sábado, 24 de outubro de 2009

Por uma imprensa livre: "Il Fatto Quotidiano"

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Il Fatto Quotidiano: por uma imprensa livre 

Em poucos dias de campanha promocional via rádio e Internet, o primeiro jornal italiano auto financiado recolheu cerca de cinco milhões de euros em assinaturas

 Por Anelise Sanchez

 


 

Roma – No último dia 23 de setembro os italianos vivenciaram um acontecimento inusitado. Pela primeira vez, as bancas de jornais de todo país receberam exemplares do primeiro jornal auto financiado, chamado de Il Fatto Quotidiano.
Fundado por Antonio Padellaro, ex -diretor de L’Unità - antigo órgão oficial do Partido Comunista Italiano – e aplaudido pela nata do jornalismo de esquerda, o veículo conquistou 30 mil assinantes antes mesmo da publicação de sua primeira edição. Um sinal inequívoco da fome italiana por uma imprensa desvinculada dos interesses partidários e daqueles privados.
Historicamente, a subvenção pública em favor da editoria italiana aprofunda as suas raízes no período fascista, quando o chamado Ministério da Cultura Popular apoiava politicamente o lançamento da revista quinzenal La Difesa della Razza (A Defesa da Raça). O fascismo desmoronou e nasceu a República mas, mesmo assim, o apoio estatal aos jornais sofreu inúmeros retoques, mas permaneceu vivo.
Nas últimas décadas, o objetivo do governo era garantir o pluralismo e favorecer a circulação de idéias mas, na verdade, a mídia do país foi dominada por jornais que firmaram-se graças a uma declarada filiação política partidária.
Tudo começou em 1981, após a promulgação de uma lei que previa um auxílio econômico estatal aos editores de jornais e periódicos considerados órgãos de partido. Mais tarde, em 1987, a normativa sofreu algumas alterações. A principal delas estabelecia que o financiamento seria destinado aos jornais de facções políticas que tivessem no minimo dois deputados eleitos no Parlamento.
Foi o início de um matrimônio indissolúvel entre imprensa e poder que, em pouco tempo, gerou mais de 386 periódicos que reivindicavam o próprio direito de obter o financiamento.
Em 2000, a lei tornou-se mais restritiva, elevando a dez o número mínimo de parlamentares para obter ajuda econômica como jornal de partido e especificando que a subvenção também poderia ser destinada à publicações editadas por cooperativas de jornalistas ou fundações sem fins de lucro.
Sendo assim, não é difícil entender o crescimento substancial do número de cooperativas editoriais que criaram jornais “ad hoc” para beneficiar-se de tal subvenção que, desde 2008, não é mais propocional à sua tiragem.
Estima-se que, anualmente, o estado italiano desembolse quase 700 milhões de euros para financiar a imprensa, incluindo a católica. Segundo os últimos dados divulgados pelo Departamento da Informação e Editoria, só em 2007 o jornal Avvenire recebeu exatamente 6.174,758 milhões de euros.
A corrida para apoderar-se de uma polpuda fatia desta subvenção inclui jornais de direita e de esquerda, sem excluir aqueles que defendem com unhas e dentes a livre empresa e condenam o assistencialismo, como Il Foglio e Libero.
Hoje, com a crise da mídia impressa, muitos jornais italianos não sobreviveraim sem este apoio econômico, principalmente depois que o ministro da economia Giulio Tremonti anunciou cortes de 83 milhões para esta verba em 2009 e de 100 milhões em 2010.
Por este motivo, o lançamento do jornal Il Fatto Quotidiano representa uma novidade absoluta para o mercado italiano, pois recusará qualquer financiamento público, inclusive aqueles indiretos, como o reembolso de despesas como energia elétrica e tarifas postais do qual se servem grandes grupos editoriais privados. A idéia é sobreviver apenas com verbas representadas pelas assinaturas e as vendas nas bancas de jornais, publicando aquilo que para uma grande parte da imprensa não faz notícia.
No panorama italiano é difícil encontrar os chamados editores puros, dedicados exclusivamente ao setor da informação, mas Il Fatto é propriedade de uma pequena cooperativa de sócios, entre eles aqueles que compõem a sua redação e que possuem a mesma quota acionária. “É a única maneira de escrever com total liberdade intelectual, tratando temas que outros descartam por razões políticas, problemas de noticiabilidade o imposições provenientes do alto”, explicou Padellaro antes do lançamento da publicação.
Em poucos dias de campanha promocional via rádio e Internet, o novo jornal recolheu cerca de cinco milhões de euros em assinaturas e, no editorial do primeiro número de Il Fatto Quotidiano, Padellaro sublinha que, para quem lhe pergunta qual será a linha política do jornal, a resposta é uma só: a Constituição da República. (sem grifo no original)
 
Anelise Sanchez é jornalista
versão on-line
 
 

Palavras para as vésperas

OXALÁ! Todo o meu APOIO! Toda a minha SOLIDARIEDADE aos Irmãos Uruguaios!



