da Ásia, e chegaram até a crise financeira de 2008.
Pouco a pouco, Arrighi mudou sua preocupação teórica do tema do crescimento econômico dos países periféricos e atrasados, para o estudo mais amplo do desenvolvimento histórico do capitalismo e do “sistema mundial moderno”, que se formou, se expandiu e se consolidou a partir da Europa, desde o século XVI. Marx teve uma presença decisiva na formação do pensamento de Giovanni Arrighi, mas sua extensa investigação sobre os ciclos e as crises econômicas e políticas da história capitalista partiu de outro lado, de três teses “heterodoxas” do historiador francês Fernand Braudel. Segundo Braudel, o capitalismo não é igual à economia de mercado, pelo contrário, é o “anti-mercado”, e o segredo de seu crescimento contínuo são os “lucros extraordinários” dos “grandes predadores” que não se comportam como o empresário típico ideal da teoria econômica convencional. Em segundo lugar, para Braudel, a força originária do capitalismo não veio da extração da mais valia dos trabalhadores, mas sim da associação entre os “príncipes” e os “banqueiros” europeus, que se consolida muito antes do século XVI. E, finalmente, sempre segundo Braudel, todos os grandes ciclos de expansão do capitalismo chegam a uma fase “outonal”, onde as finanças substituem a atividade produtiva, na liderança da produção da riqueza.
Giovanni Arrighi parte destas três idéias básicas e formula sua própria teoria, em seu admirável livro “O longo século vinte”, publicado em 1994. Ali, ele desenvolve, de forma mais acabada, suas próprias teses sobre o papel da concorrência estatal e da concorrência capitalista no desenvolvimento da história moderna. Uma sucessão de ciclos de acumulação econômica, liderados por uma sucessão de potências hegemônicas que mantiveram a ordem política e o funcionamento da economia mundial, graças à sua capacidade crescente de projetar seu poder nacional sobre um espaço cada vez mais global: Holanda, no século XVII, Grã Bretanha, no século XIX, e os Estados Unidos no século XX.
Segundo Arrighi, entretanto, estas sucessivas “situações hegemônicas” não suspendem os processos de competição e centralização do capital e do poder, responsáveis pela repetição periódica de grandes crises e longos períodos de transição e reorganização da base produtiva, assim como de mudança na liderança mundial do sistema. Desde o ponto de vista estritamente econômico, cada um destes grandes ciclos de acumulação, seguiu uma alternância regular, de épocas de expansão material com épocas de grande expansão financeira. Nos períodos “produtivos” o capital monetário põe em movimento uma massa crescente de produtos; no segundo período, o capital se libera de seu “compromisso” com a produção e se acumula – predominantemente – sob a forma financeira. Durante esta segunda fase, segundo Arrighi, é que se acelera a formação das estruturas e das estratégias dos Estados e dos capitais que deverão suceder ao antigo hegemón e assumir o comando do processo de acumulação econômica dali em diante, dando curso ao movimento contínuo de internacionalização das estruturas e instituições capitalistas.
Para Giovanni Arrighi, o conceito de “hegemonia mundial” se refere à capacidade de um Estado de liderar, mais que dominar, o sistema político e econômico mundial formado pelos Estados soberanos e suas economias nacionais. E as “crises de hegemonia” que se sucederam através da história são rupturas e mudanças de rumo na liderança, anunciadas pelas “expansões financeiras”, mas também pela intensificação da competição estatal; pela escalada dos conflitos sociais e coloniais ou civilizatórios; e pela emergência de novas configurações de poder capazes de desafiar e superar ao antigo Estado hegemônico. São crises que não ocorrem de repente, nem de uma só vez. Pelo contrário, aparecem separadas no tempo, primeiro na forma de uma “crise inicial”, e depois de algumas décadas na forma de uma grande “crise terminal”, quando então já existiria o novo “bloco de poder e capital”, capaz de reorganizar o sistema e liderar seu novo ciclo produtivo. Entre essas duas crises, é quando a expansão material dá lugar a “momentos maravilhosos” de acumulação da riqueza financeira, como ocorreu ao terminar o século XIX, e agora novamente, no final do século XX.
