sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Ataques em SP: Imobilismo, corrupção e omissão do Estado


Muito boa entrevista e ótimo material disponibilizado pra pesquisa!

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Crime organizado cresce sob o imobilismo estatal, diz pesquisadora da Justiça Global

O componente corrupção, organização do crime por dentro do estado, tem que ser mais seriamente investigada. No nosso entendimento tem um componente econômico que é muito importante na deflagração dessa onda de violência"


Por Aray P Nabuco
Caros Amigos

Imobilismo do Estado, omissão em investigar e punir e corrupção dentro e fora das estruturas do poder público são os ingredientes que mantêm São Paulo refém de ataques do crime organizado, grupos de extermínio e revides extra-judiciais. Com períodos mais intensos, como o vivido atualmente, desde maio de 2006 o embate entre o Primeiro Comando da Capital (PCC), grupos de extermínio e forças de segurança nunca parou de fato, diz a pesquisadora e co-fundadora da organização não-governamental Justiça Global, Sandra Carvalho. Junto com outros pesquisadores, Sandra é autora do mais completo estudo das causas dos ataques de maio de 2006, intitulado "São Paulo sob Achaque", baseado em pesquisa de 5 anos em documentos oficiais, inquéritos e entrevistas com autoridades policiais - o 'achaque' no título, faz referência direta à corrupção.

Previsível
Ao constatarem que as mesmas condições que detonaram os ataques de 2006 - corrupção, omissão, ausência de investigação e punição - continuavam existindo em São Paulo, os pesquisadores não titubearam em vaticinar, ainda no fim de 2010, que o Estado sofreria novos ataques. E acertaram - já são quase 100 policiais mortos e muitas chacinas nas periferias com mais de 200 assassinatos, o que levou o governador Geraldo Alckmin a derrubar seu secretário de Segurança Pública e substituí-lo e a aceitar ajuda do governo federal.
Em entrevista à Caros Amigos, Sandra aborda as constatações da pesquisa, os ataques atuais e sua relação com a ineficiência e corrupção no Estado. Para ler "São Paulo sob Achaque", clique aqui . 

