terça-feira, 23 de setembro de 2008

Acorrentados ou Celebridades

Encontrei este artigo nas minhas "escavações virtuais" no Jornal da Associação dos Juízes para a Democracia [AJD].
Refere-se àquela situação absurda da Delegacia de Palhoça - SC, que a Delegada acorrentou o preso num pilar por falta de vaga na cela.
Bom, eu sei que a situação atual em Florianópolis é outra, face a fuga em massa da Central de Plantão Policial de São José - SC, mas estou esperando pra elaborar os encaminhamentos das políticas que serão adotadas pela Secretaria de Segurança Pública que, ao que tudo indica, será a construção de novas vagas no sistema carcerário, geridos pelo Poder Executivo [DEAP] ou superlotar ass já existentes, como forma de amenizar os problemas com a Polícia Civil...
VEREMOS...
Artigo:
Dia 03 de dezembro, cidade de Palhoça, região metropolitana de Florianópolis: a imprensa, subitamente comovida com a situação carcerária brasileira, caótica há mais de duas décadas, flagra presos acorrentados em frente à Delegacia de Polícia. Sim, um município do sul do Brasil, em Santa Catarina, “uma terra de mil jeitos. Jeitos de natureza e jeitos humanos” – ao menos é o que diz o site (www.sc.gov.br/conteudo/santacatarina/turismo/contrastes/index.html).
O Estado do “quarto maior” parque industrial do país acorrenta seus presos na rua. Como bichos. O fato, segundo a notícia, tragicomicamente, é festejado pelos próprios acorrentados, celebridades da desgraça. Qual a razão de tal bizarra alegria? Lá dentro, em uma cela para quatro pessoas, dezessete presos se amontoam, dividem espaço, mau cheiro, um vaso sanitário, tuberculose, pulgas, sarna, vidas e desventuras.
Em toda a grande Florianópolis estima- se que 250 pessoas estão presas em delegacias. O que se explica haja vista a miserabilidade do estado catarinense: que não exporta, que não tem turismo, que não tem indústrias... Claro que se tal fato ocorresse no semi-árido nordestino seria caso de preocupação. Mas naquela terra, pela prosperidade, penso ser muito difícil haver lotação de delegacias ou cabresto de presos. Inevitável. Para tratar do assunto, somente com doses de raiva ou de ironia.
Em 1998, a ONG Humans Rights Watch publicou um relatório denominado “Brasil atrás das grades”. Tratava-se de uma pesquisa realizada em 1997 e 1998 por Joanne Mariner, em co-autoria com James Cavallaro, que teve por objeto a análise in loco de quarenta estabelecimentos penitenciários, nos estados do Amazonas, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasília-DF. E há quase dez anos, a anamnese carcerária levou ao diagnóstico de que o Brasil descumpre a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que nestas ou em outras palavras ditam que toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
O Brasil é ilegal! Porém, Delegados, Promotores e Juízes, em sua maioria, afirmam que não lhes resta alternativa, já que “a lei deve ser cumprida”. Se o sujeito furtou, deve ser preso, afinal, o Código Penal prevê pena de um a quatro anos para quem pratica tal espécie de delito! E aí, vem à lembrança uma música de Raul Seixas (Ouro de Tolo), em que ensina:

“E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial,
Que está contribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social.”

Perfeito!! Sob o discurso da legalidade nega-se a própria legalidade do Estado. Ou seja, o cumprimento da lei é exigido apenas do indivíduo. Poucas vezes se exige do próprio Estado o respeito às leis. Quando a prisão não tem condições de “hospedar” em condições minimamente adequadas à dignidade do sujeito, não pode abrigar” o indivíduo.
O Estado não aprendeu que pela redução da população carcerária resolve-se o problema da superlotação e o executivo economiza seus gastos com prisões. Então, “respeita-se a lei” encaminhando um infeliz ao cárcere pelo “perigosíssimo” delito de tentativa de furto de um telefone celular e nega-se a ele condições mínimas de dignidade. Certamente, a danosidade social gerada pelo furto tentado deve justificar tal atrocidade. Atrocidades estatais denunciadas já por Marat. O revolucionário francês denunciava o poder estatal como um mal em si mesmo, predestinado à violação dos direitos naturais.
Um Estado que desrespeita a lei está condenado ao descaso de seu povo com a legalidade. Marat, mais uma vez, afirma que o Estado deve cumprir suas obrigações sociais para que os indivíduos respeitem as limitações legais. O respeito à dignidade humana é uma obrigação social do Estado, positivada nos Tratados e na Constituição, aliás, é em torno desse conceito que ela se fundamenta.
Finalizando, e já que se falou em Raul Seixas, talvez outra estrofe da mesma música sirva para que nos compreendamos melhor:

“É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal!!!!”



Felipe Cardoso Moreira de Oliveira
Advogado, Professor Universitário e
Conselheiro do ITEC- Instituto
Transdisciplinar de Estudos Criminais
PUBLICAÇÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA
Ano 12 - nº 44 - Dezembro - 2007/Fevereiro - 2008

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