Giovanni Arrighi concluiu sua extensa investigação histórica com a certeza de que a “crise inicial” da hegemonia norteamericana começou na década de 1970, e que sua “crise terminal” está em pleno curso, neste início do século XXI, quando já se anuncia um novo ciclo de acumulação capitalista liderado por um ou por vários países asiáticos.
A teoria das previsões históricas de Giovani Arrighi pode ser criticada desde vários pontos de vista. Mas existe uma virtude em sua obra que transcende todas as críticas: Arrighi foi um dos raros economistas de sua geração que resistiu à tendência dominante do pensamento acadêmico do final do século XX, as pequenas narrativas e a construção de modelos formais inócuos. Do ponto de vista teórico, Giovani Arrighi foi um “heterodoxo”, que soube retomar com criatividade a tradição da grande teoria social dos séculos XIX e XX, de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel, para estudar as “ondas longas” econômicas e políticas do capitalismo. Sua ousadia intelectual merece reconhecimento e homenagem em um tempo de mesquinharias e de grande pobreza de idéias.
Fica aqui a minha singela homenagem...
Dani Felix
Interessada, fui ler o que dizia (esperando encontrar algumas de suas reflexões extremanente lúcidas, pois embora não tenha lido muitas coisas dele, tudo que li sempre me adicionou novas reflexões ou me responderam dúvidas das quais buscava uma compreensão plausível ou justificável. Os diálogos Dele com Immanuel Wallerstein também são muito proveitosos em termos de evolução dos pensamentos neoliberais, além de emancipatório. BOAVENTURA os têm como referência em várias obras), foi quando tive a notícia de seu falecimento, em 19 de junho... Como não soube antes? Não li em lugar algum...
É pra mim um momento de grande pesar. É a perda de um teórico de muita relevância no campo reflexivo-crítico das Ciências Sociais e Econômicas, que, sem dúvida, fará muita falta em termos de qualidade de produção e de iluminação às perspectivas otimistas de futuro.
Sua imortalidade fica registrada nas suas obras, de grade valia científica e humanitária.
Aos que não conhecem, indico a leitura!
Segue a excelente matéria de Fiori, da Carta Maior, que sintetiza o seu caminho teórico.
Giovanni Arrighi - Morreu nos Estados Unidos, dia 19 de junho de 2009, na cidade de Baltimore, o economista italiano Giovanni Arrighi, que foi professor na Universidade Johns Hopkins nos últimos anos de sua vida. Arrighi nasceu em Milão, em 1937, estudou na Universidade de Bocconi, e na década de 1960 participou da geração de cientistas sociais europeus e norteamericanos que trabalharam na África e se dedicaram ao estudo do desenvolvimento econômico nos países da periferia capitalista. De volta à Itália, na década dos 70, e depois nos Estados Unidos, a partir dos anos 80, Giovanni Arrighi dedicou quase três décadas de sua vida intelectual ao estudo da “crise da hegemonia norteamericana” dos anos 70, e das transformações econômicas e políticas mundiais das décadas seguintes, que passaram pela expansão vertiginosa da China e de grande parte da Ásia, e chegaram até a crise financeira de 2008.
Pouco a pouco, Arrighi mudou sua preocupação teórica do tema do crescimento econômico dos países periféricos e atrasados, para o estudo mais amplo do desenvolvimento histórico do capitalismo e do “sistema mundial moderno”, que se formou, se expandiu e se consolidou a partir da Europa, desde o século XVI. Marx teve uma presença decisiva na formação do pensamento de Giovanni Arrighi, mas sua extensa investigação sobre os ciclos e as crises econômicas e políticas da história capitalista partiu de outro lado, de três teses “heterodoxas” do historiador francês Fernand Braudel. Segundo Braudel, o capitalismo não é igual à economia de mercado, pelo contrário, é o “anti-mercado”, e o segredo de seu crescimento contínuo são os “lucros extraordinários” dos “grandes predadores” que não se comportam como o empresário típico ideal da teoria econômica convencional. Em segundo lugar, para Braudel, a força originária do capitalismo não veio da extração da mais valia dos trabalhadores, mas sim da associação entre os “príncipes” e os “banqueiros” europeus, que se consolida muito antes do século XVI. E, finalmente, sempre segundo Braudel, todos os grandes ciclos de expansão do capitalismo chegam a uma fase “outonal”, onde as finanças substituem a atividade produtiva, na liderança da produção da riqueza.