Em discurso proferido no encerramento da campanha da Frente Ampla, no Obelisco de Montevidéu, o escritor Eduardo Galeano manifestou a esperança de que a eleição deste domingo no Uruguai vai libertar o país de "duas traves metidas na roda da democracia". Uma delas é a que impede o voto por correio dos uruguaios que vivem no exterior. A outra é a lei da impunidade, a lei de caducidade da pretensão punitiva do Estado (contra os crimes da ditadura), "batizada com esse nome rocambolesco pelos especialistas na arte de não chamar as coisas pelo seu nome".

Falta muito pouco para que o povo uruguaio eleja novo governo.
Ao mesmo tempo, nas mesmas urnas, será submetida a plebiscito a possibilidade de libertar-nos de duas traves metidas na roda da democracia.
Uma delas é a que impede o voto por correio dos uruguaios que vivem no exterior. A lei eleitoral, cega de cegueira burocrática, confunde a identidade com o domicílio. Diga-me de onde vens e te direi quem tu és. Os uruguaios da pátria peregrina, em sua maioria jovens, não têm direito a voto se não podem pagar a passagem. Nosso país, país de velhos, não só castiga os jovens negando-lhes trabalho e obrigando-os ao exílio, como também nega o exercício mais elementar dos direitos democráticos. Ninguém se vai porque quer. Os que foram para o exterior são traidores? É traidor um de cada cinco uruguaios? Traidores ou traídos?
Oxalá consigamos acabar de uma vez por todas com essa discriminação que nos mutila.
E oxalá acabemos também com outra discriminação ainda pior, a lei da impunidade, lei de caducidade da pretensão punitiva do Estado, batizada com esse nome rocambolesco pelos especialistas na arte de não chamar as coisas pelo seu nome.
A Corte Suprema de Justiça acaba de estabelecer que essa lei viola a Constituição. Há muito tempo se sabe que também viola nossa dignidade nacional e nossa vocação democrática. É uma triste herança da ditadura militar, que nos condenou ao pagamento de suas dívidas e ao esquecimento de seus crimes.
No entanto, há 20 anos, essa lei infame foi confirmada por um plebiscito popular. Alguns dos proponentes daquele plebiscito estão reincidindo agora, e com muita honra: perdemos, por muito pouco, mas perdemos, e não nos arrependemos. Acreditamos que aquela derrota foi em grande medida ditada pelo medo, um bombardeio publicitário que identificava a justiça com a vingança e anunciava o apocalipse, larga sombra da ditadura que não queria ir embora; e acreditamos que nosso país demonstrou, nestes primeiros anos de governo da Frente Ampla, que já não é aquele país que o medo paralisava.
Acreditamos nisso e, oxalá, não me equivoque.
Oxalá triunfe o senso comum. O senso comum nos diz que a impunidade estimula a delinquência. O golpe de Estado em Honduras só o confirmou. Quem pode surpreender-se que os militares hondurenhos tenham feito o que fazem há muitos anos, com o treinamento do Pentágono e a permissão da Casa Branca?
A luta contra a impunidade, impunidades dos poderes e dos poderosos, está se desenvolvendo nos quatros pontos cardeais do mundo. Oxalá possamos contribuir para desmascarar os defensores da impunidade, que hipocritamente gritam aos céus ante a falta de segurança pública, ainda que saibam que os ladrões de galinhas e os assaltantes de bairros são bons alunos dos banqueiros e dos generais recompensados por suas façanhas criminais.
Oxalá o próximo domingo confirme nossa fé em uma democracia sem coroas, nem as do uniforme militar, nem as do dinheiro.
Oxalá possamos envolver esta lei em papel celofane, em um pacote bem amarrado, com laço e tudo, para enviá-lo de presente a Silvio Berlusconi. Este grande mago da impunidade universal que já atravessou mais de 60 processos e não conhece nenhum cárcere nem sequer de visita, nos agradecerá o obséquio e seguramente saberá encontrar para ele alguma utilidade.
Oxalá.
A única coisa certa é que, aconteça o que aconteça, a história continuará, e continuará o incessante combate entre a liberdade e o medo.
Eu só quero invocar uma palavra, uma palavra mágica, uma palavra que abre portas, que é, quiçá, a mais universal de todas. É a palavra “abracadabra”, que em hebraico antigo significa: Envia teu fogo até o final. Como uma homenagem a todos os fogos caminhantes, que vão abrindo portas pelos caminhos do mundo, eu a repito agora:

Caminhantes da justiça,
portadores do fogo sagrado,
Abracadabra, companheiros!

(Versão do discurso pronunciado no Obelisco de Montevidéu, no fechamento da campanha contra a lei de impunidade, na noite do dia 20 de outubro) 
Publicado originalmente no jornal La Jornada (México) 
Tradução: Katarina Peixoto

Publicação no Brasil: www.cartamaior.com.br