Caros Amigos - Há uma omissão do Estado em tentar resolver esse problema?
Sandra Carvalho - O que a gente verificou na pesquisa é que as principais questões que estavam envolvidas no que se costumou chamar de Crimes de Maio não foram investigadas, não foram analisadas e não tiveram uma resposta adequada por parte do Estado. O trabalho chama "São Paulo sobre Achaque", houve até uma discussão do porque esse nome 'achaque', porque a palavra não é muito utilizada, mas é usada na polícia e fazia todo sentido com base no que a gente investigou, que é uma relação do crime organizado dentro e fora do Estado, de setores que estão dentro (das estruturas) do estado, mas que estão realizando atividades criminosas, com setores que são crime organizado por fora do estado. Há uma relação econômica, digamos assim, mas nunca foi investigada adequadamente.
Não houve essa resposta, não houve um enfrentamento de todo um setor que estava envolvido com corrupção dentro e fora do estado e que motivou muito dessas ações violentas, tanto por parte do crime, quanto por parte de setores do estado.
CA - Vocês citam a corrupção de policiais. O quanto da corrupção do poder público explica os ataques?
SC - Eu não sei quantificar, mas o que a gente pesquisou é que em maio de 2006, situações muito emblemáticas, como foi o sequestro do enteado do Marcola (líder do PCC na época), e depois a lista das transferências das lideranças, foram fundamentais para deflagrar os ataques do PCC e depois o revide da polícia.
Agora, algumas informações que venham por parte da polícia e que já foram dadas visibilidade pelos meios de comunicação, apontam que talvez isso também tenha acontecido. Eles falam da venda de uma lista ao PCC com nomes de policiais, enfim.
A gente viu também que tinham muitos policiais, principalmente civis, sendo investigados pela Corregedoria. E essas investigações nunca chegaram a termo, não resultaram em investigação isenta, séria. O componente corrupção, organização do crime por dentro do estado, tem que ser mais seriamente investigada. No nosso entendimento tem um componente econômico que é muito importante na deflagração dessa onda de violência, seja na ação das chacinas ou de grupos de extermínio, em grande parte integrados por policiais. Me lembro que na pesquisa, o então delegado geral, Desgualdo (Marco Antonio Desgualdo), quando indagado pela gente sobre quem eram os encapuzados, ele na entrevista à nossa equipe, falou "Eram PMs". Eram PMs, mas de lá para cá não teve uma investigação, uma apuração, não foram desmanteladas essas organizações criminosas, nem dentro do estado, nem de fora.
A gente falava que era importante uma investigação que envolvesse o Ministério Público Federal, a Polícia Federal. A gente recomendou, na verdade, a federalização dos crimes, para que não ficassem sendo investigado pela própria polícia paulista. Nós, em parceria com a Defensoria Pública de São Paulo e o movimento Mães de Maio, ingressamos com um pedido de deslocamento de competência para que as investigações passassem para a esfera federal.
CA - Mas isso também nunca ocorreu.
SC - Nós nunca tivemos um retorno da Procuradoria Geral da República, uma manifestação no sentido de que esse pedido avançasse e fosse encaminhado para o STF. Também foi formada uma comissão especial na polícia para investigar os crimes de maio, que infelizmente também não foi pra frente. O que a gente pôde acompanhar - nós integramos essa comissão especial, e temos conversado, dialogado sistematicamente com o grupo Mães de Maio -, é que também de maio de 2006 até agora, a gente teve momentos em que essa violência se intensifica. Mas se a gente olha para a Baixada Santista, por exemplo, a gente vê uma continuidade da ação de grupos de extermínio, das chacinas, com um perfil muito parecido com o que a gente identificou em maio de 2006.
Agora, a imprensa reforça algumas notícias de que algumas das vítimas tiveram a sua identidade, sua ficha criminal checada antes de serem assassinadas. O nosso relatório também mostra que isso aconteceu nas mortes de maio de 2006.
CA - Já era uma prática?
SC - Sim, já era uma prática. E há a proximidade entre a morte de um agente do estado com uma chacina que acontece logo em seguida. Assim, o que a gente vislumbra hoje é que realmente verifica-se algo muito parecido com maio e 2006.
CA - Quer dizer, o que está ocorrendo hoje é só uma continuação?
SC - Claro, porque não houve um enfrentamento adequado e à altura do que aconteceu naquele momento em 2006.
CA - Dá pra dizer que o Estado está em um imobilismo em relação a esse assunto?
SC - Sim, está num imobilismo e omisso porque esse relatório, por exemplo, foi entregue às autoridades públicas de São Paulo. Traz várias questões que deveriam ter uma análise mais aprofundada. A gente fez, por exemplo, um estudo de diversos casos registrados como "resistência", de como na verdade foram execuções. E não houve nenhuma movimentação por parte do poder público de São Paulo, do Ministério Público e mesmo do Judiciário de reabertura de muitos desses casos, de uma investigação mais exaustiva.
CA - No estudo, vocês fazem várias recomendações. Alguma delas foi realizada?
SC - Nos termos do que são as recomendações que a gente fez, muito pouco delas foi realizado. Uma das questões eram os mutirões carcerários, mas o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) teve muita dificuldade de realizar os mutirões, muita resistência do Estado, do próprio TJ de São Paulo (Tribunal de Justiça de São Paulo). E não foi feita de forma satisfatória, foram verificados vários problemas.