Giovanni Arrighi parte destas três idéias básicas e formula sua própria teoria, em seu admirável livro “O longo século vinte”, publicado em 1994. Ali, ele desenvolve, de forma mais acabada, suas próprias teses sobre o papel da concorrência estatal e da concorrência capitalista no desenvolvimento da história moderna. Uma sucessão de ciclos de acumulação econômica, liderados por uma sucessão de potências hegemônicas que mantiveram a ordem política e o funcionamento da economia mundial, graças à sua capacidade crescente de projetar seu poder nacional sobre um espaço cada vez mais global: Holanda, no século XVII, Grã Bretanha, no século XIX, e os Estados Unidos no século XX.
Segundo Arrighi, entretanto, estas sucessivas “situações hegemônicas” não suspendem os processos de competição e centralização do capital e do poder, responsáveis pela repetição periódica de grandes crises e longos períodos de transição e reorganização da base produtiva, assim como de mudança na liderança mundial do sistema. Desde o ponto de vista estritamente econômico, cada um destes grandes ciclos de acumulação, seguiu uma alternância regular, de épocas de expansão material com épocas de grande expansão financeira. Nos períodos “produtivos” o capital monetário põe em movimento uma massa crescente de produtos; no segundo período, o capital se libera de seu “compromisso” com a produção e se acumula – predominantemente – sob a forma financeira. Durante esta segunda fase, segundo Arrighi, é que se acelera a formação das estruturas e das estratégias dos Estados e dos capitais que deverão suceder ao antigo hegemón e assumir o comando do processo de acumulação econômica dali em diante, dando curso ao movimento contínuo de internacionalização das estruturas e instituições capitalistas.
Para Giovanni Arrighi, o conceito de “hegemonia mundial” se refere à capacidade de um Estado de liderar, mais que dominar, o sistema político e econômico mundial formado pelos Estados soberanos e suas economias nacionais. E as “crises de hegemonia” que se sucederam através da história são rupturas e mudanças de rumo na liderança, anunciadas pelas “expansões financeiras”, mas também pela intensificação da competição estatal; pela escalada dos conflitos sociais e coloniais ou civilizatórios; e pela emergência de novas configurações de poder capazes de desafiar e superar ao antigo Estado hegemônico. São crises que não ocorrem de repente, nem de uma só vez. Pelo contrário, aparecem separadas no tempo, primeiro na forma de uma “crise inicial”, e depois de algumas décadas na forma de uma grande “crise terminal”, quando então já existiria o novo “bloco de poder e capital”, capaz de reorganizar o sistema e liderar seu novo ciclo produtivo. Entre essas duas crises, é quando a expansão material dá lugar a “momentos maravilhosos” de acumulação da riqueza financeira, como ocorreu ao terminar o século XIX, e agora novamente, no final do século XX.
Giovanni Arrighi concluiu sua extensa investigação histórica com a certeza de que a “crise inicial” da hegemonia norteamericana começou na década de 1970, e que sua “crise terminal” está em pleno curso, neste início do século XXI, quando já se anuncia um novo ciclo de acumulação capitalista liderado por um ou por vários países asiáticos.
A teoria das previsões históricas de Giovani Arrighi pode ser criticada desde vários pontos de vista. Mas existe uma virtude em sua obra que transcende todas as críticas: Arrighi foi um dos raros economistas de sua geração que resistiu à tendência dominante do pensamento acadêmico do final do século XX, as pequenas narrativas e a construção de modelos formais inócuos. Do ponto de vista teórico, Giovani Arrighi foi um “heterodoxo”, que soube retomar com criatividade a tradição da grande teoria social dos séculos XIX e XX, de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel, para estudar as “ondas longas” econômicas e políticas do capitalismo. Sua ousadia intelectual merece reconhecimento e homenagem em um tempo de mesquinharias e de grande pobreza de idéias.
Fica aqui a minha singela homenagem...
Dani Felix
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