A gente falava também que seria super importante a instalação de uma comissão parlamentar mista de inquérito para apurar exaustivamente essa situação. Isso também não foi realizado, infelizmente. Também não foi feita uma revisão integral do trabalho de investigação, tanto da polícia, quanto também do próprio Ministério Público. Porque muitos inquéritos foram arquivados numa brevidade muito grande, inquéritos extremamente frágeis. E o MP jamais poderia ter concordado que investigações tão inócuas, tão incipientes fossem arquivados com tanta brevidade. Então, a gente recomendava que o Conselho Nacional do Ministério Público realizasse uma revisão integral da ação do próprio MP paulista nesses casos. Essa ação também não foi feita e no nosso entendimento também era importante de ser feito.
No estudo, a gente mostra como tudo foi conduzido para que não houvesse uma investigação. A ocultação das provas, por exemplo, no caso dos encapuzados, das chacinas. Os encapuzados chegavam, matavam e imediatamente na sequência chegava uma viatura da polícia, que recolhia o corpo e muitas das vezes as cápsulas, os projéteis que tinham sido disparados; nos inquéritos, só os policiais eram ouvidos, as testemunhas não foram ouvidas. Então, tudo o que é uma prática para a construção de um inquérito policial consistente, foi absolutamente desprezado.
Pelo que a gente está vendo novamente, essa mesma prática tem acontecido. Na investigação do que acontece hoje, em 2012, não houve uma modificação na prática de como essas investigações são feitas e muito provavelmente a gente vai ter resultado de não-investigação, de resultados insatisfatórios como a gente viu em maio de 2006.
É necessário um enfrentamento muito mais contundente, uma investigação mais rigorosa e externa, que se investigue a relação promíscua entre o crime organizado dentro e fora (das estruturas) do estado para que a gente não veja a repetição desses episódios.
CA - Vocês chegam a citar envolvimento de políticos. Vocês aprofundaram essa investigação?
SC - A gente não aprofundou, a gente fala que chegou a indícios e por isso a gente recomendava investigação. Nos chama atenção que várias crises envolvendo o sistema prisional, a começar pelo próprio Massacre do Cararndiru lá atrás, acontece em períodos eleitorais. A gente está saindo de um período eleitoral agora; em maio de 2006 a gente também estava em um processo eleitoral. As movimentações que acontecem dentro de um período eleitoral nos mostraram que deveriam ser investigadas a fundo.
Muitas relações envolvendo parlamentares, políticos, algumas movimentações nos trouxeram indícios, mas não houve tempo de fazer uma investigação rigorosa nesse sentido.
CA - Mas é possível afirmar que o PCC tem uma ideologia política e quer influir nos processos políticos?
SC - Eu não tenho elementos para dizer isso. Mas uma das suposições que a gente tem, é que o PCC talvez tenha até abandonado essa vontade que ele tinha - já tiveram denúncias na imprensa - de ter candidatos.
Mas mais do que isso, quero deixar bem claro, de forma muito incipiente, nos parece que esses momentos eleitorais são muito propícios para negociações, acordos, transações econômicas. Eu diria mais por aí. Por isso que a gente recomendou investigações mais rigorosas.
CA - Forçar uma situação de acordo, de conversa.
SC - Exatamente. Para com setores do crime organizado dentro do estado.
CA - Vocês chegaram a detectar relações permanentes do PCC com outras facções fora do Estado de São Paulo?
SC - Não. As nossas investigações apontam através de entrevistas que foram feitas, e mesmo pela documentação produzida pelos órgãos de imprensa, que dentro do sistema prisional de alguns estados via-se movimentação de filiados do PCC. Mas a gente não investigou a ação do PCC em outros estados. Isso ocorre, inclusive, pelas próprias transferências após rebeliões, enfim. Então, a gente identificou que tinham integrantes do PCC esparramados por presídios de outros estados.
CA - Essas facções, como o PCC, parecem um fenômeno de São Paulo e Rio de Janeiro...
SC -
 Mas é diferente. Sou de São Paulo, há 20 anos acompanho a situação prisional de São Paulo e há 7 anos no Rio de Janeiro. Vejo diferenças de como o crime se organiza dentro e fora do sistema prisional em São Paulo e Rio de Janeiro. Até porque, em São Paulo, a gente tem a predominância de uma facção e no Rio, tem mais facções coexistindo.
CA - Mas é um fenômeno que ocorre em outros estados?
SC - Vários estados têm facções. Vários têm o crime organizado dentro das estruturas do estado. Se a gente olha no Espírito Santo, por exemplo, é um estado que viveu situações do crime organizado, de ação de grupos de extermínio, do crime envolvendo esferas do poder público no Legislativo, no Judiciário, na polícia, dentro do sistema prisional. Então, assim, é um fenômeno que acontece também em outros estados, mas guardando as diferenças e características de como se organiza.
CA - Eu pergunto isso porque tem uma sensação da população de que o crime organizado é generalizado, no Brasil todo. É possível afirmar que o crime organizado se tornou um problema em todos os estados?
SC - Tem várias caracterizações para crime organizado. A gente tem que diferenciar o que é uma situação de violência do que é crime realmente organizado. Na situação de São Paulo, como é também um pouco a situação do Rio e é também do Espírito Santo, essa relação do crime que se organiza por dentro do estado é muito forte.
Se a gente pensa o Rio de Janeiro, por exemplo, onde o chefe da Polícia Civil foi preso, a cúpula foi desmontada por conta de seu envolvimento com o crime organizado, você tem essa relação mais direta com agentes do estado - o Álvaro Lins com a coisa dos jogos de azar, do jogo do bicho. No Espírito Santo também.

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